CAMPANHA "Solidariedade nunca é em Excesso"
Os Excesso visitaram no passado mês de Dezembro, durante quatro dias, as crianças doentes de mais de uma dezena de Hospitais e Centros Sociais em Lisboa e Porto. Dias 9 e 10 visitaram os Hospitais de Lisboa, e nos dias 16 e 17 estiveram de visita aos Hospitais da região do Porto. As crianças tiveram como prenda de Natal a companhia dos EXCESSO que ofereceram uma t-shirt a cada uma e que, pela receptividade verificada, contribuiram para um Natal diferente para estas crianças. Segundo Nuno Carvalho, produtor dos Excesso e autor desta iniciativa "a ideia foi incentivar as crianças a uma rápida recuperação com a presença dos Excesso e com a oferta de t-shirts com a foto da banda unida pelas mãos e a frase Eu Sou Um Excesso". Esta iniciativa deveu-se ao facto da existência de inúmeras solicitações por parte das crianças doentes em conhecerem os EXCESSO. Desta forma pretendeu-se encher de alegria as crianças doentes para as quais a vida não é um excesso e pelos resultados obtidos, pode dizer-se que o objectivo foi conseguido. Segundo os Excesso, resta agora fazer com que este tipo de acção seja contínua para que estas crianças não deixem de acreditar que existe sempre a esperança de verem os seus problemas resolvidos.
Esta iniciativa da NZ Produções teve o apoio da Polygram e da Rádio Renascença.
EXCESSO - EMBAIXADORES D'"A QUINTA"
Os Excesso, a mais famosa boysband portuguesa, tornou-se embaixatriz da Associação "A Quinta", pelo que deram, no passado dia 25 de Setembro em Maiorga/ Alcobaça, um concerto de solidariedade para com as crianças e jovens portugueses desprovidos de um meio familiar normal.
A receita do espectáculo, que contou com a presença de cerca de 1.500 pessoas, reverteu a favor da construção da Aldeia da Associação que será construída no Olival dos Frades, no Parque Natural da Serra D'Aire e Candeeiros, num terreno de nove hectares que contará com seis casas de acolhimento, pavilhão polidesportivo e infra-estruturas de apoio. De referir que este projecto, pioneiro em Portugal, tem sobrevivido até hoje unicamente com donativos angariados na Suiça.
Os Excesso demostraram mais uma vez a sua solidariedade e preocupação pelas crianças e jovens desfavorecidos.
EXCESSO SOLIDÁRIOS
Depois de Maiorga, os Excesso continuam solidários... no passado dia 5 de Outubro estiveram em Matosinhos num concerto de solidariedade para com o povo de Mansoa, no qual participaram inúmeros artistas. O evento que se tornou num marco das acções de solidariedade com a Guiné, teve como objectivo promover a comunicação entre as culturas e angariar o máximo de fundos possíveis destinados às carências deste povo, vítima das atrocidades de uma guerra que fez milhares de mortos. Um espectáculo solidário ao qual os Excesso não poderiam faltar.
sábado, 8 de dezembro de 2012
segunda-feira, 3 de dezembro de 2012
Os Reis da Música
Em 1997, o Coliseu dos Recreios vestiu-se a preceito para receber a primeira gala dos ‘Reis da Canção Popular’. Lá fora, nem a chuva nem o frio afastaram os artistas nomeados, ansiosos por descobrir qual deles ia levar para casa o tão desejado troféu. A noite já ia longa quando os apresentadores, Cristina Caras Lindas e Marco Paulo, revelaram o nome dos vencedores, eleitos por um júri composto por várias personalidades do ‘showbizz’ nacional. No momento crucial, o silêncio instalou-se na mítica sala de espectáculos da capital, que ficou à espera de ouvir as palavras mágicas dos ‘entertainers’: “E o primeiro lugar vai para... Ágata e Emanuel!”, gritou Caras Lindas. Desvendado o resultado, os dignos vencedores ainda tiveram tempo de fazer o discurso da praxe, para agradecer a ajuda da família, da editora e em especial do público. “Sem o apoio incondicional das pessoas, a carreira de um artista está condenada logo à partida”, explica Emanuel. Na primeira edição dos ‘Reis da Canção Popular’, a chamada música ‘pimba’ estava no auge. A fama era tanta que até foi lançada uma revista com o mesmo nome — ‘Pimba’.
Ágata, ou melhor, Fernanda de Sousa, saboreava ainda o sucesso de ‘Maldito Amor’, lançado em 1995 — onde estava incluído o tema ‘Mãe Solteira’ — e ‘Escrito no Céu’, um êxito graças ao tema ‘Comunhão de Bens’. ‘Podes ficar com o carro e a casa / mas não fiques com ele’, pedia a cantora, à espera da compaixão do público. Uma vez mais, os fãs não lhe viraram as costas e o disco de 1996 fez história. Resultado: Ágata tornou-se numa figura incontornável da música popular portuguesa. Mas não se livrou do rótulo de ‘cantora pimba’: “Não me incomoda nada. O público é a fonte do meu sucesso. Além disso, respeito sempre a opinião dos outros, mesmo que o meu ponto de vista seja diferente”, avança a artista. Apesar de hoje já não ostentar o título de ‘rainha da canção popular’ , ela garante que ainda tem muito para dar: “Não sou pretensiosa, sou sonhadora! Espero um dia ter a recompensa de 30 anos de carreira cheia de alegrias e tristezas”.
O Triunfo dos Anjos A gala ‘Reis da Canção Popular’ até pode ter perdido o fulgor dos primeiros anos, mas em Janeiro de 2003 os artistas voltaram-se a reunir - desta vez no Teatro Maria Vitória — para aplaudir a vitória dos Anjos e do trio feminino Entrevozes. À excepção dos reincidentes irmãos Rosado, 'reis' em 2000, os vencedores dos últimos anos ainda não gozam de um estatuto de vedetas, como acontecia com Mónica Sintra, Micaela ou José Alberto Reis, na década de 90.
Em 2001, o ex-‘Excesso’ João Portugal e a (quase) desconhecida Ana Ritta consagraram-se ‘campeões’, o que só vem provar que a música popular portuguesa tem estado em constante mudança.
E o prémio vai para...
1997 – Ágata e Emanuel
1998 – Micaela e José Alberto Reis
1999 – Mónica Sintra e Excesso
2000 – Anjos
2001 – João Portugal e Ana Rita
2002 – Anjos e Entrevozes
O SHOW POPULAR
“Com a chegada das estações privadas e a ‘guerra’ das audiências televisão, tudo mudou. A partir daí, até a RTP começou a promover a música popular”, recorda o apresentador Carlos Ribeiro. Além do ‘Made In Portugal’, em meados da década de 90, os artistas não perdiam uma oportunidade de ir cantar aos programas ‘Telemúsica’ e ‘Reis da Música Nacional’, ambos na TVI, ou à estação de Carnaxide, mais precisamente ao ‘Big Show SIC’ e à ‘Roda dos Milhões’ – dois projectos do pai da ‘televisão em movimento’, Ediberto Lima. “Também não nos podemos esquecer dos programas de Herman José. Ele sempre incentivou a música ligeira”, afirma o cantor Nelo Silva. Pelo ‘Parabéns’, ‘Herman 99’ (ambos na RTP) ou ‘Herman SIC’ desfilaram alguns dos mais conhecidos cantores populares. O humorista nunca escondeu o seu fascínio pelo Duo Ele e Ela, Zé Cabra, Quim Barreiros, Roberto Leal ou pela ‘sexy’ Claudisabel.
Maria Barbosa, Correio da Manhã, 17/08/2003
Ágata, ou melhor, Fernanda de Sousa, saboreava ainda o sucesso de ‘Maldito Amor’, lançado em 1995 — onde estava incluído o tema ‘Mãe Solteira’ — e ‘Escrito no Céu’, um êxito graças ao tema ‘Comunhão de Bens’. ‘Podes ficar com o carro e a casa / mas não fiques com ele’, pedia a cantora, à espera da compaixão do público. Uma vez mais, os fãs não lhe viraram as costas e o disco de 1996 fez história. Resultado: Ágata tornou-se numa figura incontornável da música popular portuguesa. Mas não se livrou do rótulo de ‘cantora pimba’: “Não me incomoda nada. O público é a fonte do meu sucesso. Além disso, respeito sempre a opinião dos outros, mesmo que o meu ponto de vista seja diferente”, avança a artista. Apesar de hoje já não ostentar o título de ‘rainha da canção popular’ , ela garante que ainda tem muito para dar: “Não sou pretensiosa, sou sonhadora! Espero um dia ter a recompensa de 30 anos de carreira cheia de alegrias e tristezas”.
O Triunfo dos Anjos A gala ‘Reis da Canção Popular’ até pode ter perdido o fulgor dos primeiros anos, mas em Janeiro de 2003 os artistas voltaram-se a reunir - desta vez no Teatro Maria Vitória — para aplaudir a vitória dos Anjos e do trio feminino Entrevozes. À excepção dos reincidentes irmãos Rosado, 'reis' em 2000, os vencedores dos últimos anos ainda não gozam de um estatuto de vedetas, como acontecia com Mónica Sintra, Micaela ou José Alberto Reis, na década de 90.
Em 2001, o ex-‘Excesso’ João Portugal e a (quase) desconhecida Ana Ritta consagraram-se ‘campeões’, o que só vem provar que a música popular portuguesa tem estado em constante mudança.
E o prémio vai para...
1997 – Ágata e Emanuel
1998 – Micaela e José Alberto Reis
1999 – Mónica Sintra e Excesso
2000 – Anjos
2001 – João Portugal e Ana Rita
2002 – Anjos e Entrevozes
O SHOW POPULAR
“Com a chegada das estações privadas e a ‘guerra’ das audiências televisão, tudo mudou. A partir daí, até a RTP começou a promover a música popular”, recorda o apresentador Carlos Ribeiro. Além do ‘Made In Portugal’, em meados da década de 90, os artistas não perdiam uma oportunidade de ir cantar aos programas ‘Telemúsica’ e ‘Reis da Música Nacional’, ambos na TVI, ou à estação de Carnaxide, mais precisamente ao ‘Big Show SIC’ e à ‘Roda dos Milhões’ – dois projectos do pai da ‘televisão em movimento’, Ediberto Lima. “Também não nos podemos esquecer dos programas de Herman José. Ele sempre incentivou a música ligeira”, afirma o cantor Nelo Silva. Pelo ‘Parabéns’, ‘Herman 99’ (ambos na RTP) ou ‘Herman SIC’ desfilaram alguns dos mais conhecidos cantores populares. O humorista nunca escondeu o seu fascínio pelo Duo Ele e Ela, Zé Cabra, Quim Barreiros, Roberto Leal ou pela ‘sexy’ Claudisabel.
Maria Barbosa, Correio da Manhã, 17/08/2003
sexta-feira, 23 de novembro de 2012
Big Show Pimba
Na sociedade actual o "pimba" tornou-se um culto por excelência. Ninguém escapa a este autêntico fenómeno que nos entra todos os dias pela "caixa mágica" que temos em casa. Os programas que o fazem são vários, todos se acham originais, no entanto, se virmos bem, são todos vulgares e de baixo nível.
Um deles é o "big show sic", um programa pimba a todos os níveis que arrasa audiências levando-nos a pensar que a própria sociedade é pimba, inculta e adora todo o tipo de "lixo" televisivo desde que "embalado" num cenário metálico com bailarinas sorridentes que lembram autênticos clones. O exagero é tal que, agora, o dito programa até tem direito a infernizar-nos todos os sábados à tarde, em directo.
Aí os pimbas mostram-se, dizem baboseiras com os "Francisquinhos" ao colo, quebram os limites da futilidade, zangam-se porque "afinal havia outra", fazem-nos acreditar que "já não são bebés", num gozo de mau gosto aflitivo, obrigam-nos a "aguentar com esta" porque afinal "não és homem para mim". À mistura com tudo isto há lugar à revelação de novos talentos com a promessa de "um trono e cem contos".
Não se pode esquecer "o macaquinho das crianças", o tal Hadriano com "H", porque o produtor é brasileiro.
Com tudo isto, o público vibra, faz tudo o que lhe mandam, chora quando o mandam chorar, entra em histeria quando é preciso gritar e venera o "programa do povo".
O júri, no meio de comentários idiotas, lá vai tentando dar credibilidade ao que por lá se faz.
No entanto, se tudo isto acontece é porque algures na nossa sociedade, independentemente de credos, religiões ou posições sociais, há muitos "alguém" que se identificam com o programa.
Uma questão fica no ar: será que neste mundo supérfluo se sobrepõem frivolidades a uma cultura que defenda os nossos valores mais genuínos?
É algo em que devemos pensar, em nome da nossa identidade cultural.
Vanessa Massa (10º ano)
Teia - Escola Secundária de Macedo de Cavaleiros
Março de 1999
http://www.iie.min-edu.pt/edicoes/teia/marco1999/mcavaleiros.htm
terça-feira, 20 de novembro de 2012
sexta-feira, 12 de outubro de 2012
quarta-feira, 22 de agosto de 2012
quarta-feira, 15 de agosto de 2012
Os Sons do Verão - Músicas alegres e brejeiras
As músicas são ritmadas. As letras singelas. As canções apelativas, Fáceis de trautear. Canta-se no mesmo tom o amor, as infidelidades conjugais, as saudades da terra natal .. A alegria domina, a brejeirice é uma constante.
Nas rádios, nas televisões e nas discotecas os números não deixam margens para dúvidas no Verão, Quim Barreiros, Emanuel, Roberto Leal, Nel Monteiro, José Malhoa, José Alberto Reis e Ágata, entre muitos outros, são os cantores que os portugueses preferem ouvir, São eles os campeões de vendas, os Principais, garantes de dinheiro em caixa das editoras.
Nel Monteiro é exemplo de um intérprete bem-sucedido. Fez um contrato fabuloso com a Sony e é um dos artistas que em Portugal mais recebe de direitos de autor.
Música «popularucha», «ligeira», de «raiz popular», música «pirosa» — estes os rótulos com que uns e outros referem à música que no Verão invade as discotecas, os arraiais e as colectividades, os canais de rádio e da TV e os respectivos espaços publicitários.
«Quando quero ver o meu amor/Pego num burrito e lá vou eu/Lá vou eu».
- Canções imediatas
Margarida André, uma das apresentadoras do Top Mais, no Canal 1, afirma que são os emigrantes quem mais se identificam com Quim Gouveia ou Rio do Cabo. Diz que o conceito de música ligeira é vago e engloba desde os Madredeus ao Nel Monteiro. Este conceito está já ultrapassado, afirma.
As editoras apostam no Verão, porque sabem que esta é a altura certa para vender um determinado tipo de música, que é menos consistente, mais leve, mais ritmada, explica ainda Margarida André, do Top Mais.
Na caracterização dos sons dos discos que invadem o Verão, Carlos Ribeiro, apresentador do Made in Portugal, tem igual opinião: As canções são mais imediatas, as melodias são alegres e divertidas, não agridem ninguém. Isto explica o êxito deste tipo de música entre as franjas de um público mais selectivo.
Quem neste jogo de gostos acabam por ser penalizados são intérpretes como Rita Guerra, Zé Carvalho ou Nucha, por exemplo. Carlos Ribeiro explica porquê: A qualidade destes cantores é indiscutível. Todavia, eles nunca chegam a dar o salto comercial, porque os portugueses preferem continuar a comprar um disco de um intérprete estrangeiro a um trabalho destes cantores.
- Fronteiras diluídas
O apresentador do Made in Portugal entende que as fronteiras entre a música popular portuguesa e a música ligeira estão cada vez mais diluídas. Antigamente, os cantores de emigração não tinham tanta abertura em Portugal. Hoje, tudo mudou. E as canções de melodia mais acessível passam mais facilmente devido à guerra das audiências que se instalou nas rádios e nas televisões.
Diz Carlos Ribeiro que depressa as estações de televisão perceberam que era preciso dar
abertura e espaço à música mais popularucha para prenderem audiências.
Quanto aos lançamentos de Verão, acrescenta: Artistas como Nel Monteiro ou Emanuel vivem um ano inteiro dos trabalhos que lançam nesta altura.
José Orlando, produtor e autor de Telemúsica, programa da TVI apresentado por Magna Cristina, fala dos preconceitos das gentes das grandes cidades relativamente à música de cariz mais popular: o público prefere canções alegres, simples e que nem por isso deixam de ter conteúdo. É preciso dar às pessoas
o que elas gostam de ouvir. Com o tempo acabarão por se tornar mais exigentes, afirma José Orlando, que também é compositor.
Os emigrantes são gente que, habituada a conviver com outras posturas culturais, não têm preconceitos, factor que ajuda a explicar o sucesso da música de cariz mais popular, acrescenta.
«Sai, sai da minha vida/Vai, não te quero ver/Sai sem um queixume/E leva o perfume da outra mulher.»
- Mitigar saudades
João Afonso, responsável pela área de marketing da Sony Music, em Portugal, diz que a chegada dos emigrantes e as férias tornam os portugueses mais permeáveis a um determinado tipo de música. Aquilo que ele designa por música popularucha, referindo-se às composições de raiz popular e de ritmo simples.
No Verão, as pessoas partem de férias e instalam-se em hotéis e parques de campismo. Passam muito tempo na praia e ao volante dos automóveis. Estão, por isso, pouco disponíveis para consumirem um disco por inteiro.
Nesta altura — diz João Afonso —, e em função da camada de emigrantes que visita o nosso país, surge um tipo de música que se consome mais e é composta por temas brejeiros, música que se ouve nas festas e romarias que nesta altura do ano se realizam de norte a sul do País. No final das férias, os emigrantes levam consigo os discos que lhe servem para mitigar saudades do País natal.
