terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Ricardo Landum - Um duro na música Light

Tem 44 anos de idade e 25 dedicados de alma e coração à música. Começou no rock e acabou por se tornar no autor mais requisitado da área da "música light" - expressão que inventou para designar as suas canções. O grande público não o conhece, mas sabe de cor muitas das suas canções. Chama-se Francisco Landum, mas no meio da música todos o conhecem apenas por Ricardo.

Autores - Como é que o devo tratar? Francisco Landum, Ricardo, Ricardo Landum?
Ricardo - Neste caso talvez seja melhor tratar-me por Ricardo, que foi o nome que eu adoptei como compositor e como autor, e é como a maioria das pessoas hoje me conhece. Claro que a minha mãe, por exemplo, trata-me por Francisco, mas quase toda a gente hoje me trata por Ricardo...

A - Mas nem sempre foi assim, mesmo no meio da música. Como é que nasceu o Ricardo?
R - O Ricardo surgiu em princípios dos anos 80, nos tempos áureos do rock português. Eu tinha um grupo, os TNT...

A - ...que foi uma banda de algum sucesso, na altura...
R - Sim, foi. Na altura também havia ainda poucas bandas de rock, depois é que se deu aquele "boom". Entretanto os TNT acabaram e eu quis fazer uma carreira a solo. E fui para a CBS, que tinha acabado de se instalar em Portugal. Fui dos primeiros artistas a assinar contrato com a CBS - acho que fui o segundo, o primeiro foi o José Malhoa - mas eles não gostaram muito do meu nome, acharam que não era muito comercial... E, como na altura havia alguns nomes da moda, por causa das novelas brasileiras, eles propuseram-me dois nomes para escolher: Ricardo e André. E eu escolhi Ricardo...

A - E começou aí a sua carreira a solo...
R - A partir daí, gravei dois discos, que tiveram algum impacto na altura, comecei a trabalhar em estúdio, e o pessoal todo começou a chamar-me Ricardo para aqui, Ricardo para ali, e fiquei a ser o Ricardo. E agora vivo com uma "dupla identidade": sou o Francisco, para os mais antigos, e o Ricardo para todos os que me conheceram depois disso...

A - Também teve uma passagem pelos Da Vinci...
R - Uma passagem que durou oito anos, e onde eu tive um dos meus maiores êxitos, com o "Conquistador", uma música que ainda hoje é conhecida.

A - O Ricardo, entretanto, abandonou os palcos...
R - Sim, só faço de vez em quando uma brincadeira, como quando o Tony Carreira foi ao Pavilhão Atlântico. Mas é muito raro, pode dizer-se que abandonei mesmo os palcos...

A - ... e tornou-se essencialmente autor, compositor e produtor, com uma carreira cheia de êxitos...
R - É verdade. A partir de certa altura, passei a dedicar- me de alma e coração só à composição e à produção. Achei sobretudo que queria ter uma vida mais ligada ao "backstage" do que propriamente ao palco. O palco dá gozo, mas é uma coisa "dolorosa", anda-se sempre a viajar, os verões são sempre passados dum lado para o outro... E não há condições em Portugal como há lá fora: nós, cá, temos uma banda e não temos um jacto privado, temos uma carrinha, as coisas muitas vezes são mal organizadas... E eu achei que gostava de ter uma vida mais sedentária, de estar aqui sentado e a escrever coisas. Achei que talvez fosse mais interessante...

A - E também tem menos exposição pública...
R - Também. E eu sou bastante tímido, não gosto de me ver na televisão, prefiro estar mais recatado, ter a minha privacidade. Mas nem foi por isso, porque em Portugal as coisas não são como nos Estados Unidos, onde há artistas que não podem sair à rua sem serem assaltados pelos fãs. Foi só porque queria ter uma vida mais calma, menos agitada. E então optei pelo trabalho de estúdio.

A - E, no seu caso, como é viver apenas dos direitos de autor? Normalmente não é fácil...
R - Não, não é nada fácil. Eu tenho colegas, bons autores, que se vêem aflitos para viver - a maior parte deles sobrevive. Mas eu considero que vivo bem dos direitos de autor. E porquê? Porque faço milhentas canções, e tenho a sorte de ser um autor completo, faço as músicas e as letras. E, depois, também tenho a sorte de ser um autor muito fértil, em termos de trabalho: praticamente não passo um dia sem fazer uma canção, tenho centenas de cassetes com originais. E como faço muito e edito muito, aí a balança já se equilibra e posso perfeitamente viver dos direitos de autor. Mas porque faço muita coisa...

A - Ou seja, não basta ter talento, é preciso muito trabalho também...
R - É. E é preciso haver trabalho, é preciso haver escoamento para aquilo que se faz. Eu tenho sorte, edito centenas de músicas anualmente. E trabalho com um leque de artistas que vende bastante.

A - A opção por um tipo de música mais ligeira - "música light", como já o ouvi dizer - foi deliberada? Foi porque, comercialmente, é mais rentável?
R - Não, foi uma coisa que aconteceu, naturalmente. Eu, na altura, estava desempregado e aquilo, nos TNT, não dava nada, era difícil viver daquilo. Eu sou músico profissional porque optei por isso, queria acordar de manhã satisfeito por ir trabalhar, era a única maneira de ser feliz. Eu acho que o grande problema da nossa sociedade é que, muitas vezes, as pessoas não estão a fazer aquilo de que gostam - e por isso é que há maus funcionários, maus profissionais... E, então, comigo as coisas aconteceram naturalmente: começaram a aparecer coisas para fazer, encontrei uma editora que apostou em mim e que estava muito ligada à música ligeira, eu achei que tinha jeito para aquilo, as coisas começaram a funcionar, comecei a vender carradas de discos e, naturalmente, fiquei naquele sector. Não quer dizer que eu tenha esquecido o rock, e ainda agora acabei de fazer uma produção de um disco de rock. Mas, pronto, foi mais para aquele lado que eu fui, foi ali que me especializei, e funciona.

A - O Ricardo é um bom ouvinte de música?
R - Sou. Ouço muita música, e ouço de todo o tipo.

A - Não tem géneros específicos a que se sinta mais ligado?
R - Não, não tenho. Eu acho que não há coisa maior do que o universo dos nossos sentimentos, que é infinito. A gente tem que abrir o coração a tudo. E, portanto, quando uma música me diz alguma coisa, para mim é muito bom. Seja country music, seja clássica, seja rap, seja fado, seja rock, seja o que for.

A - O Ricardo também tem fama de ser muito exigente, a nível profissional...
R - Sou terrivelmente exigente...

