Ou o azar foi nosso ou Iran Costa, mais conhecido actualmente em Portugal pela alcunha de «o bicho», pareceu sempre demasiado cansado e ensonado, sem ponta do entusiasmo com que a sua canção tem sido recebida nas «charts». Naquela manhã de Outubro, nos estúdios da Valentim de Carvalho, além de gravar uma entrevista para o programa Made in Portugal, Iran atendeu de seguida uma revista feminina, o PÚBLICO e a «TV Guia».
«O que é que eu tenho a ver com o Emanuel ou a Ágata?», pergunta, boné ao contrário, ouvido sílaba a sílaba pela jovem jornalista da revista feminina, que não arredou pé da mesa apesar de as entrevistas serem individuais. «Eu faço dance music, eles fazem música ligeira. Mas, pronto, agora somos todos pimba! Acho isso até engraçado. Se ser pimba é vender cinco discos de platina, se ser pimba é ter 50 mil pessoas a assistir em Viseu, se ser pimba é ser querido pelas crianças e pelos velhos, então eu sou pimba! Ser intelectual é o quê, o «Talvez foder»? A única diferença entre mim e o Pedro Abrunhosa é que ele faz funk jazz e eu dance music!»
Pimba ou não, Iran Costa é um fenómeno que até já chegou ao Brasil, de onde partiu sem glória à procura do sucesso em Portugal. Natural de Porto Franco, uma cidadezinha do interior do estado do Maranhão, Iran partiu para Goiânia aos oito anos, para onde o pai, fotógrafo, foi à procura de uma vida melhor. «Éramos muito pobres na época», relembra Iran Costa. «Aos 11 anos vendia jornais na rua. Estudava de tarde e às quatro da manhã saía para vender os jornais. Dividíamos o trabalho por bairros e eu sempre ficava numa esquina. Mas a concorrência era muito grande e muitas vezes voltava chorando para casa.»
Mais tarde, trabalhou ainda como auxiliar de escritório e numa associação de menores gerida por padres, onde aprendeu a lidar com o telefone. Em Redenção, no Pará, trabalhou como bancário, mas, como confessa sem rodeios, «não tinha muito a ver» com ele.
Aos 18 anos, começou a trabalhar na rádio, na pequenina Rádio Oriente, de Redenção, de onde saltou mais tarde para a rede Cidade, de Fortaleza. «Fiz todo o tipo de programas, produzi programas, coordenei outros, fiz tudo durante oito anos.» Enquanto trabalhava na rádio, montou uma equipa que organizava festas. «Comecei a animar festas como DJ. Passava funky e rap...» Na rádio, iniciou-se a cantar em cima das outras músicas, até que gravou o primeiro disco, «Penso em Ti», em Fortaleza.
O sucesso, esse não existiu. «O Brasil é muito grande, a concorrência é enorme, são milhares de artistas batalhando por um lugar no céu, por uma oportunidade», justifica.
Alguém em Portugal ouviu o disco, que foi cair nas mãos da Vidisco. Iran gravou de novo esse primeiro disco, «Penso em Ti», de novo sem grande êxito. Deixar a rádio e o Brasil também não foi fácil. «O povo português é totalmente diferente. O brasileiro é sofrido mas alegre, passa facilmente por cima do passado, o português é mais ressentido.»
«O Bicho» transformou-se em sucesso repentinamente. «'Távamos sempre acreditando no trabalho. Escolhemos esta música, porque, apesar de tradicional, permitia fazer uma coisa nova. O êxito foi maior do que a gente esperava, estamos chegando ao final da `tournée' e ainda não parámos.»
Agora, Iran prepara-se para atacar o mercado dos emigrantes na Suíça, França, Alemanha e Luxemburgo e lançar o «Bicho» em Espanha e no Brasil, onde já foi notícia nacional graças a Manuel Monteiro. «Lá, essa história do PP foi anedota.»
Público, Nov/1999