Porém, não só da música popularucha vivem o Verão e os portugueses. Além da compilação da indústria, disco que reúne os grandes êxitos dos últimos seis meses — trabalho que a Sony já vendeu 60 mil unidades — são também êxito alguns dos lançamentos mundiais em que as editoras mais apostaram e que estão neste momento incluídos nos Tops.
Eugénia Ribeiro / TV Guia, Agosto 1995
Nas rádios, nas televisões e nas discotecas os números não deixam margens para dúvidas no Verão, Quim Barreiros, Emanuel, Roberto Leal, Nel Monteiro, José Malhoa, José Alberto Reis e Ágata, entre muitos outros, são os cantores que os portugueses preferem ouvir, São eles os campeões de vendas, os Principais, garantes de dinheiro em caixa das editoras.
Nel Monteiro é exemplo de um intérprete bem-sucedido. Fez um contrato fabuloso com a Sony e é um dos artistas que em Portugal mais recebe de direitos de autor.
Música «popularucha», «ligeira», de «raiz popular», música «pirosa» — estes os rótulos com que uns e outros referem à música que no Verão invade as discotecas, os arraiais e as colectividades, os canais de rádio e da TV e os respectivos espaços publicitários.
«Quando quero ver o meu amor/Pego num burrito e lá vou eu/Lá vou eu».
- Canções imediatas
Margarida André, uma das apresentadoras do Top Mais, no Canal 1, afirma que são os emigrantes quem mais se identificam com Quim Gouveia ou Rio do Cabo. Diz que o conceito de música ligeira é vago e engloba desde os Madredeus ao Nel Monteiro. Este conceito está já ultrapassado, afirma.
As editoras apostam no Verão, porque sabem que esta é a altura certa para vender um determinado tipo de música, que é menos consistente, mais leve, mais ritmada, explica ainda Margarida André, do Top Mais.
Na caracterização dos sons dos discos que invadem o Verão, Carlos Ribeiro, apresentador do Made in Portugal, tem igual opinião: As canções são mais imediatas, as melodias são alegres e divertidas, não agridem ninguém. Isto explica o êxito deste tipo de música entre as franjas de um público mais selectivo.
Quem neste jogo de gostos acabam por ser penalizados são intérpretes como Rita Guerra, Zé Carvalho ou Nucha, por exemplo. Carlos Ribeiro explica porquê: A qualidade destes cantores é indiscutível. Todavia, eles nunca chegam a dar o salto comercial, porque os portugueses preferem continuar a comprar um disco de um intérprete estrangeiro a um trabalho destes cantores.
- Fronteiras diluídas
O apresentador do Made in Portugal entende que as fronteiras entre a música popular portuguesa e a música ligeira estão cada vez mais diluídas. Antigamente, os cantores de emigração não tinham tanta abertura em Portugal. Hoje, tudo mudou. E as canções de melodia mais acessível passam mais facilmente devido à guerra das audiências que se instalou nas rádios e nas televisões.
Diz Carlos Ribeiro que depressa as estações de televisão perceberam que era preciso dar
abertura e espaço à música mais popularucha para prenderem audiências.
Quanto aos lançamentos de Verão, acrescenta: Artistas como Nel Monteiro ou Emanuel vivem um ano inteiro dos trabalhos que lançam nesta altura.
José Orlando, produtor e autor de Telemúsica, programa da TVI apresentado por Magna Cristina, fala dos preconceitos das gentes das grandes cidades relativamente à música de cariz mais popular: o público prefere canções alegres, simples e que nem por isso deixam de ter conteúdo. É preciso dar às pessoas
o que elas gostam de ouvir. Com o tempo acabarão por se tornar mais exigentes, afirma José Orlando, que também é compositor.
Os emigrantes são gente que, habituada a conviver com outras posturas culturais, não têm preconceitos, factor que ajuda a explicar o sucesso da música de cariz mais popular, acrescenta.
«Sai, sai da minha vida/Vai, não te quero ver/Sai sem um queixume/E leva o perfume da outra mulher.»
- Mitigar saudades
João Afonso, responsável pela área de marketing da Sony Music, em Portugal, diz que a chegada dos emigrantes e as férias tornam os portugueses mais permeáveis a um determinado tipo de música. Aquilo que ele designa por música popularucha, referindo-se às composições de raiz popular e de ritmo simples.
No Verão, as pessoas partem de férias e instalam-se em hotéis e parques de campismo. Passam muito tempo na praia e ao volante dos automóveis. Estão, por isso, pouco disponíveis para consumirem um disco por inteiro.
Nesta altura — diz João Afonso —, e em função da camada de emigrantes que visita o nosso país, surge um tipo de música que se consome mais e é composta por temas brejeiros, música que se ouve nas festas e romarias que nesta altura do ano se realizam de norte a sul do País. No final das férias, os emigrantes levam consigo os discos que lhe servem para mitigar saudades do País natal.
Porém, não só da música popularucha vivem o Verão e os portugueses. Além da compilação da indústria, disco que reúne os grandes êxitos dos últimos seis meses — trabalho que a Sony já vendeu 60 mil unidades — são também êxito alguns dos lançamentos mundiais em que as editoras mais apostaram e que estão neste momento incluídos nos Tops.
Eugénia Ribeiro / TV Guia, Agosto 1995
terça-feira, 31 de julho de 2012
Verão na Aldeia Regresso à Terra do Demo
O demónio gosta de manter as distâncias. Enfeitiça-nos melhor de longe. A prova são estas fotografias emolduradas sobre as cabeças dos clientes. Não há café nem restaurante das terras do demo que abdique de uma vista aérea da região, pendurada na parede. São paisagens verdejantes, aprazíveis, enganadoras. Cá em baixo não é assim. De perto, coberta de pedras e pinheiros, a terra tem o rosto crispado da intempérie. É infértil, inútil, couraçada e surda. Não corresponde o amor dos seus filhos e eles fogem.
Engrácia Teixeira e Leontino Pereira, 54 e 58 anos, na sua casa de dois andares, decorada com motivos de xisto, em Arcas. As vizinhas elegeram Engrácia para contar a história que é comum a todos, porque ela é "toda rigolota, gosta de rigoler". Chegaram à estação da Guarda, em 1972, sem autorizações para viajar. O passador já lá estava à espera. Foram com outro casal, de carro, durante a noite. Atravessaram clandestinamente a fronteira, pararam em Aix, de madrugada. "Então isto é que é a França? Pinheiros também temos lá. Quero voltar para Portugal!", disse Engrácia, toda rigolota. Não voltaram. Trabalhariam os dois, na mesma fábrica de madeiras, 30 anos. No Verão, vêm a Arcas, para a festa, sempre. Uma vez, tiveram de recomeçar o trabalho mais cedo, partiram precisamente no fim-de-semana da Senhora das Seixas, já se ouvia a música na estrada. "Passámos a festa no carro", recorda Leontino. "Foi o dia mais infeliz da minha vida".
Amam a sua terra ao longe. Visitam-na, em Agosto, "para recarregar baterias", como diz o padre Toni, de Sever. É de lá, da França, do Luxemburgo, da Suíça, da Alemanha, que amam a terra que ignorou a sua devoção milenar e submissa. Amam-na como a uma relíquia, uma imagem sonhada conservada numa moldura de ouro, como as paisagens aéreas da Serra da Lapa ou de Leomil nos restaurantes de Sátão, Penalva do Castelo ou Moimenta da Beira. E talvez por isso nunca a reencontrem. Instalam-se com todo o alarde em aldeias-fantasmas, investem tudo nas vilas entretanto convertidas ao mundo global, a que eles resistiram. São náufragos na sua terra, a que mesmo assim dão tudo.
Para eles, o Verão, Agosto, é uma época ritual. Vêm representar uma ilusão. Viver na aldeia com os recursos que apenas possuem porque deixaram a aldeia. Vêm todos os anos, nunca falham. Pouco importa que a aldeia seja imaginária e que a realidade que vivem seja um mito. Não falham, com uma condição: que haja festa.
Aqui, na Beira Alta, como por todo o Portugal interior e pobre, há festas de arromba em todas as aldeias e vilas. Em honra de um santo padroeiro, com a sua missa e procissão, mas também com baile e concerto de música pimba. Maiores ou menores, consoante o número da população, a sua riqueza ou a sua vontade de marcar pontos na competição desenfreada entre as várias comissões de festas. Nos peditórios que realizam porta a porta, há quem dê 100, 200 ou 500 euros para a organização do evento. A festa é uma demonstração de poder, de vitória sobre a pobreza. Há competição entre as famílias e entre as aldeias e tanto num caso como noutro nem sempre são os mais abastados que contribuem com os maiores donativos.
A pobre Alhais de Cima, que nunca fizera festa, lançou-se este ano na aventura pela primeira vez, graças à iniciativa de três emigrantes, enquanto Queiriga, muito rica, a quem até chamam a aldeia mais francesa de Portugal, teve em tempos uma boa festa mas agora não tem.
Arcas, por exemplo, um lugar da freguesia de Sever, concelho de Moimenta da Beira, não tem mais de 300 habitantes, durante o ano. Em Agosto, reúne milhares de pessoas na festa da Senhora das Seixas, que dura quatro dias seguidos. De sexta a segunda, com o duo Raio Solar a abrir a primeira noite, os irmãos Rui e Marisa, quatro horas seguidas, ele ao órgão, ela, que não chegou a ser seleccionada na Operação Triunfo (injustamente, garante), a cantar. "Aqui é pimba prá frente!"
Folgosa, uma minúscula aldeia numa encosta do rio Paiva, no concelho de Castro Daire, faz uma festa tão atravancada que os carros passam à frente do palco. Os pares dançantes têm de encostar-se à parede, por baixo das janelas e varandas onde famílias inteiras se instalaram para a noite mais importante do ano, enquanto o conjunto enche o exíguo palco com os seus sete músicos e duas bailarinas sexys e rebenta as colunas de som com o top ten da sordidez pimba. "Ponho o carro, tiro o carro, na garagem da vizinha... à hora que eu quiser, à noite e às vezes à tardinha... na garagem apertadinha..."
Raparigas dançam com raparigas, os maridos com as cunhadas, à frente da fila de idosas de preto, sentadas com expressões de dolorosa confusão. O vocalista, cabelo em rabo de cavalo e óculos escuros, canta fora do palco, no meio das pessoas. "Boa noite Folgosa! A próxima música é dedicada à comissão de festas e ao restaurante que nos ofereceu hoje o almoço".
As pacatas Penalva do Castelo ou Sátão reúnem, na praça principal ou da feira, mais pessoas para verem Romana ou Tony Carreira do que a maior parte dos espectáculos da capital. Vêm milhares de pessoas, é matemático, quer se divirtam ou não. Isso depende de quanto se dispuseram a gastar. Se nas aldeias a animação está nas plateias, quase indiferentes a quem debita os repertórios no palco, já nas festas das vilas ela depende em grande medida do artista convidado. Num espectáculo de Tony Carreira, como o do Sátão, o povo exulta num espasmo glorioso, mas numa festa onde apenas houve dinheiro para convidar a Romana, como em Penalva, reina o tédio.
"Olá. Estás bem disposto? Como te chamas? Pedro? Ó Pedrocas..." Romana fala com os espectadores, agora com um rapazito das primeiras filas, depois de ter entrado no palco aos saltos, com duas bailarinas e música em playback. "És tímido Pedrocas? Vou-te fazer uma declaração de amor, tens de aguentar, olhos nos olhos". E começa a canção: "Não és homem para mim, eu mereço muito mais..."
O público fica indiferente. Homenzinhos de casaco puído e boina, senhoras com crianças às cavalitas, fixam o palco com olhares ocos, que parecem atravessar a Romana, hipnotizados pelos holofotes. Alguns, como este gigante de enorme bigode e rosto achatado de Neandertal, estão literalmente de boca aberta, demasiado pasmados para terem alguma reacção. "Sem dúvida que nós gostávamos de mais palmas", queixa-se a Romana. "Mas nós sentimos que vocês estão a gostar de verdade".
O Sátão foi outra coisa. Investiram três mil contos (15 mil euros) no cachet do Tony Carreira, e não se arrependeram. A multidão está eléctrica, mesmo quando ouve a inefável banda de apoio, a Banda-S, de Samuel Ferreira. Dançam, gritam, famílias, grupos de rapazes ou de raparigas, as inevitáveis velhinhas mal-humoradas em cadeiras de praia enterradas no meio da balbúrdia. Rezingam em surdina a cada nova canção dos Banda-S, o que é sem dúvida a sua forma de mostrar que se estão a divertir. Outros mostram-no desferindo pancada uns nos outros, como este pai com os seus três filhos adolescentes. Terá 60 anos e um metro e meio de altura, magro e amarrecado, pele de granito, orelhas de abano, cabeça achatada e olhos azuis a faiscar junto ao nariz bicudo. Ri-se, canta e dança, fora de si de felicidade, e, a cada guinada mais forte de euforia, saltita para dar carolos nas nucas dos filhos, que são iguais a ele, em ponto grande. Não lhes deu tréguas durante toda a festa. "Olha ali... lá vem o Tony..." O imberbe vira a cabeça e pimba, carolo na moleirinha.
"Eu gosto de mamar nos peitos da cabritinha..." A Banda-S em toda a sua pujança. O filho a cantar, o pai a tocar acordeão. Há dois palcos, montados num ângulo de 90 graus. O grande, de Tony Carreira, que mais ninguém pode utilizar, e o da Banda-S, de tubos metálicos, com cobertura de plástico, todo construído a maçarico na garagem de Samuel Ferreira. "Alugo Palco" lê-se por cima das colunas, ao lado de um número de telefone. A multidão dança, mas é óbvio que estão todos impacientes pelo Tony. A banda de apoio tem de tocar antes e depois do concerto principal.
"Até o último bêbado decidir ir embora", queixa-se Samuel Ferreira, 51 anos. "Ando nisto há 30 anos", conta ele, encostado à carrinha que diz "Banda-S Tour 2004". Começou sozinho, a tocar em festas com o acordeão e um altifalante que pendurava numa árvore. Agora actua com os três filhos e dois vizinhos. Além do palco, também fabricou o sistema de som, o P.A., com altifalantes aparafusados em caixas de madeira. Leva 150 contos por espectáculo, incluindo a banda, som, luzes e palco. "Geralmente só dá para a deslocação. Muitas vezes não pagam". Além da música, os filhos trabalham numa serralharia. Mesmo assim, não é suficiente para sobreviver. A família Ferreira come as batatas e feijões que cultiva e as galinhas que cria no quintal da sua casa, em Pedrosas.
O contraste entre os palcos e os veículos das bandas principal e de apoio é chocante. O camião branco gigantesco de Tony Carreira, com todos os milhares de watts de aparelhagens e os 24 elementos da tournée, incluindo os nove músicos e pessoal técnico, humilha a ridícula traquitana de Samuel. "Tivemos de montar o palco de lado, sem condições nenhumas, por causa das exigências deles. Tratam os outros artistas como se fossem lixo. Qualquer dia já não há recintos onde possa tocar. E quem é ele? Há tanta gente a cantar assim ou melhor. A diferença é que não foram à televisão, e não têm um P.A. tão bom. Toda a gente sabe que, hoje em dia, o que faz um bom artista é o P.A.".
A família Ferreira está a tocar há duas horas, sem intervalos entre as músicas. "Dou-te tudo, meu amor, dou-te tudo..." Já ninguém ouve. "Eu gosto de mamar nos peitos da cabritinha..." Ninguém bate palmas, ninguém olha. Aos poucos, as pessoas vão-se voltando para o lado direito, para o outro palco, que está completamente às escuras. De repente acendem-se algumas luzes, para que o pessoal técnico venha dar as últimas aparafusadelas aos tripés e pratos das duas baterias... e acontece o inacreditável: a multidão em peso gira 90 graus. Não importa que a Banda-S continue a tocar: 90 graus de desprezo por eles. Nem que a banda de Tony leve mais uma boa meia-hora até entrar em palco: 90 graus de crueldade, 90 graus de lei do mais forte. A turba tenta chegar-se mais à frente, comprime-se, num sufoco de excitação.
Nos altifalantes ouve-se a voz do organizador da festa: "Pede-se aos pais que não deixem os filhos pendurar-se nas torres das colunas de som. Meninos, não sejam impertinentes, desçam já das colunas de som!"
Rui Rebelo, 40 anos, o organizador da festa, é professor. Acumula a actividade na empresa Companhia das Festas com o ensino de música na Escola Secundária de Vila Nova de Paiva. Desde os pequenos arraiais de aldeia até aos grandes eventos como o de Sátão, encarrega-se de tudo - contrata e aloja os artistas, aluga palcos e aparelhagens, trata das burocracias e até sugere os programas, consoante o dinheiro que há para gastar e o tipo de público da povoação em causa.
"Tony Carreira é o maior, sem comparação. Quer em termos de logística, quer em preço, quer em procura, quer em condições exigidas", explica-nos ele. "Só há outro tão requisitado como ele: o Quim Barreiros, apesar de actuar praticamente sozinho, com o seu acordeão. Toca 30 dias por mês".
Abaixo do Carreira, há artistas como Emanuel ou Toy, com cachets na ordem dos dois mil contos, e depois, num terceiro patamar, Romana, Micaela, Rute Marlene, Ágata, Taiti, Ana Malhoa, que custam à volta de mil contos e não têm material próprio. Marco Paulo e Roberto Leal estão em decadência, já ninguém os quer. Mas Rui disponibiliza-os a todos no seu "catálogo". Onde tem também alternativas mais baratas, como conjuntos de baile ou ranchos folclóricos, "que às vezes actuam só pelo lanche".