A - Consigo próprio também?
R - Em primeiro lugar sou exigente comigo. Aliás, eu costumo dizer aos meus amigos que tenho um caixote do lixo enorme lá em casa: a primeira pessoa a reprovar uma música que eu faço, sou eu, e por isso mando muita coisa para o caixote do lixo. Enquanto eu não gostar, enquanto uma coisa não me fizer vibrar a mim, não pode fazer vibrar mais ninguém. Sou muito exigente. E no estúdio é a mesma coisa: se um artista não me faz vibrar, se não me põe aos pulos... Eu estou numa indústria de discos, não posso fazer discos só para os amigos.

A - Das milhares de canções que já fez, e das centenas de discos em que já participou, como autor ou como produtor, há algum que seja mesmo o disco da sua vida?
R - Olhe, vou dizer um cliché, mas é mesmo assim: o meu melhor disco é aquele que ainda não fiz. Há um disco que eu quero fazer um dia, que é o meu disco: comigo a cantar, a fazer as burrices todas, e também as coisas boas. Esse disco ainda não foi feito, nem sei quando é que o vou fazer...

A - E será mais na linha das coisas que faz ultimamente, ou mais virado para o rock que fazia há vinte anos?
R - Talvez seja mais na linha do rock que já fiz. Porque eu não sou um cantor de música ligeira. Consigo fazer boas canções de música ligeira - ou, pelo menos, funcionais - mas não as consigo interpretar. Acho que nunca seria um bom cantor de música ligeira.

A - O que é mais difícil para si: criar as canções ou produzir discos?
R - A criação é sempre o mais difícil. Porque eu posso produzir as minhas canções melhor do que outro produtor - porque não são dele - mas a verdade é que elas poderiam ser produzidas por outra pessoa. Agora, o trabalho de criação é muito complicado. Produzir um disco, com mais botão, menos botão, é uma coisa que se consegue fazer mais facilmente, agora a criação é "lixada": quantas vezes a gente não passa dias e dias às voltas com uma frase. Quando não há aquele clic... E isso é inexplicável. Às vezes, nas poucas entrevistas que eu dou, há jornalistas que me perguntam qual é "a fórmula". É uma pergunta que não faz sentido, porque a verdade é que não há nenhuma fórmula! Se houvesse uma, toda gente a tinha, e eu nem precisava de estar aqui a trabalhar: ficava em casa, pegava no telefone, e dava uma fórmula para a Ágata, outra para a Romana, outra para o Tony Carreira... Isto não é assim, a arte tem a ver com as emoções, com a inspiração. Há dias em que sou capaz de fazer duas ou três canções espectaculares, e depois sou capaz de ficar um mês ou dois em que não aparece nada. Agora, se me perguntarem se há esquemas que nós usamos para a música ligeira, claro que há, como há para o rock, ou para o hip-hop. Mas, se não houver inspiração, só o esquema em si não chega. Há coisas que não são palpáveis, não se explicam, têm a ver com o coração, com o espírito...

A - O Ricardo é uma pessoa muito ligada às questões emocionais?
R - Sou, mas também sou materialista. Só que sou uma pessoa consciente de que não devo ser tão materialista. E por isso estou sempre a tentar cortar na parte material para me ligar mais à parte emocional. Quando escrevo, por exemplo, nunca estou a pensar se a canção vai ser um êxito, se vai vender muito. A primeira coisa que eu sinto é a alegria de ter conseguido uma frase boa, ou um refrão, ou uma melodia. O resto vem depois.

A - Hoje, o mercado da música, debate-se com vários problemas, nomeadamente um que ganhou uma maior dimensão com as novas tecnologias: a pirataria.
R - Esse é um problema terrível, mas tem muito a ver com outros. Eu acho que os nossos governos não são muito amigos da cultura. E ainda menos quando se trata de música. Os que mandam pensam que os músicos são ricos, acham que a música é "o primo rico" e que, por isso, não precisa do IVA reduzido, como é para os livros, não precisa de subsídios, como o cinema ou o teatro... Se os discos tivessem a mesma taxa de IVA dos livros, chegavam mais baratos ao público, e logo aí acho que a pirataria ia cair um bom bocado. Depois, se a aplicação das leis fosse mais eficaz, se de cada vez que um pirata é apanhado ele não fosse libertado logo a seguir, acho que se conseguia reduzir grandemente esse problema. Porque pirataria há em toda a parte, mas não é tão grave como nos países do Terceiro Mundo - e o nosso país, sobretudo em termos culturais, é completamente terceiro-mundista...

A - A cultura é vista como um "parente pobre", e a propriedade intelectual também não é muito valorizada pela generalidade das pessoas. E ainda há muito quem pense que isto de escrever ou fazer música não é propriamente um trabalho...
R - As pessoas confundem muito as coisas, acham que isto é tudo muito fácil e que vivemos todos num mar de rosas. E os governantes entendem que a música, nomeadamente a ligeira, é uma indústria, e consequentemente que rende muito dinheiro. E por isso preocupam-se pouco com questões como a da pirataria, que está a minar o mercado e a dar cabo da vida dos compositores e dos editores...

A - O Ricardo sente-se bem como português, ou às vezes gostaria de ter nascido noutro país?
R - Não, isso não. Se eu tivesse nascido noutro sítio nunca teria a experiência do que é ser português. E eu gosto dessa experiência, para o bem e para o mal. Na próxima vida que eu vier a ter - porque eu acredito que há outra vida depois da morte - talvez já seja americano, ou iraquiano, ou outra coisa qualquer. Mas não, não gostava de ter nascido noutro país. Porque, no fundo, nós dizemos mal de Portugal, mas, bolas, ser português é muito bom. Nós somos um povo único no mundo! Somos tão únicos que até temos uma palavra que mais ninguém tem, que é a "saudade". E podíamos ser um país espectacular. É pena é as "ervas daninhas" que há por aí e que fazem com que a gente nunca mais saia desta pequena "cepa torta"...

A - E temos um problema nacional acentuado, que é a inveja...
R - Pois. Quando alguém consegue fazer alguma coisa e destacar-se numa ou noutra área, há logo quem comece a fazer tudo para o deitar abaixo.

A - O Ricardo não sofre desse mal, convive bem com o sucesso dos outros?
R - Bem, eu também sou português, não é? E, às vezes, também sou capaz de ficar com alguma dor de cotovelo se um colega consegue um êxito e eu não. Mas tento não ser invejoso, não gosto nada de sentir inveja.

