As músicas são ritmadas. As letras singelas. As canções apelativas, Fáceis de trautear. Canta-se no mesmo tom o amor, as infidelidades conjugais, as saudades da terra natal .. A alegria domina, a brejeirice é uma constante.
Nas rádios, nas televisões e nas discotecas os números não deixam margens para dúvidas no Verão, Quim Barreiros, Emanuel, Roberto Leal, Nel Monteiro, José Malhoa, José Alberto Reis e Ágata, entre muitos outros, são os cantores que os portugueses preferem ouvir, São eles os campeões de vendas, os Principais, garantes de dinheiro em caixa das editoras.
Nel Monteiro é exemplo de um intérprete bem-sucedido. Fez um contrato fabuloso com a Sony e é um dos artistas que em Portugal mais recebe de direitos de autor.
Música «popularucha», «ligeira», de «raiz popular», música «pirosa» — estes os rótulos com que uns e outros referem à música que no Verão invade as discotecas, os arraiais e as colectividades, os canais de rádio e da TV e os respectivos espaços publicitários.
«Quando quero ver o meu amor/Pego num burrito e lá vou eu/Lá vou eu».
- Canções imediatas
Margarida André, uma das apresentadoras do Top Mais, no Canal 1, afirma que são os emigrantes quem mais se identificam com Quim Gouveia ou Rio do Cabo. Diz que o conceito de música ligeira é vago e engloba desde os Madredeus ao Nel Monteiro. Este conceito está já ultrapassado, afirma.
As editoras apostam no Verão, porque sabem que esta é a altura certa para vender um determinado tipo de música, que é menos consistente, mais leve, mais ritmada, explica ainda Margarida André, do Top Mais.
Na caracterização dos sons dos discos que invadem o Verão, Carlos Ribeiro, apresentador do Made in Portugal, tem igual opinião: As canções são mais imediatas, as melodias são alegres e divertidas, não agridem ninguém. Isto explica o êxito deste tipo de música entre as franjas de um público mais selectivo.
Quem neste jogo de gostos acabam por ser penalizados são intérpretes como Rita Guerra, Zé Carvalho ou Nucha, por exemplo. Carlos Ribeiro explica porquê: A qualidade destes cantores é indiscutível. Todavia, eles nunca chegam a dar o salto comercial, porque os portugueses preferem continuar a comprar um disco de um intérprete estrangeiro a um trabalho destes cantores.
- Fronteiras diluídas
O apresentador do Made in Portugal entende que as fronteiras entre a música popular portuguesa e a música ligeira estão cada vez mais diluídas. Antigamente, os cantores de emigração não tinham tanta abertura em Portugal. Hoje, tudo mudou. E as canções de melodia mais acessível passam mais facilmente devido à guerra das audiências que se instalou nas rádios e nas televisões.
Diz Carlos Ribeiro que depressa as estações de televisão perceberam que era preciso dar
abertura e espaço à música mais popularucha para prenderem audiências.
Quanto aos lançamentos de Verão, acrescenta: Artistas como Nel Monteiro ou Emanuel vivem um ano inteiro dos trabalhos que lançam nesta altura.
José Orlando, produtor e autor de Telemúsica, programa da TVI apresentado por Magna Cristina, fala dos preconceitos das gentes das grandes cidades relativamente à música de cariz mais popular: o público prefere canções alegres, simples e que nem por isso deixam de ter conteúdo. É preciso dar às pessoas
o que elas gostam de ouvir. Com o tempo acabarão por se tornar mais exigentes, afirma José Orlando, que também é compositor.
Os emigrantes são gente que, habituada a conviver com outras posturas culturais, não têm preconceitos, factor que ajuda a explicar o sucesso da música de cariz mais popular, acrescenta.
«Sai, sai da minha vida/Vai, não te quero ver/Sai sem um queixume/E leva o perfume da outra mulher.»
- Mitigar saudades
João Afonso, responsável pela área de marketing da Sony Music, em Portugal, diz que a chegada dos emigrantes e as férias tornam os portugueses mais permeáveis a um determinado tipo de música. Aquilo que ele designa por música popularucha, referindo-se às composições de raiz popular e de ritmo simples.
No Verão, as pessoas partem de férias e instalam-se em hotéis e parques de campismo. Passam muito tempo na praia e ao volante dos automóveis. Estão, por isso, pouco disponíveis para consumirem um disco por inteiro.
Nesta altura — diz João Afonso —, e em função da camada de emigrantes que visita o nosso país, surge um tipo de música que se consome mais e é composta por temas brejeiros, música que se ouve nas festas e romarias que nesta altura do ano se realizam de norte a sul do País. No final das férias, os emigrantes levam consigo os discos que lhe servem para mitigar saudades do País natal.
Porém, não só da música popularucha vivem o Verão e os portugueses. Além da compilação da indústria, disco que reúne os grandes êxitos dos últimos seis meses — trabalho que a Sony já vendeu 60 mil unidades — são também êxito alguns dos lançamentos mundiais em que as editoras mais apostaram e que estão neste momento incluídos nos Tops.
Eugénia Ribeiro / TV Guia, Agosto 1995