Alguns conjuntos regionais, porém, apesar de só tocarem músicas de outros, tornam-se famosos e chegam a atrair mais público do que os cantores pimba de nomeada. É o caso dos "TV 5", que até incluem fogo de artifício nos espectáculos. Recentemente, aliás, fizeram explodir inadvertidamente os foguetes que guardavam debaixo da bateria, durante a actuação, e foram parar ao hospital. Toca o telemóvel. "Está? Uma festa para amanhã? Onde? É um pouco apertado. Já não há artistas livres... Vou ver o que posso arranjar".
O palco está iluminado, Tony Carreira faz-se esperar. A multidão grita "Tony! Tony", entre a devoção e a turbulência. Grupos de rapazes troçam das fãs: "Aiii Tonyyyy!" Lançam bocas para o palco: "Então? Nunca mais se vêm?" Mas quando Tony entra triunfalmente, são os primeiros a render-se, embevecidos, e a entoar as canções que sabem de cor: "Ela foi a minha mais linda história de amoooor..." Tentam armar-se em duros: "Ai, ai, olha para mim a chorar..." mas recaem logo: "Depois de ti mais naaaada..."
Luzes azuis. O cenário de fundo é um céu com estrelas luminosas. Os músicos da secção dos metais vêm de óculos escuros e calças de cabedal negro. Os guitarristas, o baterista e a percussionista, de túnicas. As duas cantoras de branco. O som dos baixos faz estremecer Sátão. "Toda a gente sabe que é o P.A. que faz um bom artista". Tony de fato preto e camisa cor-de-rosa, a fivela do cinto a reluzir, esguio e angélico, segurando magicamente nas mãos grossas, de trabalhador, a multidão em transe e em uníssono.
Tony Carreira, com o irmão e "manager" e a presidente do clube de fãs, está hospedado na estalagem Mira Paiva, que acabou de ser inaugurada e já se transformou numa espécie de residência oficial dos cantores populares. Todos os dias de Agosto tem um diferente, de acordo com o calendário de festas de Rui Rebelo. Todos os dias de Agosto tem também um casamento, no salão da cave, que dura das duas da tarde até às tantas da madrugada, com banquete, baile e cantor pimba. Quase todos emigrantes, os noivos conhecem-se, em muitos casos, na festa de Agosto da sua terra, e marcam o casamento para o Agosto seguinte, também na sua terra, pretexto para fazerem outra festa.
Geralmente, cabe aos noivos a suite especial da estalagem. Não esta noite. Tony Carreira exigiu-a e o casal teve de passar as núpcias num quarto mais modesto. Não obstante, a primeira coisa que fizeram de manhã foi pedir um autógrafo ao cantor.
De início, Tony mostra-se desconfiado com os repórteres da Pública. Sem tirar os óculos escuros, quer saber qual o propósito da entrevista. "Muitos jornalistas dizem que o são mas não é verdade". Recusa-se a contar a história da sua vida, desde a infância na pequena aldeia da Beira Baixa, Armadouro, até à vida de emigrante em França, ao sucesso como cantor. Considera uma ofensa que um jornalista que lhe pede uma entrevista não saiba tudo sobre a sua vida. E tem razão. A alguém que vendeu dois milhões de discos, deu mais de dois mil concertos, 90 por ano só em Portugal, que esgotou o Pavilhão Atlântico, cinco coliseus e três Olimpias, não se pede que nos conte a sua vida, como se fosse um desconhecido. A pergunta que se impõe é outra: como chegou até aqui sem conquistar o respeito dos jornalistas? Porque não lança uma campanha de imagem junto da imprensa "séria"? Resposta: "Se cheguei até aqui sem a ajuda dos jornalistas, não é agora que me vou preocupar com campanhas de imagem".
É um homem marcado pelo ressentimento, embora não o admita nem compreenda o que lhe falta conquistar. "Sei que se cantasse outro género de canções seria visto de outra maneira", mas "um artista como eu não muda o género de canções. Pode mudar a roupagem, mas o estilo não, porque sou eu próprio. Tenho um grande orgulho em ser um artista do povo".
Considera-se um cantor romântico. "Pimbas são as telenovelas portuguesas, e ninguém lhes chama assim. O Julio Iglésias é quem é porque é espanhol. Se fosse português, com todos aqueles tiques, o que lhe chamariam?"
No palco do Sátão, Tony pega na guitarra acústica para cantar as canções antigas. É a sua imagem de marca, o "logotipo" pintado no camião, a silhueta do cantor, caminhando com a guitarra, evocando a ideia do trovador solitário e errante.
"A grande maioria de vocês está de férias por cá, não é?", diz ele, provocando a gritaria da multidão hipnotizada. Começa a cantar, acompanhado por todos, em coro, e de repente parece uma figura irreal, o bardo de um mundo perdido. "Está em mim querer o mundo, sou um eterno vagabundo..."
O filho mais novo da família carolo bamboleia-se, de braços no ar, "sou eterno vagabundo..." O pai, radiante, não perde a oportunidade. "Ai és vagabundo? Então toma!"
Todos agitam os braços no ar, não com isqueiros mas com os telemóveis, a tirar fotografias. Estabelece-se uma estranha e poderosa intimidade. Tony avança para a canção que o torna imortal entre os milhões de emigrantes, o sétimo encore. "Lembro-me de uma aldeia perdida na Beira, a terra que me viu nascer... E hoje a cantar, em cada canção, trago esse lugar no meu coração. Criança que fui e homem que sou, nada mudou".
Está tudo a postos em Arcas, rebentam os foguetes, a festa vai começar. O palco está montado junto à capela da Nossa Senhora das Seixas, num promontório de castanheiros de onde se vêem as serras em redor. O duo Raio Solar começa a cantoria e zás, falha a electricidade. Tudo às escuras e em silêncio. Parece que o céu cheio de estrelas se abate subitamente sobre o recinto. "Alguém tem um isqueiro?", ouve-se do palco.
Confusão. O problema nunca mais é resolvido, os empregados do bar improvisado resolvem ligar o rádio a pilhas. O relato do Benfica-Porto torna-se o som da festa. O presidente da junta sobe a um contentor de lixo, para consertar o quadro eléctrico pendurado num poste. A luz falharia mais onze vezes durante a noite, obrigando o autarca a passar horas em cima do contentor, examinando os complicados circuitos, uma espécie de matrix de toda a festa.
José de Jesus Pereira, presidente da Junta de Freguesia de Sever, de que o lugar de Arcas faz parte, é o mordomo-mor da festa da Senhora das Seixas. Com os restantes cinco mordomos e quatro mordomas, trabalha na organização desde a festa do ano passado. É construtor civil, pelo que construiu o púlpito de cimento para a missa campal quase inteiramente à sua custa. Mas para o resto das despesas conseguiu angariar 60 patrocinadores. "Uma festa como a de Arcas custa muito dinheiro. Cerca de 4500 contos. Só a filarmónica da procissão custa 800 contos. Os mordomos têm de adiantar somas consideráveis, porque o peditório só é feito depois de haver um programa garantido. E as pessoas só dão dinheiro se esse programa for bom".
Os Raio Solar recomeçam. Rui, o organista, tenta animar as hostes: "Vamos então ao tema de Quim Barreiros, a Cabritinha. Quem não gostava de ter uma para mamar?" Faz "Mééé" e manda descer do palco os miúdos que entretanto se sentaram à volta de Marisa, que dança exibindo o decote avantajado: "Larguem lá as tetas da cabrita!"
O pai de Rui e Marisa sonhava ser acordeonista. Como nunca conseguiu, ofereceu um acordeão aos filhos, que, com 12 e 13 anos, formaram uma banda na escola. Mais tarde comprou-lhes outro, de mais de mil contos, incentivando-os à profissionalização. Mas Marisa já tinha 17 anos e os namorados não viam com bons olhos a sua actividade artística. Fez-se escriturária. Só quando conheceu o actual marido, que é contabilista, pode voltar aos palcos. Ele aprendeu as técnicas de luz e som nos espectáculos e trabalha agora com ela. Senta-se num canto, ao lado do órgão e só se vê a sua cabecinha a congeminar efeitos com as luzes e a enviar jactos de fumo sobre a esposa e o cunhado.
"Há para aí um sururu, eu estou presa pelo beicinho", canta ela, e todos os habitantes de Arcas dançam, cheios de energia, correndo pelo espaço enorme, como numa festa country, no Kentucky.
Engrácia, a rigolota, não perdia isto por nada do mundo. Lá está ela, mesmo em frente ao palco. "As pessoas agora vestem-se muito bem, eu até me sinto inferior", confessara-nos. "Às vezes dizem: Olha a Engrácia, a francesa. E eu: calma aí! Governei a minha vida, mas sou portuguesa e a minha terra é Arcas!"
Na sua casa nova, no centro da aldeia, tem, por cima da cama, uma fotografia encaixilhada da estátua da Senhora das Seixas, com os brincos que ela própria lhe ofereceu, quando extraiu um seio, em França, operação que em Portugal nunca teria podido fazer. Lá, tem um quadro igual. "Tudo correu bem, graças à Senhora. Tenho muita fé nela. Parece que tem a minha vida nas mãos". Engrácia fala e o marido, Leontino, escuta-a em silêncio. Tal como o filho, Filipe, de 28 anos, que trabalha nas obras em França e também vem a Arcas todos os anos, no seu BMW azul-eléctrico. Engrácia fala a olhar para ele, com o neto ao colo, Dilen. "Ninguém imagina como era a vida aqui, há 30 ou 40 anos. Havia fome... Sentíamos que não éramos ninguém, sem a Senhora para nos proteger. Às vezes, numa hora fraquinha que a gente tem... quando tive a minha primeira depressão dos nervos, estava ali, deitada na cama, e vi-a, por trás dos meus dois filhos. Eu vi-a, a Senhora das Seixas. Chorei, chorei, chorei", conta Engrácia, a rigolota.
Domingo de manhã é a procissão. Parte da estrada principal e sobe pela aldeia, até à capela. Treze andores, cada um com o seu santo e decorado e patrocinado por uma família, são puxados por tractores. Entre eles, um cortejo de figurantes, homens, mulheres e crianças rigorosamente trajados de personagens bíblicas. Um letreiro nas costas diz: "São José", "São Rafael", "Judeu". A menina que vai de Santa Helena, de uns cinco anos, o menino Santo António, a menina Sagrado Coração de Maria vão muito cansados, as mordomas correm de um lado para o outro, a dar-lhes água. Filipe, o filho de Engrácia, conduz o tractor da Senhora da Conceição. Patrícia, uma menina loira e gorducha, de 12 anos e ténis cor de rosa, vai de Senhora das Seixas. Anda no 7º ano, os pais estão na Suíça. Atrás dos tractores vem uma jovem vestida de noiva, a Priora da procissão, depois os 60 músicos da Fanfarra da Portela de Vila Real, tocando uma marcha muito bela e quase fúnebre de Ilídio Costa, e ainda, debaixo de uma sombrinha segurada por quatro escudeiros, o bispo. Um bispo verdadeiro, não de fantasia. Ou pelo menos um ex-bispo. Depois vem o resto da população. Ouve-se falar francês. Vêem-se, ao longe, os contornos suaves, enganadores, da Serra da Lapa, entre as silhuetas altivas das casas dos emigrantes e as outras, de pedra, vergadas, aninhadas no chão.
Chegados ao promontório, instalam-se no palco, com a orquestra e o coro de crianças, o bispo e o pároco de Sever, António Furtado Duarte.
O Padre Toni chegara ao café Jardim, de Moimenta da Beira, no Seat diesel com 180 mil quilómetros de que é inseparável (não fosse o seu endereço de email Seatoni@iol.pt), para uma missão difícil: explicar-nos porque vêm os emigrantes às festas da aldeia, todos os anos. Divide-os em dois grupos: "Os que partiram nas décadas de 60 e 70 não perderam os valores tradicionais, partiram apenas para ganhar dinheiro. Os que foram em 80 e 90 têm outra mentalidade. Permanecem no estrangeiro até que os filhos acabem os cursos, para que fiquem lá. Muitos já não casam com portugueses e já não passam as férias todas na terra. Passam por lá, mas partem para Fátima e depois para o Algarve".
A festa da aldeia serve para o reencontro das várias gerações - a dos velhos, que ficaram, e estas duas dos que partiram. "Os velhos criticam os hábitos aculturados dos mais novos. Se uma rapariga usa mini-saia ou sai à noite, isso é censurado, há má língua. E isso tem uma função cultural reguladora. A festa promove o encontro inter-geracional, o encontro da grande família. Os casamentos são muito importantes. Mas a morte também. As pessoas vêm aos funerais. São momentos de tristeza imensa. Ainda há pouco tempo morreu aqui uma avó e juntou-se uma multidão, de todas as idades, vinda de todo o lado. Ela era uma referência para todas essas pessoas, uma espécie de Deus na terra".
A religião oferece os veículos para esse reencontro -s os santos, os casamentos, os baptizados, explica Toni, que nunca faz férias, para se dedicar aos projectos de erradicar a pobreza e o analfabetismo da região e da construção de dois lares de terceira idade. "As pessoas têm uma visão consumista da religião. Usam-lhe apenas os serviços que lhes convêm, sem qualquer ligação ao sagrado. E a Igreja adapta-se, colabora nessa visão consumista, vende-se".
No palco da Senhora das Seixas, D. Rafael, que é da região, foi bispo de Bragança e agora está reformado, começa o seu orbicular discurso, entre cânticos, sibilando os ss. "Senhora das Seixas, Raínha das Arcas, flor de todas as ladaínhas... Senhora da Conceição, Senhora da Apresentação, Senhora das Pombas Brancas, das Seixas de Teu nome, Senhora... Rainha de São José, Raínha das Seixas, Rainha das Pombas, Rainha da Paz. Ó Mãe, Ó Rainha das nossas almas Ó Rainha das Seixas!" É o bispo possível, o que se arranjou. Está caquético, mas sempre é um bispo, isso é que importa. Que aldeia das Beiras se pode gabar de ter um bispo na festa?
Estão todos a assistir. Engrácia e a família, o presidente da Junta, sempre atento ao quadro eléctrico...
São a procissão finalmente no adro, a miragem de um país à parte, a fazer o seu próprio caminho. Um país sozinho. Sozinhos subiram pela aldeia, com os seus 13 andores e o seu bispo. Sozinhos chegaram ao terreiro da festa.
Paulo Moura / Revista Pública (Público), 12/09/2004
Engrácia Teixeira e Leontino Pereira, 54 e 58 anos, na sua casa de dois andares, decorada com motivos de xisto, em Arcas. As vizinhas elegeram Engrácia para contar a história que é comum a todos, porque ela é "toda rigolota, gosta de rigoler". Chegaram à estação da Guarda, em 1972, sem autorizações para viajar. O passador já lá estava à espera. Foram com outro casal, de carro, durante a noite. Atravessaram clandestinamente a fronteira, pararam em Aix, de madrugada. "Então isto é que é a França? Pinheiros também temos lá. Quero voltar para Portugal!", disse Engrácia, toda rigolota. Não voltaram. Trabalhariam os dois, na mesma fábrica de madeiras, 30 anos. No Verão, vêm a Arcas, para a festa, sempre. Uma vez, tiveram de recomeçar o trabalho mais cedo, partiram precisamente no fim-de-semana da Senhora das Seixas, já se ouvia a música na estrada. "Passámos a festa no carro", recorda Leontino. "Foi o dia mais infeliz da minha vida".
Amam a sua terra ao longe. Visitam-na, em Agosto, "para recarregar baterias", como diz o padre Toni, de Sever. É de lá, da França, do Luxemburgo, da Suíça, da Alemanha, que amam a terra que ignorou a sua devoção milenar e submissa. Amam-na como a uma relíquia, uma imagem sonhada conservada numa moldura de ouro, como as paisagens aéreas da Serra da Lapa ou de Leomil nos restaurantes de Sátão, Penalva do Castelo ou Moimenta da Beira. E talvez por isso nunca a reencontrem. Instalam-se com todo o alarde em aldeias-fantasmas, investem tudo nas vilas entretanto convertidas ao mundo global, a que eles resistiram. São náufragos na sua terra, a que mesmo assim dão tudo.
Para eles, o Verão, Agosto, é uma época ritual. Vêm representar uma ilusão. Viver na aldeia com os recursos que apenas possuem porque deixaram a aldeia. Vêm todos os anos, nunca falham. Pouco importa que a aldeia seja imaginária e que a realidade que vivem seja um mito. Não falham, com uma condição: que haja festa.
Aqui, na Beira Alta, como por todo o Portugal interior e pobre, há festas de arromba em todas as aldeias e vilas. Em honra de um santo padroeiro, com a sua missa e procissão, mas também com baile e concerto de música pimba. Maiores ou menores, consoante o número da população, a sua riqueza ou a sua vontade de marcar pontos na competição desenfreada entre as várias comissões de festas. Nos peditórios que realizam porta a porta, há quem dê 100, 200 ou 500 euros para a organização do evento. A festa é uma demonstração de poder, de vitória sobre a pobreza. Há competição entre as famílias e entre as aldeias e tanto num caso como noutro nem sempre são os mais abastados que contribuem com os maiores donativos.
A pobre Alhais de Cima, que nunca fizera festa, lançou-se este ano na aventura pela primeira vez, graças à iniciativa de três emigrantes, enquanto Queiriga, muito rica, a quem até chamam a aldeia mais francesa de Portugal, teve em tempos uma boa festa mas agora não tem.