Viriato Teles / Revista Autores, SPA, Out-Dez 2005

DE RICARDO A FRANCISCO

Francisco Landum é o seu nome de baptismo, mas no meio artístico é sobretudo conhecido como Ricardo, pseudónimo que utiliza desde há cerca de vinte anos e com o qual assinou alguns dos maiores êxitos de Ágata, Tony Carreira, Ruth Marlene, Romana, Chiquita e muitos, muitos mais. Criador de "música light" (a expressão é dele, que não gosta do apodo de "música pimba" com que as suas canções são frequentemente rotuladas) são dele alguns temas que, de um dia para outro, passaram a andar na boca, e sobretudo no ouvido, de quase toda a gente: "Afinal Havia Outra", "Comunhão de Bens", "Depois de Ti Mais Nada", "Coisinha Sexy", "Mãe Querida, Mãe Querida" ou "Já Não Sou Bebé" são alguns dos mais conhecidos temas que criou e gravou ou deu a gravar. É também autor do tema que se tornou imagem de marca dos Da Vinci, "Conquistador", que representou Portugal num festival da Eurovisão. Ao todo são mais de mil e quinhentas canções, que fazem dele um dos autores mais requisitados na sua área musical.

Mas Ricardo (ou Francisco Landum, se preferirem) nem sempre se movimentou nas águas da "música light": começou com o rock, através dos TNT, e além da já referida passagem pelos Da Vinci, esteve ainda nos Samurai e nos Ibéria (uma banda de heavy metal , um pouco na linha dos Metallica, que tem algum sucesso) e em meados dos anos 80 estreou-se a solo com o disco "Coração Latino", editado pela CBS, e que marcou a estreia do pseudónimo por que hoje é conhecido.

Actualmente é produtor, dos mais requisitados na sua área, mas não esqueceu as origens, e promete voltar, um dia destes, com um disco próprio. Afastado dos palcos por vontade própria, sente-se bem a fazer o que faz porque entende que "a música ligeira é uma música de emoções primárias" e ele considera-se um homem aberto a todas as emoções. Operário da música, nem por isso deixa de considerar que a sua é uma arte tão respeitável como qualquer outra. Diz ser um homem de sorte, porque conseguiu ter na vida a profissão que sempre quis. E não está nada arrependido.

Viriato Teles / Revista Autores, SPA

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

O pequenino «artista»

Um dia destes, talvez à falta de melhor tema, talvez não, Margarida Marante foi saber como é que criancinhas que o "showbiz" vedetarizou, os chamados "artistas de palmo e meio", compatibilizam a sua condição de meninos com a alegada condição de prodígios. Para isso, chamou aos estúdios da SIC a Maria Armanda, que há anos teve um grande êxito a cantar que vira um sapo, Ana Malhoa, cançonetista de segunda geração e apresentadora do "Bueréré", Saúl, discípulo e versão miniaturizada do Quim Barreiros. Quem assistiu à emissão teve o gosto de verificar que Maria Armanda não confirmou as previsões pessimistas dos que em tempos miraram, consternados, a bonequinha de unhas precocemente pintadas em que tinham transformado a criança que afinal foi capaz de crescer e tornar-se uma criatura tão normal que até foi condenada pelo mercado de trabalho a aplicar uma licenciatura em Letras nas funções de telefonista. Quanto a Ana Malhoa, foi discreta e disse o que dela poderia esperar-se com algum optimismo, isto é, teve uma prestação que pouco ou nada adiantou ao tema em debate. Também passou pelo programa aquela pequena convenientemente esquálida que recentemente surgiu, diz-se, como modelo de grande grandeza internacional, mas como ela só se tornou vedeta aos catorze anos dificilmente pode ser arrolada como menina-prodígio. O pequeno Saúl, esse sim, foi uma presença talvez mais que significativa, impressionante. Com ele veio o pai, que deu muitos sinais de estar feliz com o êxito do filho, e ainda bem. Mas o garoto, se é que esta palavra ainda se justifica plenamente, deu para pensar.

O Saul tem, como todos viram, o ar de um adulto em escala reduzida e, ainda isso não deva ser o mais importante, é talvez um dado menos esperado e justificador de uma vaga inquietação.

O importante, porém, é o próprio Saul e o que o Saul faz, isto é, o que ele canta. Porque, como se sabe, o Saul não canta umas canções quaisquer: o seu repertório é constituído total ou maioritariamente por canções do Quim Barreiros ou no estilo de Quim Barreiros. Saul chamou-lhe "brejeiras". Não são, pelo menos no que diz respeito às mais representativas: são obscenas, e dizê-Ias brejeiras é utilizar um semi eufemismo que visa furtá-las à adequada qualificação. E, acentue-se, não são obscenas por aludirem a coisas do sexo. O sexo não tem nada de obsceno, e decerto serão poucos os que sustentam terem nascido na sequência de uma obscenidade. O que é obsceno, isso sim, é o preconceito reles que por complexos motivos culturais (em melhor rigor, anticulturais) hostilizam o sexo e contra ele se mobilizam, quer utilizando um discurso falsamente purista e moralizador quer lapidando-o sob o arremesso de pilhérias onde o despeito e as frustrações tentam disfarçar-se sob o esfarrapado manto da graça rasteira.

Apedrejar o sexo

Tal como o Quim Barreiros, o pequeno Saul colhe as suas munições "artísticas" nesse velho arsenal. Mas não é o Quim, mas sim o Saul, que aqui interessa e que interessou à pesquisa de Margarida Marante. Com algum visível embaraço, a jornalista perguntou ao miudo se ele sabia do que estava a falar em certas das suas cantigas, e o artista respondeu, com os seus gestos de adulto prematuro, que sim senhora, é claro que sabia. Admitamos que sim, que tem uma ideia necessariamente teórica e crua dos temas que lhe fornecem. A questão é que, apesar da sua precocidade, não é de crer que ele saiba, com um saber todo de experiência feito, da pulsão sexual, das relações sempre delicadas e parcialmente misteriosas entre sensualidade e sentimento, da intimidade entre desejo e amor.

Quer dizer: o que dificilmente ele pode saber, porque se trata de uma sabedoria que lhe é praticamente inacessível, é que as suas cantigas avacalham um universo de realidades cuja abordagem em termos de seriedade continua a ser extremamente difícil, mesmo nos dias de hoje, liberalizadores de comportamentos.