Arcas, por exemplo, um lugar da freguesia de Sever, concelho de Moimenta da Beira, não tem mais de 300 habitantes, durante o ano. Em Agosto, reúne milhares de pessoas na festa da Senhora das Seixas, que dura quatro dias seguidos. De sexta a segunda, com o duo Raio Solar a abrir a primeira noite, os irmãos Rui e Marisa, quatro horas seguidas, ele ao órgão, ela, que não chegou a ser seleccionada na Operação Triunfo (injustamente, garante), a cantar. "Aqui é pimba prá frente!"
Folgosa, uma minúscula aldeia numa encosta do rio Paiva, no concelho de Castro Daire, faz uma festa tão atravancada que os carros passam à frente do palco. Os pares dançantes têm de encostar-se à parede, por baixo das janelas e varandas onde famílias inteiras se instalaram para a noite mais importante do ano, enquanto o conjunto enche o exíguo palco com os seus sete músicos e duas bailarinas sexys e rebenta as colunas de som com o top ten da sordidez pimba. "Ponho o carro, tiro o carro, na garagem da vizinha... à hora que eu quiser, à noite e às vezes à tardinha... na garagem apertadinha..."
Raparigas dançam com raparigas, os maridos com as cunhadas, à frente da fila de idosas de preto, sentadas com expressões de dolorosa confusão. O vocalista, cabelo em rabo de cavalo e óculos escuros, canta fora do palco, no meio das pessoas. "Boa noite Folgosa! A próxima música é dedicada à comissão de festas e ao restaurante que nos ofereceu hoje o almoço".
As pacatas Penalva do Castelo ou Sátão reúnem, na praça principal ou da feira, mais pessoas para verem Romana ou Tony Carreira do que a maior parte dos espectáculos da capital. Vêm milhares de pessoas, é matemático, quer se divirtam ou não. Isso depende de quanto se dispuseram a gastar. Se nas aldeias a animação está nas plateias, quase indiferentes a quem debita os repertórios no palco, já nas festas das vilas ela depende em grande medida do artista convidado. Num espectáculo de Tony Carreira, como o do Sátão, o povo exulta num espasmo glorioso, mas numa festa onde apenas houve dinheiro para convidar a Romana, como em Penalva, reina o tédio.
"Olá. Estás bem disposto? Como te chamas? Pedro? Ó Pedrocas..." Romana fala com os espectadores, agora com um rapazito das primeiras filas, depois de ter entrado no palco aos saltos, com duas bailarinas e música em playback. "És tímido Pedrocas? Vou-te fazer uma declaração de amor, tens de aguentar, olhos nos olhos". E começa a canção: "Não és homem para mim, eu mereço muito mais..."
O público fica indiferente. Homenzinhos de casaco puído e boina, senhoras com crianças às cavalitas, fixam o palco com olhares ocos, que parecem atravessar a Romana, hipnotizados pelos holofotes. Alguns, como este gigante de enorme bigode e rosto achatado de Neandertal, estão literalmente de boca aberta, demasiado pasmados para terem alguma reacção. "Sem dúvida que nós gostávamos de mais palmas", queixa-se a Romana. "Mas nós sentimos que vocês estão a gostar de verdade".
O Sátão foi outra coisa. Investiram três mil contos (15 mil euros) no cachet do Tony Carreira, e não se arrependeram. A multidão está eléctrica, mesmo quando ouve a inefável banda de apoio, a Banda-S, de Samuel Ferreira. Dançam, gritam, famílias, grupos de rapazes ou de raparigas, as inevitáveis velhinhas mal-humoradas em cadeiras de praia enterradas no meio da balbúrdia. Rezingam em surdina a cada nova canção dos Banda-S, o que é sem dúvida a sua forma de mostrar que se estão a divertir. Outros mostram-no desferindo pancada uns nos outros, como este pai com os seus três filhos adolescentes. Terá 60 anos e um metro e meio de altura, magro e amarrecado, pele de granito, orelhas de abano, cabeça achatada e olhos azuis a faiscar junto ao nariz bicudo. Ri-se, canta e dança, fora de si de felicidade, e, a cada guinada mais forte de euforia, saltita para dar carolos nas nucas dos filhos, que são iguais a ele, em ponto grande. Não lhes deu tréguas durante toda a festa. "Olha ali... lá vem o Tony..." O imberbe vira a cabeça e pimba, carolo na moleirinha.
"Eu gosto de mamar nos peitos da cabritinha..." A Banda-S em toda a sua pujança. O filho a cantar, o pai a tocar acordeão. Há dois palcos, montados num ângulo de 90 graus. O grande, de Tony Carreira, que mais ninguém pode utilizar, e o da Banda-S, de tubos metálicos, com cobertura de plástico, todo construído a maçarico na garagem de Samuel Ferreira. "Alugo Palco" lê-se por cima das colunas, ao lado de um número de telefone. A multidão dança, mas é óbvio que estão todos impacientes pelo Tony. A banda de apoio tem de tocar antes e depois do concerto principal.
"Até o último bêbado decidir ir embora", queixa-se Samuel Ferreira, 51 anos. "Ando nisto há 30 anos", conta ele, encostado à carrinha que diz "Banda-S Tour 2004". Começou sozinho, a tocar em festas com o acordeão e um altifalante que pendurava numa árvore. Agora actua com os três filhos e dois vizinhos. Além do palco, também fabricou o sistema de som, o P.A., com altifalantes aparafusados em caixas de madeira. Leva 150 contos por espectáculo, incluindo a banda, som, luzes e palco. "Geralmente só dá para a deslocação. Muitas vezes não pagam". Além da música, os filhos trabalham numa serralharia. Mesmo assim, não é suficiente para sobreviver. A família Ferreira come as batatas e feijões que cultiva e as galinhas que cria no quintal da sua casa, em Pedrosas.
O contraste entre os palcos e os veículos das bandas principal e de apoio é chocante. O camião branco gigantesco de Tony Carreira, com todos os milhares de watts de aparelhagens e os 24 elementos da tournée, incluindo os nove músicos e pessoal técnico, humilha a ridícula traquitana de Samuel. "Tivemos de montar o palco de lado, sem condições nenhumas, por causa das exigências deles. Tratam os outros artistas como se fossem lixo. Qualquer dia já não há recintos onde possa tocar. E quem é ele? Há tanta gente a cantar assim ou melhor. A diferença é que não foram à televisão, e não têm um P.A. tão bom. Toda a gente sabe que, hoje em dia, o que faz um bom artista é o P.A.".
A família Ferreira está a tocar há duas horas, sem intervalos entre as músicas. "Dou-te tudo, meu amor, dou-te tudo..." Já ninguém ouve. "Eu gosto de mamar nos peitos da cabritinha..." Ninguém bate palmas, ninguém olha. Aos poucos, as pessoas vão-se voltando para o lado direito, para o outro palco, que está completamente às escuras. De repente acendem-se algumas luzes, para que o pessoal técnico venha dar as últimas aparafusadelas aos tripés e pratos das duas baterias... e acontece o inacreditável: a multidão em peso gira 90 graus. Não importa que a Banda-S continue a tocar: 90 graus de desprezo por eles. Nem que a banda de Tony leve mais uma boa meia-hora até entrar em palco: 90 graus de crueldade, 90 graus de lei do mais forte. A turba tenta chegar-se mais à frente, comprime-se, num sufoco de excitação.
Nos altifalantes ouve-se a voz do organizador da festa: "Pede-se aos pais que não deixem os filhos pendurar-se nas torres das colunas de som. Meninos, não sejam impertinentes, desçam já das colunas de som!"
Rui Rebelo, 40 anos, o organizador da festa, é professor. Acumula a actividade na empresa Companhia das Festas com o ensino de música na Escola Secundária de Vila Nova de Paiva. Desde os pequenos arraiais de aldeia até aos grandes eventos como o de Sátão, encarrega-se de tudo - contrata e aloja os artistas, aluga palcos e aparelhagens, trata das burocracias e até sugere os programas, consoante o dinheiro que há para gastar e o tipo de público da povoação em causa.
"Tony Carreira é o maior, sem comparação. Quer em termos de logística, quer em preço, quer em procura, quer em condições exigidas", explica-nos ele. "Só há outro tão requisitado como ele: o Quim Barreiros, apesar de actuar praticamente sozinho, com o seu acordeão. Toca 30 dias por mês".
Abaixo do Carreira, há artistas como Emanuel ou Toy, com cachets na ordem dos dois mil contos, e depois, num terceiro patamar, Romana, Micaela, Rute Marlene, Ágata, Taiti, Ana Malhoa, que custam à volta de mil contos e não têm material próprio. Marco Paulo e Roberto Leal estão em decadência, já ninguém os quer. Mas Rui disponibiliza-os a todos no seu "catálogo". Onde tem também alternativas mais baratas, como conjuntos de baile ou ranchos folclóricos, "que às vezes actuam só pelo lanche".
Alguns conjuntos regionais, porém, apesar de só tocarem músicas de outros, tornam-se famosos e chegam a atrair mais público do que os cantores pimba de nomeada. É o caso dos "TV 5", que até incluem fogo de artifício nos espectáculos. Recentemente, aliás, fizeram explodir inadvertidamente os foguetes que guardavam debaixo da bateria, durante a actuação, e foram parar ao hospital. Toca o telemóvel. "Está? Uma festa para amanhã? Onde? É um pouco apertado. Já não há artistas livres... Vou ver o que posso arranjar".
O palco está iluminado, Tony Carreira faz-se esperar. A multidão grita "Tony! Tony", entre a devoção e a turbulência. Grupos de rapazes troçam das fãs: "Aiii Tonyyyy!" Lançam bocas para o palco: "Então? Nunca mais se vêm?" Mas quando Tony entra triunfalmente, são os primeiros a render-se, embevecidos, e a entoar as canções que sabem de cor: "Ela foi a minha mais linda história de amoooor..." Tentam armar-se em duros: "Ai, ai, olha para mim a chorar..." mas recaem logo: "Depois de ti mais naaaada..."
Luzes azuis. O cenário de fundo é um céu com estrelas luminosas. Os músicos da secção dos metais vêm de óculos escuros e calças de cabedal negro. Os guitarristas, o baterista e a percussionista, de túnicas. As duas cantoras de branco. O som dos baixos faz estremecer Sátão. "Toda a gente sabe que é o P.A. que faz um bom artista". Tony de fato preto e camisa cor-de-rosa, a fivela do cinto a reluzir, esguio e angélico, segurando magicamente nas mãos grossas, de trabalhador, a multidão em transe e em uníssono.
Tony Carreira, com o irmão e "manager" e a presidente do clube de fãs, está hospedado na estalagem Mira Paiva, que acabou de ser inaugurada e já se transformou numa espécie de residência oficial dos cantores populares. Todos os dias de Agosto tem um diferente, de acordo com o calendário de festas de Rui Rebelo. Todos os dias de Agosto tem também um casamento, no salão da cave, que dura das duas da tarde até às tantas da madrugada, com banquete, baile e cantor pimba. Quase todos emigrantes, os noivos conhecem-se, em muitos casos, na festa de Agosto da sua terra, e marcam o casamento para o Agosto seguinte, também na sua terra, pretexto para fazerem outra festa.
Geralmente, cabe aos noivos a suite especial da estalagem. Não esta noite. Tony Carreira exigiu-a e o casal teve de passar as núpcias num quarto mais modesto. Não obstante, a primeira coisa que fizeram de manhã foi pedir um autógrafo ao cantor.
De início, Tony mostra-se desconfiado com os repórteres da Pública. Sem tirar os óculos escuros, quer saber qual o propósito da entrevista. "Muitos jornalistas dizem que o são mas não é verdade". Recusa-se a contar a história da sua vida, desde a infância na pequena aldeia da Beira Baixa, Armadouro, até à vida de emigrante em França, ao sucesso como cantor. Considera uma ofensa que um jornalista que lhe pede uma entrevista não saiba tudo sobre a sua vida. E tem razão. A alguém que vendeu dois milhões de discos, deu mais de dois mil concertos, 90 por ano só em Portugal, que esgotou o Pavilhão Atlântico, cinco coliseus e três Olimpias, não se pede que nos conte a sua vida, como se fosse um desconhecido. A pergunta que se impõe é outra: como chegou até aqui sem conquistar o respeito dos jornalistas? Porque não lança uma campanha de imagem junto da imprensa "séria"? Resposta: "Se cheguei até aqui sem a ajuda dos jornalistas, não é agora que me vou preocupar com campanhas de imagem".
É um homem marcado pelo ressentimento, embora não o admita nem compreenda o que lhe falta conquistar. "Sei que se cantasse outro género de canções seria visto de outra maneira", mas "um artista como eu não muda o género de canções. Pode mudar a roupagem, mas o estilo não, porque sou eu próprio. Tenho um grande orgulho em ser um artista do povo".
Considera-se um cantor romântico. "Pimbas são as telenovelas portuguesas, e ninguém lhes chama assim. O Julio Iglésias é quem é porque é espanhol. Se fosse português, com todos aqueles tiques, o que lhe chamariam?"
No palco do Sátão, Tony pega na guitarra acústica para cantar as canções antigas. É a sua imagem de marca, o "logotipo" pintado no camião, a silhueta do cantor, caminhando com a guitarra, evocando a ideia do trovador solitário e errante.
"A grande maioria de vocês está de férias por cá, não é?", diz ele, provocando a gritaria da multidão hipnotizada. Começa a cantar, acompanhado por todos, em coro, e de repente parece uma figura irreal, o bardo de um mundo perdido. "Está em mim querer o mundo, sou um eterno vagabundo..."
O filho mais novo da família carolo bamboleia-se, de braços no ar, "sou eterno vagabundo..." O pai, radiante, não perde a oportunidade. "Ai és vagabundo? Então toma!"
Todos agitam os braços no ar, não com isqueiros mas com os telemóveis, a tirar fotografias. Estabelece-se uma estranha e poderosa intimidade. Tony avança para a canção que o torna imortal entre os milhões de emigrantes, o sétimo encore. "Lembro-me de uma aldeia perdida na Beira, a terra que me viu nascer... E hoje a cantar, em cada canção, trago esse lugar no meu coração. Criança que fui e homem que sou, nada mudou".
Está tudo a postos em Arcas, rebentam os foguetes, a festa vai começar. O palco está montado junto à capela da Nossa Senhora das Seixas, num promontório de castanheiros de onde se vêem as serras em redor. O duo Raio Solar começa a cantoria e zás, falha a electricidade. Tudo às escuras e em silêncio. Parece que o céu cheio de estrelas se abate subitamente sobre o recinto. "Alguém tem um isqueiro?", ouve-se do palco.
Confusão. O problema nunca mais é resolvido, os empregados do bar improvisado resolvem ligar o rádio a pilhas. O relato do Benfica-Porto torna-se o som da festa. O presidente da junta sobe a um contentor de lixo, para consertar o quadro eléctrico pendurado num poste. A luz falharia mais onze vezes durante a noite, obrigando o autarca a passar horas em cima do contentor, examinando os complicados circuitos, uma espécie de matrix de toda a festa.
José de Jesus Pereira, presidente da Junta de Freguesia de Sever, de que o lugar de Arcas faz parte, é o mordomo-mor da festa da Senhora das Seixas. Com os restantes cinco mordomos e quatro mordomas, trabalha na organização desde a festa do ano passado. É construtor civil, pelo que construiu o púlpito de cimento para a missa campal quase inteiramente à sua custa. Mas para o resto das despesas conseguiu angariar 60 patrocinadores. "Uma festa como a de Arcas custa muito dinheiro. Cerca de 4500 contos. Só a filarmónica da procissão custa 800 contos. Os mordomos têm de adiantar somas consideráveis, porque o peditório só é feito depois de haver um programa garantido. E as pessoas só dão dinheiro se esse programa for bom".
Os Raio Solar recomeçam. Rui, o organista, tenta animar as hostes: "Vamos então ao tema de Quim Barreiros, a Cabritinha. Quem não gostava de ter uma para mamar?" Faz "Mééé" e manda descer do palco os miúdos que entretanto se sentaram à volta de Marisa, que dança exibindo o decote avantajado: "Larguem lá as tetas da cabrita!"
O pai de Rui e Marisa sonhava ser acordeonista. Como nunca conseguiu, ofereceu um acordeão aos filhos, que, com 12 e 13 anos, formaram uma banda na escola. Mais tarde comprou-lhes outro, de mais de mil contos, incentivando-os à profissionalização. Mas Marisa já tinha 17 anos e os namorados não viam com bons olhos a sua actividade artística. Fez-se escriturária. Só quando conheceu o actual marido, que é contabilista, pode voltar aos palcos. Ele aprendeu as técnicas de luz e som nos espectáculos e trabalha agora com ela. Senta-se num canto, ao lado do órgão e só se vê a sua cabecinha a congeminar efeitos com as luzes e a enviar jactos de fumo sobre a esposa e o cunhado.
"Há para aí um sururu, eu estou presa pelo beicinho", canta ela, e todos os habitantes de Arcas dançam, cheios de energia, correndo pelo espaço enorme, como numa festa country, no Kentucky.
Engrácia, a rigolota, não perdia isto por nada do mundo. Lá está ela, mesmo em frente ao palco. "As pessoas agora vestem-se muito bem, eu até me sinto inferior", confessara-nos. "Às vezes dizem: Olha a Engrácia, a francesa. E eu: calma aí! Governei a minha vida, mas sou portuguesa e a minha terra é Arcas!"
Na sua casa nova, no centro da aldeia, tem, por cima da cama, uma fotografia encaixilhada da estátua da Senhora das Seixas, com os brincos que ela própria lhe ofereceu, quando extraiu um seio, em França, operação que em Portugal nunca teria podido fazer. Lá, tem um quadro igual. "Tudo correu bem, graças à Senhora. Tenho muita fé nela. Parece que tem a minha vida nas mãos". Engrácia fala e o marido, Leontino, escuta-a em silêncio. Tal como o filho, Filipe, de 28 anos, que trabalha nas obras em França e também vem a Arcas todos os anos, no seu BMW azul-eléctrico. Engrácia fala a olhar para ele, com o neto ao colo, Dilen. "Ninguém imagina como era a vida aqui, há 30 ou 40 anos. Havia fome... Sentíamos que não éramos ninguém, sem a Senhora para nos proteger. Às vezes, numa hora fraquinha que a gente tem... quando tive a minha primeira depressão dos nervos, estava ali, deitada na cama, e vi-a, por trás dos meus dois filhos. Eu vi-a, a Senhora das Seixas. Chorei, chorei, chorei", conta Engrácia, a rigolota.
Domingo de manhã é a procissão. Parte da estrada principal e sobe pela aldeia, até à capela. Treze andores, cada um com o seu santo e decorado e patrocinado por uma família, são puxados por tractores. Entre eles, um cortejo de figurantes, homens, mulheres e crianças rigorosamente trajados de personagens bíblicas. Um letreiro nas costas diz: "São José", "São Rafael", "Judeu". A menina que vai de Santa Helena, de uns cinco anos, o menino Santo António, a menina Sagrado Coração de Maria vão muito cansados, as mordomas correm de um lado para o outro, a dar-lhes água. Filipe, o filho de Engrácia, conduz o tractor da Senhora da Conceição. Patrícia, uma menina loira e gorducha, de 12 anos e ténis cor de rosa, vai de Senhora das Seixas. Anda no 7º ano, os pais estão na Suíça. Atrás dos tractores vem uma jovem vestida de noiva, a Priora da procissão, depois os 60 músicos da Fanfarra da Portela de Vila Real, tocando uma marcha muito bela e quase fúnebre de Ilídio Costa, e ainda, debaixo de uma sombrinha segurada por quatro escudeiros, o bispo. Um bispo verdadeiro, não de fantasia. Ou pelo menos um ex-bispo. Depois vem o resto da população. Ouve-se falar francês. Vêem-se, ao longe, os contornos suaves, enganadores, da Serra da Lapa, entre as silhuetas altivas das casas dos emigrantes e as outras, de pedra, vergadas, aninhadas no chão.
Chegados ao promontório, instalam-se no palco, com a orquestra e o coro de crianças, o bispo e o pároco de Sever, António Furtado Duarte.
O Padre Toni chegara ao café Jardim, de Moimenta da Beira, no Seat diesel com 180 mil quilómetros de que é inseparável (não fosse o seu endereço de email Seatoni@iol.pt), para uma missão difícil: explicar-nos porque vêm os emigrantes às festas da aldeia, todos os anos. Divide-os em dois grupos: "Os que partiram nas décadas de 60 e 70 não perderam os valores tradicionais, partiram apenas para ganhar dinheiro. Os que foram em 80 e 90 têm outra mentalidade. Permanecem no estrangeiro até que os filhos acabem os cursos, para que fiquem lá. Muitos já não casam com portugueses e já não passam as férias todas na terra. Passam por lá, mas partem para Fátima e depois para o Algarve".
A festa da aldeia serve para o reencontro das várias gerações - a dos velhos, que ficaram, e estas duas dos que partiram. "Os velhos criticam os hábitos aculturados dos mais novos. Se uma rapariga usa mini-saia ou sai à noite, isso é censurado, há má língua. E isso tem uma função cultural reguladora. A festa promove o encontro inter-geracional, o encontro da grande família. Os casamentos são muito importantes. Mas a morte também. As pessoas vêm aos funerais. São momentos de tristeza imensa. Ainda há pouco tempo morreu aqui uma avó e juntou-se uma multidão, de todas as idades, vinda de todo o lado. Ela era uma referência para todas essas pessoas, uma espécie de Deus na terra".
A religião oferece os veículos para esse reencontro -s os santos, os casamentos, os baptizados, explica Toni, que nunca faz férias, para se dedicar aos projectos de erradicar a pobreza e o analfabetismo da região e da construção de dois lares de terceira idade. "As pessoas têm uma visão consumista da religião. Usam-lhe apenas os serviços que lhes convêm, sem qualquer ligação ao sagrado. E a Igreja adapta-se, colabora nessa visão consumista, vende-se".
No palco da Senhora das Seixas, D. Rafael, que é da região, foi bispo de Bragança e agora está reformado, começa o seu orbicular discurso, entre cânticos, sibilando os ss. "Senhora das Seixas, Raínha das Arcas, flor de todas as ladaínhas... Senhora da Conceição, Senhora da Apresentação, Senhora das Pombas Brancas, das Seixas de Teu nome, Senhora... Rainha de São José, Raínha das Seixas, Rainha das Pombas, Rainha da Paz. Ó Mãe, Ó Rainha das nossas almas Ó Rainha das Seixas!" É o bispo possível, o que se arranjou. Está caquético, mas sempre é um bispo, isso é que importa. Que aldeia das Beiras se pode gabar de ter um bispo na festa?
Estão todos a assistir. Engrácia e a família, o presidente da Junta, sempre atento ao quadro eléctrico...
São a procissão finalmente no adro, a miragem de um país à parte, a fazer o seu próprio caminho. Um país sozinho. Sozinhos subiram pela aldeia, com os seus 13 andores e o seu bispo. Sozinhos chegaram ao terreiro da festa.
Paulo Moura / Revista Pública (Público), 12/09/2004
sábado, 28 de julho de 2012
E o Porto, Pimba!
A inesperada vitória autárquica de Rui Rio foi-me simpática, devo dizer. Tinha dele uma imagem de homem de princípios e de isenção, e não me foi indiferente que essa vitória, obtida em circunstâncias adversas, tivesse algo de eminentemente cívico contra uma óbvia aliança de poderes fáticos locais atrás de um outro candidato, de postura por demais arrogante.
Isto, sem me esquecer, contudo, de dois pontos de interrogação e mesmo perplexidade, a afirmação "o Porto 2001 foi uma oportunidade perdida" e o ponto programático de distinção cultural, a animação dos coretos. Interpretei-as como argumentos eleitorais face à principal candidatura adversária. Teriam ao menos contado o número de coretos ainda realmente existentes? E quanto à "oportunidade perdida", quis supor que a apreciação traduzia um certo estado de espírito de uma civildade burguesa portuense, não esquecida do que entendeu ter sido uma afronta a Artur Santos Silva, e que eventualmente desejaria uma ainda maior cativação de verbas a valores patrimoniais - na ignorância da astronómica percentagem atribuída à reabilitação urbana no Porto 2001 nomeadamente se comparada com a da programação, muito mas muito menor. Nada de taxativamente irreparável, pensei. Fui ingénuo, como é patente.
O investimento feito no Porto 2001, em estritos termos financeiros mas também de práticas simbólicas e de consumos culturais, não foi de restrito âmbito local, tendo até naturalmente exigido um vultuosa participação do Estado central, além de que é suposto enquadrar-se num conceito europeu. Ainda menos razões há então para se restringirem ao âmbito da cidade os ecos da política cultural de hetacombe e populismo ridículo que, tomando o rancor e a paranóia de perseguição como determinantes da sua pragmática, Rui Rio vem encetando. E, de resto, como se pode verificar na imagem, contando mesmo com o apoio do ministro da Cultura.
A nível nacional temos vindo a saber como o executivo camarário se tem empenhado em drásticos cortes orçamentais no apoio à Fundação da Ciência e Desenvolvimento, que engloba o Teatro do Campo Alegre, ou ao Fitei, o Festival de Teatro de Expressão Ibérica. Que o orçamento seja de rigor, compreende-se. Que os mais danosos cortes ocorram na Cultura como se esta fosse o pelouro dos "restos" é inaceitável, e para mais é, nas actuais circunstâncias do Porto, um erro político e estratégico que se arrisca a ser, este sim, irreparável.
A famosa "oportunidade perdida" foi então uma auto-premonição: Rio estava apostado em fazê-la perder! È suicidário e altamente perdulário (inclusive para o erário público, e de que maneira!) que o investimento feito no Porto 2001 fique sem "pontes para o futuro", ou seja, retirando às actividades culturais o mínimo de condições de continuidade que permitam o aproveitamento e a rentabilização das potenciais sementes deixadas por um ano de excepção. O que se cerceia e corta agora, em 2002, corre o gravíssimo risco de muito dificilmente vir a ser "recuperável".
No PÙBLICO de terça-feira, no 1º caderno, nacional, li que o vereador Paulo Cutileiro tinha avançado como uma das razões para o corte orçamental na Fundação que as actividades daquela "não chegam a todos os portuenses" - extraordinário, como se exceptuando o saneamento básico, eventualmente transportes públicos e pouco mais, toda e qualquer câmara não investisse também em redes e actividades que "não chegam a todos" os munícipes!
Mas na terça, por mim já não estava desprevenido. Na edição impressa do caderno Local do Porto do dia anterior tinha visto um mirabolante "instantâneo", de tal modo indiciador que me parece pertinente propor a sua republicação a nível nacional. Diz a foto respeito a uma notícia de título "Rui Rio rivaliza com rei da música 'pimba'", nem mais! O "rei", é claro, é Emanuel - o rei, que digo eu?, o criador, o autêntico, o do refrão fundador "e nós pimba"! Pois que aconteceu de tão importante que, ao apelo pimba, até o ministro Pedro Roseta "ressuscitou" como se comprova, ele por quem já temíamos, que do ministério só tínhamos vindo a ter notícias pelo secretário de Estado Amaral Lopes? Pois sucedeu que houve uma festa da Rádio Festival, a famosa interface do comércio e consumos "pimba", um evento da maior importância cultural, em relação ao qual a câmara do Porto não descortinou razões orçamentais imperiosas que impedissem o apoio. Ou duvidam que Emanuel, esse sim (mas já agora, não se esqueçam de Àgata ou Romana), é cultura "para todos"?
É-o em estado potencial ou propredêutico, pelo menos, como o esclareceu, fidelíssimo à sua concepção paternalista, escolástica e bota de elástico, o ministro Roseta: "devemos aproveitar estes momentos para chamar a atenção dos adultos que não vão à escola para os grandes nomes da literatura e da música", assim a modos que começam eles com o Emanuel e depois fazemos com que passem a gostar de Bach ou Haydn, se posso citar dois autores que creio serem particularmente caros ao melómano Pedro Roseta. E Rio, que estava ali a fazer política mais terra a terra, logo pôs a festa de Emanuel em contraponto ao Campo Alegre: "Em vez de apoios monstruoso, devemos juntar o útil ao agradável. (...) A Câmara deve dar à população momentos de alegria, porque são pessoas que ganham pouco e têm uma vida difícil". Já que o contraponto foi feito por Rio, e as declarações são suficientemente explícitas, ficamos mesmo interrogativos sobre se à Ciência e Desenvolvimento o edil portuense não preferirá antes uma refundação para a Alegria no Trabalho. Ora aí está: e o Porto, pimba!
Mas que me deu para ter pensado que Rio representava uma certa civildade burguesa portuense, digamos que os mecenas de Serralves? De estupefacção em estupefacção será que ainda haveremos de ver Santana Lopes dar lições de chá a Rio? Pretende este demonstrar que, diferentemente do sucedido com e após Lisboa-94, o impulso do Porto-2001 não permitirá um aumento das apetências e consumos culturais? Mas foi este mesmo Rui Rio que os portuenses quiseram eleger?
Lá por ter sido ingénuo, não quero também ser agora injusto: a presença animada do ministro Roseta confere um outro enfoque político à coisa. Quem sabe se Rio não estará na "vanguarda" das políticas culturais do PSD, de um desejo de "pimbização" em curso? E nós? Pimba!
Augusto M. Seabra / Público, 28/07/2002
Isto, sem me esquecer, contudo, de dois pontos de interrogação e mesmo perplexidade, a afirmação "o Porto 2001 foi uma oportunidade perdida" e o ponto programático de distinção cultural, a animação dos coretos. Interpretei-as como argumentos eleitorais face à principal candidatura adversária. Teriam ao menos contado o número de coretos ainda realmente existentes? E quanto à "oportunidade perdida", quis supor que a apreciação traduzia um certo estado de espírito de uma civildade burguesa portuense, não esquecida do que entendeu ter sido uma afronta a Artur Santos Silva, e que eventualmente desejaria uma ainda maior cativação de verbas a valores patrimoniais - na ignorância da astronómica percentagem atribuída à reabilitação urbana no Porto 2001 nomeadamente se comparada com a da programação, muito mas muito menor. Nada de taxativamente irreparável, pensei. Fui ingénuo, como é patente.
O investimento feito no Porto 2001, em estritos termos financeiros mas também de práticas simbólicas e de consumos culturais, não foi de restrito âmbito local, tendo até naturalmente exigido um vultuosa participação do Estado central, além de que é suposto enquadrar-se num conceito europeu. Ainda menos razões há então para se restringirem ao âmbito da cidade os ecos da política cultural de hetacombe e populismo ridículo que, tomando o rancor e a paranóia de perseguição como determinantes da sua pragmática, Rui Rio vem encetando. E, de resto, como se pode verificar na imagem, contando mesmo com o apoio do ministro da Cultura.
A nível nacional temos vindo a saber como o executivo camarário se tem empenhado em drásticos cortes orçamentais no apoio à Fundação da Ciência e Desenvolvimento, que engloba o Teatro do Campo Alegre, ou ao Fitei, o Festival de Teatro de Expressão Ibérica. Que o orçamento seja de rigor, compreende-se. Que os mais danosos cortes ocorram na Cultura como se esta fosse o pelouro dos "restos" é inaceitável, e para mais é, nas actuais circunstâncias do Porto, um erro político e estratégico que se arrisca a ser, este sim, irreparável.
A famosa "oportunidade perdida" foi então uma auto-premonição: Rio estava apostado em fazê-la perder! È suicidário e altamente perdulário (inclusive para o erário público, e de que maneira!) que o investimento feito no Porto 2001 fique sem "pontes para o futuro", ou seja, retirando às actividades culturais o mínimo de condições de continuidade que permitam o aproveitamento e a rentabilização das potenciais sementes deixadas por um ano de excepção. O que se cerceia e corta agora, em 2002, corre o gravíssimo risco de muito dificilmente vir a ser "recuperável".
No PÙBLICO de terça-feira, no 1º caderno, nacional, li que o vereador Paulo Cutileiro tinha avançado como uma das razões para o corte orçamental na Fundação que as actividades daquela "não chegam a todos os portuenses" - extraordinário, como se exceptuando o saneamento básico, eventualmente transportes públicos e pouco mais, toda e qualquer câmara não investisse também em redes e actividades que "não chegam a todos" os munícipes!
Mas na terça, por mim já não estava desprevenido. Na edição impressa do caderno Local do Porto do dia anterior tinha visto um mirabolante "instantâneo", de tal modo indiciador que me parece pertinente propor a sua republicação a nível nacional. Diz a foto respeito a uma notícia de título "Rui Rio rivaliza com rei da música 'pimba'", nem mais! O "rei", é claro, é Emanuel - o rei, que digo eu?, o criador, o autêntico, o do refrão fundador "e nós pimba"! Pois que aconteceu de tão importante que, ao apelo pimba, até o ministro Pedro Roseta "ressuscitou" como se comprova, ele por quem já temíamos, que do ministério só tínhamos vindo a ter notícias pelo secretário de Estado Amaral Lopes? Pois sucedeu que houve uma festa da Rádio Festival, a famosa interface do comércio e consumos "pimba", um evento da maior importância cultural, em relação ao qual a câmara do Porto não descortinou razões orçamentais imperiosas que impedissem o apoio. Ou duvidam que Emanuel, esse sim (mas já agora, não se esqueçam de Àgata ou Romana), é cultura "para todos"?
É-o em estado potencial ou propredêutico, pelo menos, como o esclareceu, fidelíssimo à sua concepção paternalista, escolástica e bota de elástico, o ministro Roseta: "devemos aproveitar estes momentos para chamar a atenção dos adultos que não vão à escola para os grandes nomes da literatura e da música", assim a modos que começam eles com o Emanuel e depois fazemos com que passem a gostar de Bach ou Haydn, se posso citar dois autores que creio serem particularmente caros ao melómano Pedro Roseta. E Rio, que estava ali a fazer política mais terra a terra, logo pôs a festa de Emanuel em contraponto ao Campo Alegre: "Em vez de apoios monstruoso, devemos juntar o útil ao agradável. (...) A Câmara deve dar à população momentos de alegria, porque são pessoas que ganham pouco e têm uma vida difícil". Já que o contraponto foi feito por Rio, e as declarações são suficientemente explícitas, ficamos mesmo interrogativos sobre se à Ciência e Desenvolvimento o edil portuense não preferirá antes uma refundação para a Alegria no Trabalho. Ora aí está: e o Porto, pimba!
Mas que me deu para ter pensado que Rio representava uma certa civildade burguesa portuense, digamos que os mecenas de Serralves? De estupefacção em estupefacção será que ainda haveremos de ver Santana Lopes dar lições de chá a Rio? Pretende este demonstrar que, diferentemente do sucedido com e após Lisboa-94, o impulso do Porto-2001 não permitirá um aumento das apetências e consumos culturais? Mas foi este mesmo Rui Rio que os portuenses quiseram eleger?
Lá por ter sido ingénuo, não quero também ser agora injusto: a presença animada do ministro Roseta confere um outro enfoque político à coisa. Quem sabe se Rio não estará na "vanguarda" das políticas culturais do PSD, de um desejo de "pimbização" em curso? E nós? Pimba!