Posto isto, a interrogação que me surge tem a ver com o que vai ser Saul, quando deixar de ser pequenino, perante a vida sexual e sentimental e alheia. Com razão ou sem ela, tenho como certo que a sua educação sexual mais a do auditório infantil que segundo ele é o que mais gosta de ouvi-lo é a pior possível. E isso tem consequências, para si e para os outros, até porventura para os que hoje não pareciam por aí além a sua actividade artística. É um preço a pagar, sem dúvida. Pequeno preço, certo, na avaliação do seu feliz pai. Preço difícil de fixar, mesmo só por cálculo aproximativo, se não nos alhearmos do efeito deseducador das cantigas reles num país secularmente hostil a um entendimento do sexo em termos de seriedade ou, talvez mellhor, da mera inteligência. Continua a não ser raro, entre nós, que a garota apedreje um casal de cães surpreendido em plena cópula. Mas comparado o pequeno Saul, na esteira do espigadote Barreiros ganhou notoriedade a apedrejar com versalhada de pé-quebrado alguns aspectos da sexualidade corrente. Ouvimos contar que o produto dessa industria está a ser amealhado para benefício futuro, seu e dos seus irmãos. A mim, contudo, ficou a preocupar-me a contabilização não feita dos prejuízos decorrentes de tão feliz actividade «artística».

Correia da Fonseca / Avante!» Nº 1266, 05/03/1997 (TVisto)

Foto

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Rosinha

http://www.rosinha.net/page2/page2.html

Curiosidades: Gosta de andar de bicicleta e de ler, a sua cor preferida é o preto, adora qualquer prato de bacalhau e é apaixonada por todos os animais (aves e outros animais de estimação).

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Vera Santos

Vera Santos esta na capa da Penthouse portuguesa. Faz parte das Rebeldes e canta no coros de Emanuel e de Dulce Guimarães. Já tinha aparecido na FHM, como dançarina de Dulce Guimarães.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Dulce Guimarães





Dulce Guimarães e staff.

Foros: Singra, Caixa de Música, net

http://www.dulceguimaraes.com/

Numa curta passagem por Toronto, a artista revelou-nos um pouco sobre a sua carreira, ambições futuras e a vontade de conquistar o coração dos imigrantes lusos no Canadá

Dulce Guimarães estreou-se nos palcos em Setembro de 1978 como actriz de revista. Fez parte duma "fornada" que tornou conhecidos nomes como Carlos Cunha, Carlos Areia, Fernando Mendes e Camacho Costa e durante cerca de treze anos integrou o elenco de várias revistas e comédias nacionais de renome.

Do seu currículo artístico constam duas telenovelas, imensas peças de teatro – onde contracenou com nomes sonantes do espectáculo, como Raul Solnado e Ivone Silva – um programa de rádio e, desde 1990, vários CDs gravados como cantora.

Com uma carreira artística reconhecida em Portugal e pelas comunidades portuguesas em vários outros países, Dulce Guimarães gostaria agora de "invadir" o mercado canadiano e conquistar o público luso-descendente.

Para isso, apresenta um espectáculo que define como alegre e dinâmico, onde a comunicação e a interacção com o público são pontos-chave.

 
Esteve entre nós recentemente para fazer o seu primeiro espectáculo neste país, onde actuou no Centro Cultural Português de Mississauga.

Vejamos o que tem para nos contar à cerca da sua carreira, ambições futuras e sobre esta passagem pela comunidade portuguesa.

Sol Português – Iniciou-se no mundo artístico em 1978 no teatro e conta já com uma carreira com mais de 30 anos durante os quais tem passado por várias experiências. Como é que a Dulce Guimarães se define a si própria?

Dulce Guimarães – Numa palavra, eu definir-me-ia como uma comunicadora. Eu estreei-me no teatro e não nas cantigas. Dentro do teatro fiz teatro de revista e comédia. Tive a sorte de ainda trabalhar com os grandes: a Laura Alves, o Paulo Renato, a Ivone Silva e muitos, muitos outros. Foi uma aprendizagem tremenda para mim, que hoje me serve muito no palco – porque no teatro aprende-se a linguagem das tábuas, a linguagem da comunicação com o público.

Fiz telenovelas quando elas começaram, a segunda e a terceira – a primeira foi a "Vila Faia", onde eu não entrei, e depois as outras foram a "Origens" e a "Passerelle". Fiz cinema e rádio. Fui locutora da Rádio Renascença durante dois anos e foi uma experiência apaixonante.

Até que houve uma altura em que eu decidi que... eu costumo dizer que não fui eu que deixei o teatro, foi o teatro que nos deixou a todos nós, actores. Quando eu me iniciei, o Parque Mayer tinha quatro teatros em força a trabalhar: o Variedades, o ABC, do Sérgio de Azevedo, o Maria Vitória e o Capitólio. Sempre todos com peças em cena – mais o Monumental no Saldanha, mais o Vilaret... Todos trabalhavam. E não tinha um dia de férias. Nunca tive, durante 14 anos, porque eu estava a fazer uma peça mas à tarde já estava a ensaiar a outra, que entretanto estreava. Eu não chegava a parar de uma para a outra.

Quando o teatro me deixou – como eu costumo dizer – o Sérgio de Azevedo já tinha deixado de ser empresário; o Vasco Morgado já tinha falecido. As coisas ficaram nas mãos do filho dele – e de todo não era a mesma coisa, ainda que o nome fosse o mesmo – e não havia praticamente teatro para fazer.

Eu decidi então que era tempo de deixar o teatro. O teatro não tinha evoluído da mesma forma que o nosso país evoluiu. Digamos que se o nosso país evoluiu a cem, o teatro "desevoluiu" a cem. Estagnou.

Veio então um convite da Vidisco para gravar o meu primeiro disco – porque na revista há que saber representar mas também há que saber cantar e eu já [nessa altura] cantava.

Eu tinha feito um programa na televisão com o Carlos Paião, que nessa altura tinha falecido há três ou quatro anos e de quem eu mantinha muita saudade. Resolvi que, para gravar um disco eu queria fazer uma coisa diferente, que era pegar em alguns temas do Carlos Paião, fazer uma escolha, e transformá-los em fado.

O som da guitarra, no meu cérebro, está automaticamente ligado à saudade e à nostalgia e o que eu sentia do Carlos era exactamente isso.

Este disco foi um sucesso, foi logo disco de ouro muito rapidamente – isto passa-se em 1990 – e logo a seguir peguei em temas estrangeiros e fiz o mesmo exercício: trazê-los para a guitarra portuguesa.

Isso não passa a ser fado, obviamente, porque o "Ansiedade" do Nat King Cole ou temas do Alcione não passam a ser fado pelo facto de estarem acompanhados à guitarra. Mas foi um trabalho bonito, de pesquisa e triagem das músicas, das que seriam ou não possíveis de adaptar para a guitarra.

A partir de 1990 para cá... cantigas, cantigas, cantigas... sempre cantigas, com o tal acréscimo da comunicação, que me ficou da rádio, do teatro, essencialmente do teatro – eu fiz uma peça em que estive dois anos em cena com o Raul Solnado e onde aprendi muito, porque ao lado daquele homem aprende-se muito, tal como aprendi muito com a Ivone Silva.