Augusto M. Seabra / Público, 28/07/2002
terça-feira, 10 de julho de 2012
O «bicho» está cansado
Ou o azar foi nosso ou Iran Costa, mais conhecido actualmente em Portugal pela alcunha de «o bicho», pareceu sempre demasiado cansado e ensonado, sem ponta do entusiasmo com que a sua canção tem sido recebida nas «charts». Naquela manhã de Outubro, nos estúdios da Valentim de Carvalho, além de gravar uma entrevista para o programa Made in Portugal, Iran atendeu de seguida uma revista feminina, o PÚBLICO e a «TV Guia».
«O que é que eu tenho a ver com o Emanuel ou a Ágata?», pergunta, boné ao contrário, ouvido sílaba a sílaba pela jovem jornalista da revista feminina, que não arredou pé da mesa apesar de as entrevistas serem individuais. «Eu faço dance music, eles fazem música ligeira. Mas, pronto, agora somos todos pimba! Acho isso até engraçado. Se ser pimba é vender cinco discos de platina, se ser pimba é ter 50 mil pessoas a assistir em Viseu, se ser pimba é ser querido pelas crianças e pelos velhos, então eu sou pimba! Ser intelectual é o quê, o «Talvez foder»? A única diferença entre mim e o Pedro Abrunhosa é que ele faz funk jazz e eu dance music!»
Pimba ou não, Iran Costa é um fenómeno que até já chegou ao Brasil, de onde partiu sem glória à procura do sucesso em Portugal. Natural de Porto Franco, uma cidadezinha do interior do estado do Maranhão, Iran partiu para Goiânia aos oito anos, para onde o pai, fotógrafo, foi à procura de uma vida melhor. «Éramos muito pobres na época», relembra Iran Costa. «Aos 11 anos vendia jornais na rua. Estudava de tarde e às quatro da manhã saía para vender os jornais. Dividíamos o trabalho por bairros e eu sempre ficava numa esquina. Mas a concorrência era muito grande e muitas vezes voltava chorando para casa.»
Mais tarde, trabalhou ainda como auxiliar de escritório e numa associação de menores gerida por padres, onde aprendeu a lidar com o telefone. Em Redenção, no Pará, trabalhou como bancário, mas, como confessa sem rodeios, «não tinha muito a ver» com ele.
Aos 18 anos, começou a trabalhar na rádio, na pequenina Rádio Oriente, de Redenção, de onde saltou mais tarde para a rede Cidade, de Fortaleza. «Fiz todo o tipo de programas, produzi programas, coordenei outros, fiz tudo durante oito anos.» Enquanto trabalhava na rádio, montou uma equipa que organizava festas. «Comecei a animar festas como DJ. Passava funky e rap...» Na rádio, iniciou-se a cantar em cima das outras músicas, até que gravou o primeiro disco, «Penso em Ti», em Fortaleza.
O sucesso, esse não existiu. «O Brasil é muito grande, a concorrência é enorme, são milhares de artistas batalhando por um lugar no céu, por uma oportunidade», justifica.
Alguém em Portugal ouviu o disco, que foi cair nas mãos da Vidisco. Iran gravou de novo esse primeiro disco, «Penso em Ti», de novo sem grande êxito. Deixar a rádio e o Brasil também não foi fácil. «O povo português é totalmente diferente. O brasileiro é sofrido mas alegre, passa facilmente por cima do passado, o português é mais ressentido.»
«O Bicho» transformou-se em sucesso repentinamente. «'Távamos sempre acreditando no trabalho. Escolhemos esta música, porque, apesar de tradicional, permitia fazer uma coisa nova. O êxito foi maior do que a gente esperava, estamos chegando ao final da `tournée' e ainda não parámos.»
Agora, Iran prepara-se para atacar o mercado dos emigrantes na Suíça, França, Alemanha e Luxemburgo e lançar o «Bicho» em Espanha e no Brasil, onde já foi notícia nacional graças a Manuel Monteiro. «Lá, essa história do PP foi anedota.»
Público, Nov/1999
«O que é que eu tenho a ver com o Emanuel ou a Ágata?», pergunta, boné ao contrário, ouvido sílaba a sílaba pela jovem jornalista da revista feminina, que não arredou pé da mesa apesar de as entrevistas serem individuais. «Eu faço dance music, eles fazem música ligeira. Mas, pronto, agora somos todos pimba! Acho isso até engraçado. Se ser pimba é vender cinco discos de platina, se ser pimba é ter 50 mil pessoas a assistir em Viseu, se ser pimba é ser querido pelas crianças e pelos velhos, então eu sou pimba! Ser intelectual é o quê, o «Talvez foder»? A única diferença entre mim e o Pedro Abrunhosa é que ele faz funk jazz e eu dance music!»
Pimba ou não, Iran Costa é um fenómeno que até já chegou ao Brasil, de onde partiu sem glória à procura do sucesso em Portugal. Natural de Porto Franco, uma cidadezinha do interior do estado do Maranhão, Iran partiu para Goiânia aos oito anos, para onde o pai, fotógrafo, foi à procura de uma vida melhor. «Éramos muito pobres na época», relembra Iran Costa. «Aos 11 anos vendia jornais na rua. Estudava de tarde e às quatro da manhã saía para vender os jornais. Dividíamos o trabalho por bairros e eu sempre ficava numa esquina. Mas a concorrência era muito grande e muitas vezes voltava chorando para casa.»
Mais tarde, trabalhou ainda como auxiliar de escritório e numa associação de menores gerida por padres, onde aprendeu a lidar com o telefone. Em Redenção, no Pará, trabalhou como bancário, mas, como confessa sem rodeios, «não tinha muito a ver» com ele.
Aos 18 anos, começou a trabalhar na rádio, na pequenina Rádio Oriente, de Redenção, de onde saltou mais tarde para a rede Cidade, de Fortaleza. «Fiz todo o tipo de programas, produzi programas, coordenei outros, fiz tudo durante oito anos.» Enquanto trabalhava na rádio, montou uma equipa que organizava festas. «Comecei a animar festas como DJ. Passava funky e rap...» Na rádio, iniciou-se a cantar em cima das outras músicas, até que gravou o primeiro disco, «Penso em Ti», em Fortaleza.
O sucesso, esse não existiu. «O Brasil é muito grande, a concorrência é enorme, são milhares de artistas batalhando por um lugar no céu, por uma oportunidade», justifica.
Alguém em Portugal ouviu o disco, que foi cair nas mãos da Vidisco. Iran gravou de novo esse primeiro disco, «Penso em Ti», de novo sem grande êxito. Deixar a rádio e o Brasil também não foi fácil. «O povo português é totalmente diferente. O brasileiro é sofrido mas alegre, passa facilmente por cima do passado, o português é mais ressentido.»
«O Bicho» transformou-se em sucesso repentinamente. «'Távamos sempre acreditando no trabalho. Escolhemos esta música, porque, apesar de tradicional, permitia fazer uma coisa nova. O êxito foi maior do que a gente esperava, estamos chegando ao final da `tournée' e ainda não parámos.»
Agora, Iran prepara-se para atacar o mercado dos emigrantes na Suíça, França, Alemanha e Luxemburgo e lançar o «Bicho» em Espanha e no Brasil, onde já foi notícia nacional graças a Manuel Monteiro. «Lá, essa história do PP foi anedota.»
Público, Nov/1999
domingo, 22 de abril de 2012
Emanuel No Coliseu
Foi ao som da inconfundível 5.ª Sinfonia de Beethoven que Emanuel abriu, ontem à tarde, o seu concerto no Coliseu dos Recreios, em Lisboa.
Um espectáculo que se propunha celebrar dez anos de carreira do "Rei da Música Popular Portuguesa" e que - apesar da introdução clássica e dos pequenos números de ballet que o pontuaram - mais pareceu um gigantesco bailarico de feira.
Depois dos Maxi (uma das bandas produzidas por Emanuel) terem feito as honras de abertura com temas telenovelescos como "Sonhos Traídos" ou "Anjo Selvagem", a festa arrancou a sério com Emanuel a cantar "ó sr. guarda, não leve a mal..." e duas meninas vestidas (ou despidas) de agentes da autoridade a dançarem ao seu lado.
Estava dado o mote da festa. O público que enchia o Coliseu (os bilhetes esgotaram pouco depois de terem sido postos à venda) começou a agitar-se nas cadeiras e a bater palmas, mas, à medida que o tempo avançava e a timidez era vencida, havia cada vez mais gente a levantar-se para dançar. A alegria, como toda a gente sabe, é contagiosa...
Entretanto, Emanuel - secundado pelos seus músicos - ia recordando alguns momentos-chave da sua carreira. Falou do período "pimba", entre 1994 e 97, e depois da sua opção pela música romântica.
Cantou temas que toda a gente conhece, como "Felicidade", "Vamos a Elas" ou "Rapaziada Vamos Dançar", e no resumo da matéria dada nem sequer se esqueceu do último álbum, já deste ano, do qual retirou "Picadinhas de Amor" ou "Meu Amor vem ter comigo", entre outros.
Também não se esqueceu de esbanjar o charme que o torna tão querido do seu público fiel. Maioritariamente feminino e de certa idade.
Ana Maria Ribeiro / Correio da Manhã, 20/10/2003
Um espectáculo que se propunha celebrar dez anos de carreira do "Rei da Música Popular Portuguesa" e que - apesar da introdução clássica e dos pequenos números de ballet que o pontuaram - mais pareceu um gigantesco bailarico de feira.
Depois dos Maxi (uma das bandas produzidas por Emanuel) terem feito as honras de abertura com temas telenovelescos como "Sonhos Traídos" ou "Anjo Selvagem", a festa arrancou a sério com Emanuel a cantar "ó sr. guarda, não leve a mal..." e duas meninas vestidas (ou despidas) de agentes da autoridade a dançarem ao seu lado.
Estava dado o mote da festa. O público que enchia o Coliseu (os bilhetes esgotaram pouco depois de terem sido postos à venda) começou a agitar-se nas cadeiras e a bater palmas, mas, à medida que o tempo avançava e a timidez era vencida, havia cada vez mais gente a levantar-se para dançar. A alegria, como toda a gente sabe, é contagiosa...
Entretanto, Emanuel - secundado pelos seus músicos - ia recordando alguns momentos-chave da sua carreira. Falou do período "pimba", entre 1994 e 97, e depois da sua opção pela música romântica.
Cantou temas que toda a gente conhece, como "Felicidade", "Vamos a Elas" ou "Rapaziada Vamos Dançar", e no resumo da matéria dada nem sequer se esqueceu do último álbum, já deste ano, do qual retirou "Picadinhas de Amor" ou "Meu Amor vem ter comigo", entre outros.
Também não se esqueceu de esbanjar o charme que o torna tão querido do seu público fiel. Maioritariamente feminino e de certa idade.
Ana Maria Ribeiro / Correio da Manhã, 20/10/2003
terça-feira, 10 de abril de 2012
Zé Cabra no Técnico
É sexta-feira, a noite de excelência para sair em Lisboa, segundo Miguel, estudante de Agronomia. Na mesma noite acontece um concerto dos Silence Four, também enquadrado na Semana Académica, que se prevê retirar público aos concertos no Instituto Superior Técnico. Zé Cabra sobe ao palco cedo, talvez demasiado cedo, ainda não são onze horas. Antes disso esteve no bar VIP, onde cumprimentou patrocinadores e organização.
A assistência não é muita, apesar de o (curto) concerto se vir a revelar mais concorrido que o dos Kamasutra ou dos Kane. Entre os grupos que se aproximam do palco existe bastante espaço vazio, muitos estudantes não abandonaram as barraquinhas do arraial, conversando e namorando entre cerveja e shots, vendidos à dezena, a preço especial. Zé Cabra é recebido com boa disposição ("Ganda maluco!") e responde com um sonoro "Boa Noite Rádio Cidade", está visto que audiência oblige. O cantor veste um fato com faixa de lantejoulas encarnadas e a iluminação mostra um rosto cansado e olheirento. Movimenta-se agilmente por todo o palco ("Não metas, não metas, não metas coisas nessa cabecinha, não metas coisas que não são verdade."), e a assistência canta com ele, dando provas de conhecer as letras de cor.
O ambiente tem a mesma energia de um bailarico da aldeia, várias raparigas entram em sintonia com o momento e dançam entre si. Vêem-se alguns copos de cerveja e muitos, muitos caloiros. Demora tempo a chegar o habitual cheiro a erva, fumada algures, entre estes jovens de ar saudável e desinteressante, banais, limpinhos e simpáticos que não parecem perceber que, até há pouco tempo, esta mistura académico-pimba seria algo bem mais improvável. Mas o Big Brother está no ar e não há pudor cultural que lhes valha.
A temperatura sobe com a arrastada "Lágrimas" ("São Lágrimas, são lágrimas.") e o humilde pedido "Mãozinhas no ar, agradecia imenso!", que deixa Margarida, 20 anos, capaz de um desabafo para as amigas "Eh pá, isto é mesmo ridículo!". As três amigas, um dos muitos grupinhos de raparigas que pontuam por todo o recinto (ao lado de grupos similares, e maiores, exclusivamente do sexo masculino) são caloiras mas já perceberam que ".o Zé Cabra está cá só para pôr o pessoal a beber". Pelo que se pode ver, até este momento, o pessoal diverte-se comedidamente, pelo mais pueril divertimento de pular e gritar numa sexta à noite.
O cantor aplica-se ("Passa a noite comigo morena, vai valer a pena, vais ver o que tens andado a perder, sou o homem que te vai fazer mulher") e volta a pedir palmas para a Rádio Cidade. Uns minutos mais tarde é a vez da sua editora "Uma salva de palmas para a minha editora Espacial, é graças a eles e aos estudantes que estou aqui!". Uma boa média final, com cinco músicas para três agradecimentos. Democrático, ao bisar, Zé Cabra deixa aos estudantes a opção "Qual é que querem?" e regista que a música "Lágrimas" é o seu hit estudantil.
Joana Leitão de Barros / Oni, 18/05/2001
A assistência não é muita, apesar de o (curto) concerto se vir a revelar mais concorrido que o dos Kamasutra ou dos Kane. Entre os grupos que se aproximam do palco existe bastante espaço vazio, muitos estudantes não abandonaram as barraquinhas do arraial, conversando e namorando entre cerveja e shots, vendidos à dezena, a preço especial. Zé Cabra é recebido com boa disposição ("Ganda maluco!") e responde com um sonoro "Boa Noite Rádio Cidade", está visto que audiência oblige. O cantor veste um fato com faixa de lantejoulas encarnadas e a iluminação mostra um rosto cansado e olheirento. Movimenta-se agilmente por todo o palco ("Não metas, não metas, não metas coisas nessa cabecinha, não metas coisas que não são verdade."), e a assistência canta com ele, dando provas de conhecer as letras de cor.
O ambiente tem a mesma energia de um bailarico da aldeia, várias raparigas entram em sintonia com o momento e dançam entre si. Vêem-se alguns copos de cerveja e muitos, muitos caloiros. Demora tempo a chegar o habitual cheiro a erva, fumada algures, entre estes jovens de ar saudável e desinteressante, banais, limpinhos e simpáticos que não parecem perceber que, até há pouco tempo, esta mistura académico-pimba seria algo bem mais improvável. Mas o Big Brother está no ar e não há pudor cultural que lhes valha.
A temperatura sobe com a arrastada "Lágrimas" ("São Lágrimas, são lágrimas.") e o humilde pedido "Mãozinhas no ar, agradecia imenso!", que deixa Margarida, 20 anos, capaz de um desabafo para as amigas "Eh pá, isto é mesmo ridículo!". As três amigas, um dos muitos grupinhos de raparigas que pontuam por todo o recinto (ao lado de grupos similares, e maiores, exclusivamente do sexo masculino) são caloiras mas já perceberam que ".o Zé Cabra está cá só para pôr o pessoal a beber". Pelo que se pode ver, até este momento, o pessoal diverte-se comedidamente, pelo mais pueril divertimento de pular e gritar numa sexta à noite.
O cantor aplica-se ("Passa a noite comigo morena, vai valer a pena, vais ver o que tens andado a perder, sou o homem que te vai fazer mulher") e volta a pedir palmas para a Rádio Cidade. Uns minutos mais tarde é a vez da sua editora "Uma salva de palmas para a minha editora Espacial, é graças a eles e aos estudantes que estou aqui!". Uma boa média final, com cinco músicas para três agradecimentos. Democrático, ao bisar, Zé Cabra deixa aos estudantes a opção "Qual é que querem?" e regista que a música "Lágrimas" é o seu hit estudantil.
Joana Leitão de Barros / Oni, 18/05/2001
quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012
Despiques
Assiste o país a um curioso despique, de resultado imprevisível. As eleições ainda vêm longe, o campeonato ainda não chegou ao Natal, a SIC diz que sim, a RTP diz que não. O Portugal «real» está dividido: cada metade, longitudinal ou transversal, discute acaloradamente a sua opção, quiçá a sua poção. Aqui não há Porto nem Lisboa, benfiquistas ou portistas, «laranjas» ou «chuchas», monárquicos ou republicanos. E, contudo, os portugueses têm dúvidas: a decisão é difícil.
São do Norte; têm ambos uma enorme capacidade para falar do que não sabem; o bigode fica bem a qualquer um deles; a sua linguagem e humor suplantam, de longe, as melhores produções da BBC; nunca será pela cabeça que lhes virão as constipações; estão verdadeiramente convencidos de que gostam mais de mulheres do que qualquer outro homem. São o alter-ego recíproco.
Ficam os nomes imaginários destas duas famosas personagens -- Quim Barreiros e Pedro Abrunhosa -- e a quem descobrir os seus nomes verdadeiros ofereço viagens ao bacalhau da Maria.
Maria de Fátima C. Pinheiro
Porto
PUBLICO-1994/12/13-100
São do Norte; têm ambos uma enorme capacidade para falar do que não sabem; o bigode fica bem a qualquer um deles; a sua linguagem e humor suplantam, de longe, as melhores produções da BBC; nunca será pela cabeça que lhes virão as constipações; estão verdadeiramente convencidos de que gostam mais de mulheres do que qualquer outro homem. São o alter-ego recíproco.
Ficam os nomes imaginários destas duas famosas personagens -- Quim Barreiros e Pedro Abrunhosa -- e a quem descobrir os seus nomes verdadeiros ofereço viagens ao bacalhau da Maria.
Maria de Fátima C. Pinheiro
Porto
PUBLICO-1994/12/13-100
quarta-feira, 18 de janeiro de 2012
Um(a) lança em Portugal
Entrevista a João Lança
O filho da Linda de Suza canta por sua conta e risco
Veio de França há cinco anos com a mala cheia de sonhos, já lançou dois discos em Portugal, mas não tem tido muita sorte. Na verdade, ser emigrante e filho da Linda de Suza tem ajudado pouco. João Lança conta o seu trajecto em terras lusas, sem esconder nada. Mesmo aquele episódio em que saiu a meio do Festival da Canção: “O que é que eu estou aqui a fazer?”. Uma entrevista com um homem que merece vencer. Imperdível
- Quando é que começou a estudar música?
Eu comecei mesmo a gostar de música com 14 anos, quando tive o piano. Eu disse para a minha mãe que gostava de ter um piano. A minha mãe disse-me na altura: "mas não sabes tocar…" Eu argumentei que precisava do piano. E tive-o. Comecei a tocar sozinho, depois tive algumas aulas e pus-me a compor. Sou mais melodista do que músico, porque não sou muito de partituras. Como eu trabalhei em estúdio lá em Paris, vi o que era ser músico mesmo. Aqueles tubarões do estúdio é que são os músicos.
- Mas então gostava de fazer melodias…
Ah… sim, sim. E foi daí que nasceu a primeira música que eu fiz. Quem me deu a oportunidade foi, naquela altura, o produtor da minha mãe, que gostou muito. Nunca ia apresentar as músicas à minha mãe. Ia sempre primeiro ter com o produtor, para ver se ele gostava, porque se não ia ser influenciado pela minha mãe. Era lógico: "Mas é o meu filho… ai que giro!" Ia logo aceitar e eu não me iria sentir realizado, nunca iria saber se foi por mim ou se pelo facto de ser filho dela.
- E ele era muito duro nas críticas?
Ele? Puu… Quantas vezes ele disse: "Estás a brincar comigo. Isso nem pensar". Aí dava-me vontade de dizer: "Eh pá, mas eu sou o filho dela". Mas não. Foi óptimo. Era o que ele dizia: é um investimento tão grande que uma pessoa não se pode permitir a colocar tudo e mais alguma coisa num disco. Tinha de haver um conceito. Naquela altura, um álbum custava 600 mil francos, o que equivalia a 20 mil contos. Há 15, 16 anos atrás, era muito dinheiro numa produção. Eram três meses de estúdio. Cada hora de estúdio custava 45 contos. Também era outro mercado. De cada vez que ela vendia um álbum eram 500 mil, 600 mil. Era impressionante.
- Quando é começou a cantar?
Quando comecei a ter a ideia da música para o filme, tinha então 18 anos. Fazer a música e depois gravá-la ainda demorou o seu tempo. Aos 18 anos, gravei a canção, comigo a cantar. Mas não era aquilo que eu queria. Preferia ficar atrás do palco, a compor. Era o que me dava mais prazer. Depois, fizemos uma produção de um disco em que compus quatro canções. Mas atenção: para ter lá quatro músicas, apresentei 10 ou 12.
- Mesmo assim, não é nada mau. Parece-me uma boa média.
Vá lá. E nessas quatro canções, ele disse-me assim: "por que é que não fazes um duo com a tua mãe?" "Eu?! Cantar com a minha mãe? Ai, meu Deus… Estás a brincar." Mas depois pensei e lá cantámos. E fizemos um dueto, o "Dit Moi Porquoi", que em português significa "diz-me porquê". Fizemos a tradução em português com as letras de Mário Raínho e José Luís Gordo. Comecei obrigatoriamente a fazer espectáculos. Tinham de me empurrar para eu subir ao palco. Tremia, tremia. Graças a Deus, naquela altura tínhamos as salas cheias. Quantas vezes não me enganei (risos), por medo. Ela via-me a transpirar. O início foi terrível, terrível. Aprendi muito com ela a estar em palco. Ao fim de alguns meses, já estava mais solto, já me permitia certas palhaçadas. Faço as coisas com seriedade, mas raramente sou sério. Uma pessoa não deve levar as coisas muito a sério. O que é que fazemos, afinal? É preciso relativizar isso tudo. Como a minha mãe dizia sempre: só vendemos vento e um bocadinho de sentimento, de bem-estar às pessoas durante um período curto de tempo. Foi assim que nasceu em mim o bichinho.
- Mas cantou então durante algum tempo com a sua mãe?
Ainda cantei durante dois anos com ela.
- E estreou-se a solo lá em França?
Sozinho não. Foi sempre com ela. Depois lancei, aliás, lançámos - foi ela até que produziu – um 45 rotações.
- Já não se produzem 45 rotações há muito tempo em Portugal…
Também fui enganado. Lá também não se faziam… (risos)
- Pois.
Foi há dez anos. Fiz um 45 rotações e fui a um único programa de televisão com aquele disco. O produtor foi um vigarista. Fechou tudo e foi-se embora. Enfim.
-Fugiu?
Fugiu. O homem fugiu. (risos) Depois saturei-me de estar sempre debaixo das asas da minha mãe. Tive vontade de fugir.
- Foi por isso que veio para Portugal?
Sim. Comecei, ainda em França, a compor só para mim, com algumas canções escritas em português.
- Teve dificuldade com a língua?
Muita dificuldade mesmo. Mas como eu cantava para a comunidade portuguesa, nos restaurantes… e quando eu dizia isto à minha mãe? Ela ficava fula.
- Por cantar em restaurantes?
Fula… bem, estou a exagerar um bocadinho. Ela achava que eu não devia cantar directamente assim. Mas foi o que eu lhe disse: "Eu tenho de aprender o meu trabalho". Mas voltando ao português: ninguém reparava nos erros que eu podia fazer. Porque os outros faziam os mesmos erros do que eu. Por exemplo, havia uma canção em que dizia "êrói" em vez de herói. Mas toda a gente dizia igual. Eles não estranhavam a minha pronúncia. Na altura, tinha o nome artístico de Janot. Por baixo, nos cartazes, às vezes escreviam "filho da Linda de Suza". Quando isso acontecia, os restaurantes enchiam.
- Por causa da sua mãe…
Nos restaurantes, eu quase não falava com as pessoas. Porque pensava que bastava aquilo que eu escrevia. Mas não. Nos restaurantes, é complicadíssimo. As pessoas a comerem e eu a cantar, a querer que batam palmas. Aprendi, aprendi, aprendi. Temos de ir buscá-los. Temos de ir à luta. Não basta simplesmente ficar atrás do microfone. Não é isso o que as pessoas querem. Querem mais. Não se resume a estar a cantar "lá lá lá lá lá lá". Para isso liga-se a MTV.
- Durante quanto tempo é que andou nessa vida dos restaurantes?
Andei à vontade durante dois anos. Depois, conheci uma pessoa que quis que eu gravasse cá em Portugal. Só que era para editoras como a Lusogram…
-Editoras desconhecidas?
Pois. E eu disse assim: "Já que conhece tanta gente, ponha- me numa multinacional, caramba". Eu não sabia o que se passava em Portugal. Sabia lá quem era o Rui Veloso ou o Pedro Abrunhosa. Em Paris quem os conhece? O grande público francês não os conhece. Na comunidade portuguesa, sim, mas são os Tonys Carreiras, as Agathas… Foi daí que eu conheci esses cantores. Eu tinha a ideia de não fazer como os outros. Imagine as associações de portugueses em França. É a Sagres, as bailarinas no palco… fui sempre ao contrário dos outros: só voz e piano. Os portugueses iam ao baile e apanhavam piano e voz. Era giro, mas só havia meia dúzia de pessoas que apreciavam. Os outros lá atrás gritavam: "Eh pá, canta a Mala de Cartão!" (risos). Que vergonha eu apanhava. Mas seguia até ao fim. Fui expandindo o meu espectáculozinho. Houve um dia em que dei um espectáculo sem referência ao nome da minha mãe e vieram mais de mil pessoas para me ver. Foi gratificante. Até que uma vez o Carlos Pinto, da Sony, ouviu uma cassete minha, sem saber quem eu era. Só no fim de termos assinado o contrato é que lhe disse quem era.
-Em que ano é que lançou o seu primeiro disco em Portugal?
Foi há cinco anos.
- Como é que se chamava o álbum?
"Quem Será."
- Todo em português?
Todo em português.
- E nessa altura veio para cá viver?
Na altura da gravação, andava cá e lá. Mas decidi-me por Portugal.
- Esse seu primeiro álbum foi muito discreto.
Completamente. A própria Sony não fez promoção. Estive em apenas dois programas de televisão.
- Vendeu pouco?
Vendemos 1500 CD’s. Não foi assim tão mau. Mas só que vinha de França e punha-me a fazer comparações com a minha mãe… Só que não tem nada a ver, logicamente. Mas fiquei muito desiludido.
- Com a falta de promoção?
Falta de promoção e empenho da Sony. Depois percebi que eles, enquanto multinacional, precisavam de uma quota de artistas portugueses e eu cheguei em boa altura, por isso é que assinámos tão facilmente o contrato. Agora sei isso. Mesmo ao nível da produção, eles não apostaram em força na qualidade do vídeo. Mas eu não sabia o que era a música popular em Portugal.
- Os cantores que frequentam a comunidade portuguesa em França são aqueles que têm sucesso também em Portugal.
Sim. Ágatha, Tony Carreira, Luís Filipe Reis…
-O Emanuel…
O Emanuel, o… como é que ele se chama… aquele do burrito… o Fernando Correia Marques, o Axel, pessoas assim. Mas para mim
desde que a música seja bem feita… Em França a variedade é muito mais aberta, mas a música é feita sempre com qualidade. Podemos gostar ou não gostar, mas a qualidade está lá, porque os músicos de estúdio são os mesmos. Em Portugal, há mundos completamente separados.
- Lançou o disco cá em Portugal e foi fazendo alguns espectáculos.
Fiz alguns espectáculos, sim. Alguns. Não foram assim muitos, muitos, muitos. Não sou pessoa de me gabar. É muito fácil saber quando há sucesso ou não. A prova é que vou na rua e ninguém me conhece. É preciso relativizar.
- Entretanto, lançou um trabalho mais recentemente.
Sim.
- Tem um título francês, não é?
Não, não. Chama-se "Não Pares de Sonhar". Foi feito com a Ovação. Eu tinha assinado um contrato com a Sony para cinco anos e três álbuns, mas quis vir-me embora. Eu disse: "vou fazer outro álbum e vocês vão fazer a mesma coisa, não vale a pena". E eles não me deram grande perspectiva de futuro. Entretanto, entre os dois discos, também participei no Festival da Canção. Nesse ano eles foram ter com as editoras e a Sony propôs-me entrar no festival.
- Em que ano?
Foi há três anos, quando a Inês Santos ganhou, com uma canção do José Cid. Eu participei com uma música composta por mim e com letra do Pedro Malaquias. Eu disse ao João Megre, que era o A.R. da Sony…
- O A.R.?
O director artístico da Sony. Eu disse-lhe: "Quero trabalhar com o Pedro Malaquias". E ele: "Ah, não. Olha que ele não vai querer trabalhar contigo. Ele trabalha com o Paulo Gonzo…" Eu pensei: "Oh… o caneco". Liguei directamente para a TSF: "Queria falar com o Pedro Malaquias se faz favor" – "Mas quem fala?" – "João Megre, da Sony" (risos). Ele veio ao telefone: "Sim" – "Olhe, eu não sou o João Megre" – "Ah pois, eu não lhe reconheci a voz". Expliquei-lhe a situação toda. Mas sem lhe dizer quem eu era, simplesmente disse-lhe que era um artista. Fiquei uma hora ao telefone com ele. No fim já era: "Vem cá beber umas cervejas, temos aqui um barzinho na TSF". Fui ter com ele e estivemos três horas a conversar, entre imperiais.
- O Pedro Malaquias faz letras para canções?
Sim. Tudo o que é música do Paulo Gonzo, é o Pedro Malaquias que escreve as letras. E eu justamente queria distinguir-me. Só a imagem de ser filho da Linda de Suza, ser emigrante, dava- me uma conotação pimba. Foi do que me apercebi em Portugal naquela altura. Nem sei o que é isso, essa descriminação. Eu sou muito mais simples do que isso.
- Em Portugal há algum preconceito.
Completamente. Mas simplesmente gostei da maneira do Pedro Malaquias escrever quando ouvi os álbuns do Paulo Gonzo (que o João Megre, da Sony, me deu a ouvir). E foi daí que ele começou a escrever canções para mim.
- Foi o Pedro Malaquias que fez as letras do seu último álbum?
Fez a maioria das letras. Para o Festival da Canção, fizemos uma canção. Eu disse-lhe que queria uma ideia de canção larga: nascer aqui ou além, o que interessa? Mas não foi bem aceite. Ganhou uma música com cavaquinhos, bem portuguesa. Nós tínhamos uma ideia mais positiva, mais humanista. Fiquei em último lugar. Ena pá. Estava na mesa e durante as pontuações não houve por uma vez uma câmara a apontar para mim. Nem uma. Era tudo nos outros. Há clãs. E eu nunca fiz parte dos clãs. Nem dos elitistas nem dos pimbas. Sempre estive no meio. Houve uma altura em que eu disse "o que é que eu estou aqui a fazer?" e fui-me embora. O pessoal da produção avisou-me que não podia sair, mas eu disse: "Não posso? Quem é que me vai impedir? Isso é que era bom. Vou-me embora, não estou aqui a fazer nada. Tchauzinho". E fui-me embora. Depois soube que a minha canção foi a preferida do Paulo de Carvalho, que fazia parte do Júri, mas ele nem um ponto me deu. Já estava tudo combinado.
- Foi uma experiência complicada.
Sim. Quem me deu muita força foi o Pedro Malaquias. Ele telefonou-me: "João, ganhámos, pá! Ganhámos". E eu: "És doido. Pára com isso!" E ele: "Mas tu não vês que ganhámos. Marcaste a tua diferença. Não foste como eles. Tens de continuar. Tens de ser tu próprio". Não tive nenhum apoio da Sony. Eles já sabiam que eu nunca iria ganhar. Uma semana depois informei-os de que me ia embora.
- E depois surgiu a Ovação…
Não quis ir ter com multinacionais.
- A Ovação tem alguns artistas conhecidos.
Sim, mas sinceramente também não fazem grandes apostas. Nesse disco quis letras do Fernando Girão. Fui vê-lo. Disseram- me: "O Fernando Girão? Alguma vez…" Ainda por cima eu faço sempre as minhas músicas e ele faz letra e música. Quando fui vê-lo, ele foi extraordinário. Abriu-me a porta sem me conhecer. Só ao fim de uma hora, é que ele perguntou-me, com aquela voz rouca: "Eh pá, mas agora é que estou a ver. Tu não fazes música pimba, pois não?" (risos) E eu: "Não sei a que é que chamas música pimba."
- Imagino que ele tenha pensado nesse momento: "Sim, então é porque fazes mesmo música pimba".
De repente agarro na viola dele, toco duas ou três coisas e ele disse-me: "Eh pá, tu és dos meus, pá. Fantástico. Vamos iniciar isso." Depois a mulher dele entrou na sala e foi ela que me reconheceu: "Tu não és o filho da…?" O Fernando Girão levanta-se, eu enfio-me no sofá e ele: "És um gentleman. A partir de agora, irmãos". Ele adorou a minha atitude e deu-lhe ainda mais prazer colaborar no meu disco. Fez duas letras para o álbum. O Pedro Malaquias fez sete e a Célia Lawson fez uma, o "Não Pares de Sonhar". Quis que fosse uma mulher a escrever.
- Mas o segundo álbum também não teve muita visibilidade.
Não. Também não houve muita divulgação. Não sei.
- Tem andado numa maré de azar.
Não sei. Ou é a editora que não soube promovê-lo ou o álbum não agrada ao público…
- Quando é que foi lançado?
No ano passado. Fui à Praça da Alegria. O Goucha gosta muito de mim, da minha maneira de estar. Mas a Ovação não fez grande promoção. Afinal, não sei o que será melhor. Não sei se as editoras pequeninas, como a Espacial e a Vidisco, não trabalharão melhor com os artistas nacionais.
- E agora? Como é que vai ser?
Não sei. Encontrei o Carlos [Alfaiate].
- Como é que se conheceram?
Recebi um e-mail com o novo contacto do António Calvário, que era o Carlos Alfaiate.
- Nunca tinha tido um manager?
Um manager propriamente dito, nunca tive. Procurei. Fui ver o manager da Adelaide Ferreira, outros managers, empresas de agenciamento. Mas para eles, é preciso ter bagagem. São todos os mesmos. Eu não tenho background. Os outros vêm todos dos mesmos sítios: o Luís Represas é como o Jorge Palma. Eu, de onde venho? Sou um emigrante. Mas também não me dou bem com aqueles empresários desses artistas muito populares. Não me enquadro. Então, liguei ao Carlos Alfaiate. Agora, a ideia é preparar um novo disco.