Hoje para mim o espectáculo, mais do que o desfiar de 14, 15 ou 16 cantigas, é aquilo que há entre elas, que é a comunicação constante necessária para mim com a plateia. Eu não gosto de ter pessoas a assistir ao meu espectáculo, eu gosto de ter pessoas a interagir comigo durante o meu espectáculo.

SP – Passou pelo teatro, pela televisão, pela rádio e pela música. Há alguma destas áreas pela qual tenha preferência? Hoje, que está mais dedicada à música, se a convidassem para voltar ao teatro aceitaria?

DG – Só não aceitaria porque o teatro é incompatível com as canções. Quando uma peça estreia nós temos de estar lá todas as noites e, portanto, eu não posso dizer "olhem meus amigos, desculpem mas no dia tal eu não posso ir porque tenho um espectáculo".

Como não podia compatibilizar, não aceitaria. Não porque não tenha muitas saudades – fui agora à estreia do Maria Vitória, onde estreou a semana passada uma revista com a Florbela Queiroz, que voltou aos palcos, e eu estou a assistir e estou com vontade de ir lá, mas...

SP _ ... mas a música está na sua prioridade em termos profissionais...

DG – Está sim, logo a seguir ao meu filho que essa é a minha primeira prioridade.

SP – No mundo da música desde 1990, como é que considera que evoluíram estes seus 20 anos de carreira em termos de estilo musical, visto que começou com um estilo mais saudoso e melancólico e hoje em dia apresenta um espectáculo muito mais animado e virado para o público?

DG – A passagem deu-se de acordo com uma análise do que é mais importante para o artista, [ou seja,] trabalhar não para mim, fazendo aquilo que eu mais gostaria, mas trabalhando essencialmente a pensar no público que eu tenho à minha frente.

Aquele target, aquele público alvo, o que é que gosta? Gosta mais de "baladinhas" e coisas do género ou aquela alegria que eu transmito? Então se eu vou sentindo que é a alegria que eu transmito que melhor lhes sabe e que mais se adapta ao público para quem eu estou a trabalhar... eu fui formatando a minha carreira, não de acordo com o meu gosto pessoal, mas de acordo com o público para quem trabalho.

SP – Visto que a Dulce Guimarães, apesar de ter uma carreira de sucesso em Portugal e em vários países, não é ainda conhecida no Canadá, pode-nos definir como é o espectáculo que neste momento apresenta ao público?

DG – Primeiro deixe-me falar um pouco sobre o fenómeno do Canadá não me conhecer. Eu há pouco tempo disse isso ao Jorge Gabriel, que é meu amigo do peito e de clube do futebol – dois sofredores do Sporting (risos).

Desde 1990 que eu corro o mundo, e quando estou a falar do mundo estou a falar da Austrália – já lá fui cantar umas sete vezes – da Venezuela, África do Sul, Estados Unidos (tanto na costa leste como na costa oeste) e realmente o Canadá era o meu calcanhar de Aquiles.

Não sei porquê, e só pode ter sido por acaso, nunca acontecia. Eu ia ao Luxemburgo, a França, Alemanha, Austrália, África do Sul... mas ao Canadá, nunca. Talvez por falta de contactos, não sei. Por alguma razão foi assim durante estes 20 anos.

Na minha opinião, o meu espectáculo pode-se definir como muito alegre, muito belo e muito dinâmico. Basicamente é isto. Ensaios muito rigorosos, porque eu não gosto de ter, como costumo dizer, "abanadeiras", que são as bailarinas que não dançam e só se abanam, porque isso todas as senhoras que estão na pista também podem fazer.

Tenho bailarinas que fazem... – uma delas, por exemplo, num dos temas entra de um lado do palco e sai do outro a fazer três mortais sem pôr as mãos no chão; é campeã nacional de capoeira em Portugal – todas elas fazem espargata e quando levantam a perna levantam até à cabeça.

O meu espectáculo é um espectáculo de rigor, onde os profissionais têm que ser profissionais, porque nós temos de ter respeito não só por quem investiu aquele dinheiro para nos contratar, como pelas pessoas que pagaram o dinheiro para entrar e para assistir a ele.

Não podemos nunca partir do pressuposto que está feito [e que] no final tanto nos pagam quer se faça bem quer se faça mal...

Rigor, um alinhamento que é feito com uma sequência e um ritmo que não tem paragens – as paragens que existem são apenas para eu interagir com o público – mudanças constantes de roupa, as minhas bailarinas mudam de roupa cinco vezes e a meio do espectáculo tem um número para que eu própria possa mudar de roupa e refrescar-me.

É um espectáculo "ta-ta-ta-ta-ta-ta", sempre com uma cadência e uma dinâmica muito envolvente, com músicas de todos os géneros, sobretudo sempre músicas muito animadas – há quizomba, samba, música popular e tradicional... também há um tema para partir o coração, que também faz falta e que, segundo me parece é um estilo que gostam muito aqui, porque na rádio têm passado muito o "Estúpido".

Resumindo, é um espectáculo alegre, colorido, belo, dinâmico e com muita interacção entre o palco e a plateia.

SP – Falou-me do "Estúpido" que foi o seu penúltimo CD, editado em 2007. Qual foi o último?

DG – "Beija-me na boca".

SP – O "Beija-me na boca" foi editado há pouco tempo?

DG – Exactamente, agora mesmo. É aquele com que agora estou a trabalhar e também o que eu apresentei no Clube Português de Mississauga.

SP – Era isso que queríamos perguntar-lhe: o porquê da sua curta visita a Toronto?

DG – Basicamente foi para dar a conhecer a Dulce Guimarães a alguns canadianos. Infelizmente não foi a muitos. Como só fiz um espectáculo no Clube Português de Mississauga, não foi a muitos. Espero que, através desta entrevista, as pessoas que ainda não me tenham visto possam saber um pouco mais sobre mim. Para quem tiver internet e queira saber um pouco mais, poderá ir a www.dulceguimaraes.com e visualizar o espectáculo no computador.

SP – Sendo que fez apenas um espectáculo entre nós, como se sente depois desta deslocação ao Canadá?

DG – Há uma dicotomia neste momento dentro de mim. Vou felicíssima por ir abraçar e beijar o meu filho e, [ao mesmo tempo,] é muito mau para mim ir-me embora com a sensação de que não consegui chegar junto de um grande número de pessoas como eu gostaria.

Eu gostava que os portugueses no Canadá, e eu sei que o Canadá não é só o Clube Português de Mississauga, conhecessem este belo espectáculo. Eu sei que sou suspeita, porque estou a falar em causa própria, mas acreditem, que não estou a falar de mim, estou a falar de um conjunto que é o espectáculo Dulce Guimarães. Um conjunto de seis pessoas – quando actuamos sem banda – em que todas elas contribuem para que ele seja um belo espectáculo.

Alexandra Faria / Sol Português, 19/11/2010

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Futuro Radioso

CARÍSSIMOS leitores, ontem à noite sonhei com a reforma do século. Não, não foi um pesadelo, foi um sonho. Estava na Praça Sony, no meio de uma esmagadora multidão de portuguesas e portugueses. No palco, o novo bardo lusitano, Quim Barreiros, interpretava, cheio de coesão, uma canção muito patriótica sobre a Internet. Às tantas, a sua voz foi abafada por um coro celestial vindo do alto da Torre de Cabo Ruivo. A multidão olhou para cima e para trás. Numa nuvem tão amarela como as novas bandeiras do PS, o «nosso primeiro» descia suavemente à Terra, rodeado por querubins com pronúncia do Norte. Logo se ouviram trombetas do lado da Torre Vasco da Gama. Noutra nuvem - esta, porém, cor-de-rosa - o «nosso Presidente» também descia suavemente à Terra, rodeado por querubins com um ar muito «british». Calou-se o Quim Barreiros e calou-se a multidão. O palco transformou-se numa enorme Tenda dos Milagres. Foi então que o «nosso Presidente» rompeu o silêncio e proclamou, certamente inspirado pelos Monty Python e num inglês irrepreensível: «And now, for something completely different, here we have the Regionalization!». Loucura na praça (na da Expo-98, não na de Barrancos). Finalmente a regionalização e, com ela, um futuro radioso para todas as portuguesas e portugueses!

Em sonhos, eu vi esse futuro radioso e quero dar testemunho. A regionalização é a varinha de condão, é a poção mágica, é a banha da cobra, é a panaceia que dá vida aos mortos e saúde aos enfermos, faz crescer o cabelo aos carecas e torna as feias bonitas. Com a regionalização, nada é impossível. Os cegos vêem, os mudos falam, os surdos ouvem. A regionalização lava mais branco, não faz pregas no peito nem rugas no colarinho. Com a regionalização, passará a haver sol na eira e chuva no nabal, brotará petróleo no Beato e todos os eucaliptos se transformarão em árvores das patacas. Cada português passará a ter uma casa e à porta de cada casa passará uma auto-estrada (ou um IP ou um IC). Também passará a haver uma escola em cada esquina, uma universidade em cada bairro e um hospital em cada freguesia. E haverá metropolitanos para todos - não só em Lisboa e no Porto mas também em Aljezur, Cacilhas e Freixo-de-Espada-à-Cinta. E Ferraris. E microndas. E telemóveis. E - claro! - antenas parabólicas e descodificadores para ver o futebol no SporTV.

A regionalização é o novo milagre das rosas, que se transformam em pão (e não este em rosas) no regaço de todos os presidentes das juntas regionais (tal como já sucede, aliás, no regaço do doutor Alberto João Jardim). E assim, com tanto pão, é uma autêntica revolução gastronómica que se prepara. De fazer inveja a Galileu e Copérnico. Porque a regionalização é o novo Sol da Terra, em volta do qual passarão a girar os estômagos de todas as portuguesas e portugueses. Sim, eu vi o futuro radioso. Nele haverá acepipes de arromba e iguarias prodigiosas - até hoje desconhecidas do «homo lusitanus», mas absolutamente dignas de Pantagruel - tais como o cozido à portuguesa, a feijoada à transmontana, as tripas à moda do Porto e a açorda à alentejana (sem esquecer as favas com chouriço e entrecosto, evidentemente). Também haverá vinho, a rodos e a granel, de fazer estalar o céu da boca. E o vinho será tinto e será branco - mas, atenção, em algumas regiões do país também será verde. Como o Sporting, que voltará, finalmente, a ser campeão, logo que Porto e Benfica comecem a jogar na Superliga (o que é tão certo como Bill Clinton passar a ter juízo e Boris Ieltsin deixar de beber «vodka»). E haverá, ainda, o Boi Ápis de Barrancos, que será morto e renascerá todos os anos - para gáudio dos nossos estômagos, iracúndia dos juízes, repouso da GNR, paz e sossego do doutor Armando Vara.

Sim, eu vi o futuro radioso. E digo-lhes que a regionalização vai ser - sobretudo quando cantada por Quim Barreiros - o Viagra dos portugueses. Com ela, haverá um espantoso incremento da procriação, tão necessário ao povoamento do Portugal interior, recôndito e desertificado. Sem ela, o desastre demográfico é inevitável, os portugueses tornar-se-ão uma espécie em vias de extinção e o «homo lusitanus» passará a ser tão raro como o lince da Malcata.

Vão por mim. Não estejam assim tão sisudos. Façam como os Monty Python. Divirtam-se à brava com tudo isto. Não deixem que o ar fique tão carregado como nos tempos do cavaquismo. Olhem que uma reforma destas não se faz todos os séculos. E, feita esta, não será preciso fazer mais nenhuma.

Alfredo Barroso / Expresso, 12/09/1998

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Música Com Pimenta


Peaches vem terça-feira a Portugal para mais um concerto libidinoso, cheio de palavrões, poses e gestos ‘hardcore’. Por cá também há quem cante com pouca roupa e abuse da sensualidade. Porque o sexo, mais ou menos encapotado, ajuda a vender discos.

Lux, sexta-feira à noite. Entre copos e sorrisos malandros, a pista da discoteca mais ‘in’ da capital dá sinais enchente. A música, baixa para o costume, não convida à dança. Mas também não é pela electrónica dos DJs residentes que tanta gente compareceu ao chamamento. Falta pouco para os corpos entrarem num delírio. Peaches sobe ao palco. Começa agressiva, de microfone em punho e um vestido curto que lá mais para o meio da actuação passará a biquíni e tanga.

As palavras obscenas, os gestos sexuais, dão o mote para um concerto aconselhável a maiores de 18 anos, tal o clima ‘hardcore’ que proporciona. O ‘filme’ tem algum tempo. Principal impulsionadora do estilo electroclash, que tanta celeuma causou há meia dúzia de anos, Peaches volta terça-feira a Lisboa, desta feita tendo o Paradise Garage como local do crime, para mostrar que a fórmula que junta sexo e canções está longe de se esgotar.