- Já tem editora?
Sinceramente, não sei se vou continuar na Ovação. Não me vejo na mesma editora.
- Mas não está arrependido de ter vindo para Portugal?
Não, não. Sinto-me mesmo bem.
Micael Pereira / Clix, 2001/2002
http://reporter.clix.pt/musica/66550.html
O filho da Linda de Suza canta por sua conta e risco
Veio de França há cinco anos com a mala cheia de sonhos, já lançou dois discos em Portugal, mas não tem tido muita sorte. Na verdade, ser emigrante e filho da Linda de Suza tem ajudado pouco. João Lança conta o seu trajecto em terras lusas, sem esconder nada. Mesmo aquele episódio em que saiu a meio do Festival da Canção: “O que é que eu estou aqui a fazer?”. Uma entrevista com um homem que merece vencer. Imperdível
- Quando é que começou a estudar música?
Eu comecei mesmo a gostar de música com 14 anos, quando tive o piano. Eu disse para a minha mãe que gostava de ter um piano. A minha mãe disse-me na altura: "mas não sabes tocar…" Eu argumentei que precisava do piano. E tive-o. Comecei a tocar sozinho, depois tive algumas aulas e pus-me a compor. Sou mais melodista do que músico, porque não sou muito de partituras. Como eu trabalhei em estúdio lá em Paris, vi o que era ser músico mesmo. Aqueles tubarões do estúdio é que são os músicos.
- Mas então gostava de fazer melodias…
Ah… sim, sim. E foi daí que nasceu a primeira música que eu fiz. Quem me deu a oportunidade foi, naquela altura, o produtor da minha mãe, que gostou muito. Nunca ia apresentar as músicas à minha mãe. Ia sempre primeiro ter com o produtor, para ver se ele gostava, porque se não ia ser influenciado pela minha mãe. Era lógico: "Mas é o meu filho… ai que giro!" Ia logo aceitar e eu não me iria sentir realizado, nunca iria saber se foi por mim ou se pelo facto de ser filho dela.
- E ele era muito duro nas críticas?
Ele? Puu… Quantas vezes ele disse: "Estás a brincar comigo. Isso nem pensar". Aí dava-me vontade de dizer: "Eh pá, mas eu sou o filho dela". Mas não. Foi óptimo. Era o que ele dizia: é um investimento tão grande que uma pessoa não se pode permitir a colocar tudo e mais alguma coisa num disco. Tinha de haver um conceito. Naquela altura, um álbum custava 600 mil francos, o que equivalia a 20 mil contos. Há 15, 16 anos atrás, era muito dinheiro numa produção. Eram três meses de estúdio. Cada hora de estúdio custava 45 contos. Também era outro mercado. De cada vez que ela vendia um álbum eram 500 mil, 600 mil. Era impressionante.
- Quando é começou a cantar?
Quando comecei a ter a ideia da música para o filme, tinha então 18 anos. Fazer a música e depois gravá-la ainda demorou o seu tempo. Aos 18 anos, gravei a canção, comigo a cantar. Mas não era aquilo que eu queria. Preferia ficar atrás do palco, a compor. Era o que me dava mais prazer. Depois, fizemos uma produção de um disco em que compus quatro canções. Mas atenção: para ter lá quatro músicas, apresentei 10 ou 12.
- Mesmo assim, não é nada mau. Parece-me uma boa média.
Vá lá. E nessas quatro canções, ele disse-me assim: "por que é que não fazes um duo com a tua mãe?" "Eu?! Cantar com a minha mãe? Ai, meu Deus… Estás a brincar." Mas depois pensei e lá cantámos. E fizemos um dueto, o "Dit Moi Porquoi", que em português significa "diz-me porquê". Fizemos a tradução em português com as letras de Mário Raínho e José Luís Gordo. Comecei obrigatoriamente a fazer espectáculos. Tinham de me empurrar para eu subir ao palco. Tremia, tremia. Graças a Deus, naquela altura tínhamos as salas cheias. Quantas vezes não me enganei (risos), por medo. Ela via-me a transpirar. O início foi terrível, terrível. Aprendi muito com ela a estar em palco. Ao fim de alguns meses, já estava mais solto, já me permitia certas palhaçadas. Faço as coisas com seriedade, mas raramente sou sério. Uma pessoa não deve levar as coisas muito a sério. O que é que fazemos, afinal? É preciso relativizar isso tudo. Como a minha mãe dizia sempre: só vendemos vento e um bocadinho de sentimento, de bem-estar às pessoas durante um período curto de tempo. Foi assim que nasceu em mim o bichinho.
- Mas cantou então durante algum tempo com a sua mãe?
Ainda cantei durante dois anos com ela.
- E estreou-se a solo lá em França?
Sozinho não. Foi sempre com ela. Depois lancei, aliás, lançámos - foi ela até que produziu – um 45 rotações.
- Já não se produzem 45 rotações há muito tempo em Portugal…
Também fui enganado. Lá também não se faziam… (risos)
- Pois.
Foi há dez anos. Fiz um 45 rotações e fui a um único programa de televisão com aquele disco. O produtor foi um vigarista. Fechou tudo e foi-se embora. Enfim.
-Fugiu?
Fugiu. O homem fugiu. (risos) Depois saturei-me de estar sempre debaixo das asas da minha mãe. Tive vontade de fugir.
- Foi por isso que veio para Portugal?
Sim. Comecei, ainda em França, a compor só para mim, com algumas canções escritas em português.
- Teve dificuldade com a língua?
Muita dificuldade mesmo. Mas como eu cantava para a comunidade portuguesa, nos restaurantes… e quando eu dizia isto à minha mãe? Ela ficava fula.
- Por cantar em restaurantes?
Fula… bem, estou a exagerar um bocadinho. Ela achava que eu não devia cantar directamente assim. Mas foi o que eu lhe disse: "Eu tenho de aprender o meu trabalho". Mas voltando ao português: ninguém reparava nos erros que eu podia fazer. Porque os outros faziam os mesmos erros do que eu. Por exemplo, havia uma canção em que dizia "êrói" em vez de herói. Mas toda a gente dizia igual. Eles não estranhavam a minha pronúncia. Na altura, tinha o nome artístico de Janot. Por baixo, nos cartazes, às vezes escreviam "filho da Linda de Suza". Quando isso acontecia, os restaurantes enchiam.
- Por causa da sua mãe…
Nos restaurantes, eu quase não falava com as pessoas. Porque pensava que bastava aquilo que eu escrevia. Mas não. Nos restaurantes, é complicadíssimo. As pessoas a comerem e eu a cantar, a querer que batam palmas. Aprendi, aprendi, aprendi. Temos de ir buscá-los. Temos de ir à luta. Não basta simplesmente ficar atrás do microfone. Não é isso o que as pessoas querem. Querem mais. Não se resume a estar a cantar "lá lá lá lá lá lá". Para isso liga-se a MTV.
- Durante quanto tempo é que andou nessa vida dos restaurantes?
Andei à vontade durante dois anos. Depois, conheci uma pessoa que quis que eu gravasse cá em Portugal. Só que era para editoras como a Lusogram…
-Editoras desconhecidas?
Pois. E eu disse assim: "Já que conhece tanta gente, ponha- me numa multinacional, caramba". Eu não sabia o que se passava em Portugal. Sabia lá quem era o Rui Veloso ou o Pedro Abrunhosa. Em Paris quem os conhece? O grande público francês não os conhece. Na comunidade portuguesa, sim, mas são os Tonys Carreiras, as Agathas… Foi daí que eu conheci esses cantores. Eu tinha a ideia de não fazer como os outros. Imagine as associações de portugueses em França. É a Sagres, as bailarinas no palco… fui sempre ao contrário dos outros: só voz e piano. Os portugueses iam ao baile e apanhavam piano e voz. Era giro, mas só havia meia dúzia de pessoas que apreciavam. Os outros lá atrás gritavam: "Eh pá, canta a Mala de Cartão!" (risos). Que vergonha eu apanhava. Mas seguia até ao fim. Fui expandindo o meu espectáculozinho. Houve um dia em que dei um espectáculo sem referência ao nome da minha mãe e vieram mais de mil pessoas para me ver. Foi gratificante. Até que uma vez o Carlos Pinto, da Sony, ouviu uma cassete minha, sem saber quem eu era. Só no fim de termos assinado o contrato é que lhe disse quem era.
-Em que ano é que lançou o seu primeiro disco em Portugal?
Foi há cinco anos.
- Como é que se chamava o álbum?
"Quem Será."
- Todo em português?
Todo em português.
- E nessa altura veio para cá viver?
Na altura da gravação, andava cá e lá. Mas decidi-me por Portugal.
- Esse seu primeiro álbum foi muito discreto.
Completamente. A própria Sony não fez promoção. Estive em apenas dois programas de televisão.
- Vendeu pouco?
Vendemos 1500 CD’s. Não foi assim tão mau. Mas só que vinha de França e punha-me a fazer comparações com a minha mãe… Só que não tem nada a ver, logicamente. Mas fiquei muito desiludido.
- Com a falta de promoção?
Falta de promoção e empenho da Sony. Depois percebi que eles, enquanto multinacional, precisavam de uma quota de artistas portugueses e eu cheguei em boa altura, por isso é que assinámos tão facilmente o contrato. Agora sei isso. Mesmo ao nível da produção, eles não apostaram em força na qualidade do vídeo. Mas eu não sabia o que era a música popular em Portugal.
- Os cantores que frequentam a comunidade portuguesa em França são aqueles que têm sucesso também em Portugal.
Sim. Ágatha, Tony Carreira, Luís Filipe Reis…
-O Emanuel…
O Emanuel, o… como é que ele se chama… aquele do burrito… o Fernando Correia Marques, o Axel, pessoas assim. Mas para mim
desde que a música seja bem feita… Em França a variedade é muito mais aberta, mas a música é feita sempre com qualidade. Podemos gostar ou não gostar, mas a qualidade está lá, porque os músicos de estúdio são os mesmos. Em Portugal, há mundos completamente separados.
- Lançou o disco cá em Portugal e foi fazendo alguns espectáculos.
Fiz alguns espectáculos, sim. Alguns. Não foram assim muitos, muitos, muitos. Não sou pessoa de me gabar. É muito fácil saber quando há sucesso ou não. A prova é que vou na rua e ninguém me conhece. É preciso relativizar.
- Entretanto, lançou um trabalho mais recentemente.
Sim.
- Tem um título francês, não é?
Não, não. Chama-se "Não Pares de Sonhar". Foi feito com a Ovação. Eu tinha assinado um contrato com a Sony para cinco anos e três álbuns, mas quis vir-me embora. Eu disse: "vou fazer outro álbum e vocês vão fazer a mesma coisa, não vale a pena". E eles não me deram grande perspectiva de futuro. Entretanto, entre os dois discos, também participei no Festival da Canção. Nesse ano eles foram ter com as editoras e a Sony propôs-me entrar no festival.
- Em que ano?
Foi há três anos, quando a Inês Santos ganhou, com uma canção do José Cid. Eu participei com uma música composta por mim e com letra do Pedro Malaquias. Eu disse ao João Megre, que era o A.R. da Sony…
- O A.R.?
O director artístico da Sony. Eu disse-lhe: "Quero trabalhar com o Pedro Malaquias". E ele: "Ah, não. Olha que ele não vai querer trabalhar contigo. Ele trabalha com o Paulo Gonzo…" Eu pensei: "Oh… o caneco". Liguei directamente para a TSF: "Queria falar com o Pedro Malaquias se faz favor" – "Mas quem fala?" – "João Megre, da Sony" (risos). Ele veio ao telefone: "Sim" – "Olhe, eu não sou o João Megre" – "Ah pois, eu não lhe reconheci a voz". Expliquei-lhe a situação toda. Mas sem lhe dizer quem eu era, simplesmente disse-lhe que era um artista. Fiquei uma hora ao telefone com ele. No fim já era: "Vem cá beber umas cervejas, temos aqui um barzinho na TSF". Fui ter com ele e estivemos três horas a conversar, entre imperiais.
- O Pedro Malaquias faz letras para canções?
Sim. Tudo o que é música do Paulo Gonzo, é o Pedro Malaquias que escreve as letras. E eu justamente queria distinguir-me. Só a imagem de ser filho da Linda de Suza, ser emigrante, dava- me uma conotação pimba. Foi do que me apercebi em Portugal naquela altura. Nem sei o que é isso, essa descriminação. Eu sou muito mais simples do que isso.
- Em Portugal há algum preconceito.
Completamente. Mas simplesmente gostei da maneira do Pedro Malaquias escrever quando ouvi os álbuns do Paulo Gonzo (que o João Megre, da Sony, me deu a ouvir). E foi daí que ele começou a escrever canções para mim.
- Foi o Pedro Malaquias que fez as letras do seu último álbum?
Fez a maioria das letras. Para o Festival da Canção, fizemos uma canção. Eu disse-lhe que queria uma ideia de canção larga: nascer aqui ou além, o que interessa? Mas não foi bem aceite. Ganhou uma música com cavaquinhos, bem portuguesa. Nós tínhamos uma ideia mais positiva, mais humanista. Fiquei em último lugar. Ena pá. Estava na mesa e durante as pontuações não houve por uma vez uma câmara a apontar para mim. Nem uma. Era tudo nos outros. Há clãs. E eu nunca fiz parte dos clãs. Nem dos elitistas nem dos pimbas. Sempre estive no meio. Houve uma altura em que eu disse "o que é que eu estou aqui a fazer?" e fui-me embora. O pessoal da produção avisou-me que não podia sair, mas eu disse: "Não posso? Quem é que me vai impedir? Isso é que era bom. Vou-me embora, não estou aqui a fazer nada. Tchauzinho". E fui-me embora. Depois soube que a minha canção foi a preferida do Paulo de Carvalho, que fazia parte do Júri, mas ele nem um ponto me deu. Já estava tudo combinado.
- Foi uma experiência complicada.
Sim. Quem me deu muita força foi o Pedro Malaquias. Ele telefonou-me: "João, ganhámos, pá! Ganhámos". E eu: "És doido. Pára com isso!" E ele: "Mas tu não vês que ganhámos. Marcaste a tua diferença. Não foste como eles. Tens de continuar. Tens de ser tu próprio". Não tive nenhum apoio da Sony. Eles já sabiam que eu nunca iria ganhar. Uma semana depois informei-os de que me ia embora.
- E depois surgiu a Ovação…
Não quis ir ter com multinacionais.
- A Ovação tem alguns artistas conhecidos.
Sim, mas sinceramente também não fazem grandes apostas. Nesse disco quis letras do Fernando Girão. Fui vê-lo. Disseram- me: "O Fernando Girão? Alguma vez…" Ainda por cima eu faço sempre as minhas músicas e ele faz letra e música. Quando fui vê-lo, ele foi extraordinário. Abriu-me a porta sem me conhecer. Só ao fim de uma hora, é que ele perguntou-me, com aquela voz rouca: "Eh pá, mas agora é que estou a ver. Tu não fazes música pimba, pois não?" (risos) E eu: "Não sei a que é que chamas música pimba."
- Imagino que ele tenha pensado nesse momento: "Sim, então é porque fazes mesmo música pimba".
De repente agarro na viola dele, toco duas ou três coisas e ele disse-me: "Eh pá, tu és dos meus, pá. Fantástico. Vamos iniciar isso." Depois a mulher dele entrou na sala e foi ela que me reconheceu: "Tu não és o filho da…?" O Fernando Girão levanta-se, eu enfio-me no sofá e ele: "És um gentleman. A partir de agora, irmãos". Ele adorou a minha atitude e deu-lhe ainda mais prazer colaborar no meu disco. Fez duas letras para o álbum. O Pedro Malaquias fez sete e a Célia Lawson fez uma, o "Não Pares de Sonhar". Quis que fosse uma mulher a escrever.
- Mas o segundo álbum também não teve muita visibilidade.
Não. Também não houve muita divulgação. Não sei.
- Tem andado numa maré de azar.
Não sei. Ou é a editora que não soube promovê-lo ou o álbum não agrada ao público…
- Quando é que foi lançado?
No ano passado. Fui à Praça da Alegria. O Goucha gosta muito de mim, da minha maneira de estar. Mas a Ovação não fez grande promoção. Afinal, não sei o que será melhor. Não sei se as editoras pequeninas, como a Espacial e a Vidisco, não trabalharão melhor com os artistas nacionais.
- E agora? Como é que vai ser?
Não sei. Encontrei o Carlos [Alfaiate].
- Como é que se conheceram?
Recebi um e-mail com o novo contacto do António Calvário, que era o Carlos Alfaiate.
- Nunca tinha tido um manager?
Um manager propriamente dito, nunca tive. Procurei. Fui ver o manager da Adelaide Ferreira, outros managers, empresas de agenciamento. Mas para eles, é preciso ter bagagem. São todos os mesmos. Eu não tenho background. Os outros vêm todos dos mesmos sítios: o Luís Represas é como o Jorge Palma. Eu, de onde venho? Sou um emigrante. Mas também não me dou bem com aqueles empresários desses artistas muito populares. Não me enquadro. Então, liguei ao Carlos Alfaiate. Agora, a ideia é preparar um novo disco.
- Já tem editora?
Sinceramente, não sei se vou continuar na Ovação. Não me vejo na mesma editora.
- Mas não está arrependido de ter vindo para Portugal?
Não, não. Sinto-me mesmo bem.
Micael Pereira / Clix, 2001/2002
http://reporter.clix.pt/musica/66550.html
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