O fenómeno tem geografia abrangente, que varia de país em país consoante o puritanismo do povo. Em Portugal, onde os habituais brandos costumes travam tamanha ousadia, nunca se viu nada assim. Começam agora a soprar ventos de mudança. Ana Malhoa é disso exemplo. Recentemente colocou no seu ‘site’ oficial fotos com poses altamente provocantes nos locais mais sugestivos, do chuveiro à praia.

“Estava na República Dominicana e dadas as condições naturais decidimos fazer umas fotos para o catálogo da marca que me patrocina, a Donedhardy, que ainda não está em Portugal mas faz parte do meu projecto internacional. Colocámo-las no ‘site’, mas eu não estava à espera de uma reacção tão boa”, explica.

Depois, veio a polémica, as manchetes de jornal, as mensagens ‘online’ relativas à falta de roupa e de pudor da ex-apresentadora de um programa infantil, a deliciar os mais velhinhos. A estratégia colheu frutos, com um súbito aumento de popularidade e a tão desejada promoção ao álbum. Num abrir e fechar de olhos era convidada pela revista FHM para um ensaio fotográfico.

“Já tinha falado com o meu marido, o Jorge. Como não tenho preconceitos nem ele tem medo, decidimos aceitar. As roupas eram minhas, o cenário também e, naturalmente, impusemos algumas condições, porque as fotos tinham de passar a minha imagem: Sou bem portuguesa: baixinha e com as formas arredondadas”, brinca a cantora, que até sente ser mais respeitada pela ousadia. “Sou frequentemente abordada por senhoras, que não o fariam, para me darem os parabéns.”

A vitória tem o seu sabor, mas nem todas as artistas partilham o gosto pela sensualidade desmedida. “Não censuro a Ana Malhoa, até acho que devemos ter liberdade total para fazer o que nos apetecer, mas eu nunca o faria. Tenho coisas mais interessantes para partilhar com o público do que o meu corpo”, diz Romana. Igualmente conhecida pela sua beleza, a cantora de ‘Não És Homem Para Mim’ admite que a “imagem tem a sua importância e o impacto inicial é importante”. Mas avisa: “A beleza não é eterna. É preciso talento e muito trabalho para poder chegar a velhinha e continuar ser uma cantora respeitada.”

Chaty, a loira da dupla Tayti, prefere juntar o útil ao agradável, ou seja, ajustar a carinha laroca aos temas trauteados. “A sensualidade é um complemento que ajuda a vender o produto, mas só por si não vale de muito para seguir em frente. Não tenho a pose de ‘topmodel’ mas sei que sou minimamente bonita, e acho que não foi por isso que a carreira me correu bem ou mal.”

Como ela, Ruth Marlene, as Delirium e Adriana são alguns dos nomes que se fazem valer da boa forma física para ajudar na luta da conquista da tabela de vendas.

DOCE FORAM PIONEIRAS

Em Portugal, as Doce abriram caminho para a fórmula que ainda hoje faz sucesso: ritmos cativantes, quatro belas raparigas e muita pele destapada. O conjunto formado por Fá, Teresa Miguel, Lena Coelho e uma ex-miss Portugal, Laura Diogo, conseguiu uma vitória no festival da Canção de 1982. Entre discos de prata, ainda gravaram um dos maiores clássicos da música nacional: ‘Amanhã de Manhã’.

CURIOSIDADES

TELEVISÃO

Ana Malhoa começou desde cedo a habituar-se a ser o centro das atenções. Em homenagem ao pai, José Malhoa, cantou o seu primeiro sucesso, ‘Pai Amigo’. Aos oito anos apresentou um programa de televisão para crianças, ‘O Grande Pagode’, e aos 15 fez parte da equipa fundadora da SIC ao apresentar, durante seis anos, o ‘Super Buéréré’.

CARREIRA

‘Êxitos’, editado já este ano, comemora o 20.º aniversário da primeira versão de ‘Êxitos’, um disco gravado em 1986 ainda com a colaboração do pai, José Malhoa. No total, entre discos a solo e em dueto com o progenitor, são já 13 os álbuns editados pela cantora que, à medida que foi crescendo, se rendeu aos sons e ritmos latinos.

'MEXE O TUTU'

A dupla Taity estreou-se em 1998 com o disco ‘Mexe o Tu-tu’ e rapidamente conquistaram os ‘tops’ de vendas nacionais: com 15 semanas entre os primeiros lugares, o álbum de estreia atingiu o patamar de Platina. ‘Cuidado com a fruta’, editado este ano, é o nono trabalho da dupla.

MADRINHA

No meio da música popular, Carla Silva dificilmente podia ter tido uma madrinha melhor. A cantora que se celebrizou como Romana quando cantou ‘Continuas Chamando-me Assim Bebé’ é sobrinha de Ágata.

TATUAGENS

Durante a participação no Big Brother Famosos, Romana tornou conhecida a sua predilecção por tatuagens e ‘piercings’. A cantora tem quatro desenhos pintados na pele e 17 furos espalhados pelo corpo. Actualmente, nas suas actuações ao vivo Romana aparece sempre acompanhada de duas bailarinas espanholas. Aos 25 anos, e com 11 de carreira, a cantora rendeu-se aos ritmos do flamenco.

PEACHES DE VOLTA A LISBOA

Na próxima terça-feira, Peaches regressa a Portugal para um concerto no Paradise Garage, em Lisboa. Conhecida pelo seu vibrante electroclash, a cantora canadiana tornou-se célebre pelas suas exibições, no mínimo, quentes em palco. Alusões a sexo, à discriminação sexual e letras sempre bem explicitas completam a receita de sucesso da cantora que iniciou a sua carreira em 1995 (Fanypants Hoodlum), ainda com o seu nome de baptismo Merril Nisker. Desde então, de polémica em polémica, Peaches ganhou um estatuto único na música independente. A última guerra foi travada com o e-Bay.

A cantora quis leiloar umas cuecas fio dental para que o lucro revertesse para uma organização humanitária, mas a empresa retirou o artigo dos leilões. Peaches não perdeu tempo, colocou um rolo de fio, mas com a promessa de que quem o comprasse receberia por correio uma prenda muito especial. Na gravação do álbum que agora promove em Portugal, ‘Impeach my Bush’, a ajuda de Josh Homme, dos Queens of the Stone Age, e de Feist são um dos sinais de que já ninguém questiona o talento da cantora.

Canções como ‘Fuck the Pain Away’, o seu maior ‘hit’ e parte da banda sonora de ‘Lost In Translation’, fará certamente parte do reportório onde o mais recente álbum, estará em destaque. Em Portugal irá tocar acompanhada por Riot Grrrl: JD Samson, Radio Sloan e Sam Malone.

"AINDA HÁ MUITOS PRECONCEITOS"

CARLOS GUILHERME, SÓCIO-GERENTE DA ESPACIAL

- Correio da Manhã – O cariz sexual ajuda os músicos a vender discos?

- Ao nível internacional talvez, mas em Portugal ainda não terá grandes resultados. Embora a mentalidade esteja bem mais aberta, continuam a existir muitos preconceitos.

- Mas, por cá, o caminho aponta para que os artistas comecem a aproveitar-se da sensualidade?

- O mercado é pequeno. Pode ser que ganhem vantagens noutros ramos, como a televisão, mas se a Ana Malhoa teve sucesso é possível que outros também o tentem.

- A carreira musical da Ana Malhoa disparou com as fotos no ‘site’?

- Ainda não temos o ‘feedback’, mas só fomos informados com as sessões já realizadas. Penso que para funcionar em termos musicais teria de ter sido feito em conjunto com um tema sensual.

- Um ensaio fotográfico sensual afecta a credibilidade de um artista?

- Hoje só compram discos os fãs, ou outros quando um tema é muito publicitado. Só o tempo poderá dizer se esta é uma forma de aumentar as vendas, mas mesmo assim temos de ter em atenção o ‘target’ comercial de cada músico.

Filipe Garcia / Correio Êxito, 23/09/2006

imagens: Doce (site Ágata)

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O que chamam de música pimba é música popular

Bonita e descontraída, Mónica Sintra voltou a animar mais uma emissão de «A Vida é Bela» da TVI. A TVI Online quis saber o que a cantora pensa da música portuguesa e como é recebida pelo público, entre outras coisas. Uma conversa sem pressas.

TVI - O que pensa da música que se faz em Portugal?

Mónica Sintra - Ao contrário do que muita gente possa, eventualmente, dizer, acho que tem qualidade e o facto de haver cada vez mais pessoas novas a cantarem é extremamente positivo. Faz com que exista uma «concorrência» saudável e que se traduz no aperfeiçoamento dos artistas.

TVI - Pensa que com os novos cantores portugueses a música nacional tem sofrido uma evolução?

M.S. - Acho que vai evoluindo aos poucos. Antes tínhamos como modelo os trabalhos de artistas estrangeiros. Consumíamos, e ainda consumimos, muita música estrangeira para termos um modelo de comparação. Hoje temos os trabalhos uns dos outros para comparar e para ver o que podemos melhorar e modificar e isso é que dá a tal evolução.

TVI - Hoje as pessoas têm uma ideia pré-concebida da música portuguesa, considerando-a pimba. O que pensa disso?

M.S. - Isso já surgiu há algum tempo. Como toda a gente sabe, devido à música do Emanuel, «Pimba Pimba». Acho que aquilo que as pessoas conotam como música pimba é algo que sempre existiu e faz parte das nossas raízes. Da mesma maneira que o fado é um estilo de música bem português, aquilo que determinadas pessoas e artistas chamam de música pimba é música popular e é do que as pessoas gostam e consomem.

Não aceito muito bem esse termo... pimba.

TVI- Dá muitos espectáculos por todo o país. Qual é a adesão do público?

M. S. - É óbvio que aquelas músicas mais conhecidas como «Afinal Havia Outra» e «Na Minha Cama com Ela» são sempre as mais cantadas e esperadas, por isso é que as guardo para o fim (risos)! As pessoas têm-me recebido muito bem.

TVI - O que há de melhor no mundo do espectáculo?

M.S. - Andarmos na estrada e diariamente conhecermos pessoas diferentes. O melhor mesmo é conhecer algumas zonas de Portugal que não conheceria se não tivesse esta profissão e, claro, ter o carinho do público.

TVI - E o pior?

M.S. - Não tenho nada de grave e de mau para dizer, até porque a minha música abrange um público de mulheres de uma faixa etária a partir dos 25 anos e também as crianças. Nunca foram desagradáveis comigo.

TVI - Está a tirar um curso de Psicologia. Quando acabar o curso, como vai conciliar a carreira de cantora com uma actividade profissional na Psicologia?

M.S. - Ainda não acabei, de facto é um curso de quatro anos que eu acho que irei fazer em 10 (risos)! Mas isso também não me preocupa muito, porque nesta altura tenho muito trabalho e mesmo que acabassse o curso agora nunca poderia conciliar.

TVI - Quais são os projectos para agora?

M.S. - Estamos numa fase de começar a pensar num novo trabalho. Se bem que este último CD ainda não foi apresentado muito bem em termos de estrada. Os projectos passam só pela gravação de um próximo trabalho, com algum cuidado, se calhar irá demorar muito mais tempo do que todos os outros. A nível mais pessoal, passa por tentar fazer mais cadeiras de Psicologia.

TVI - Costuma consultar muitas vezes a Internet?

M.S. - Costumo consultar para ver os mails enviados por todos aqueles que querem trocar algumas impressões comigo e para fazer pesquisas de Psicologia... dá-me jeito!

TVI - Quer deixar uma mensagem para os nossos cibernautas?

M.S. - Sim... podem mandar-me uma mensagem (monicasintra@hotmail.com). Se, entretanto, a mensagem vier devolvida, não desesperem, mandem-na na manhã seguinte, porque normalmente tenho que despejar o mail à noite. E, essencialmente, que sejam felizes. Procurem fazer alguma coisa de que gostem. Procurem a felicidade!

TVI Online, 14/02/2003

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Nasceu a literatura pimba

Um molho de garrafas de cerveja emoldurando a mesa da esplanada do café de Almada onde conversamos, cabelo comprido puxado para trás, camisa de flanela aberta sobre uma camisa de ganga também aberta e deixando ver uma «sweat-shirt», Nuno Tonelo, 30 anos, confessa-se: «Convenhamos... eu sou tudo menos um escritor... não tenho problema nenhum em aceitar isso.»

Com o 12º ano, um curso de história e cronologia da música em Londres, que ele próprio se apressa a desvalorizar, ex-«disc jockey», ex-luminotécnico e confesso «gigolo», há cerca de um ano, Nuno, até aí um ilustre desconhecido, sentou-se à secretária a escrever durante 48 horas. «Bom, não foram ininterruptas, foram para aí 12 horas e, no outro dia, foi o dia todo.» Nuno, que se habituou a escrever nos dias que lhe corriam mal -- «apanho uma bebedeira e em vez de fazer uma desordem, escrevo» --, derramou um texto mínimo e autobiográfico sobre os seus dias como «gigolo». «Tudo o que lá está aconteceu, só mudei alguns nomes», explica.

A sua namorada da altura leu, passou a computador e pressionou-o a enviar para as editoras. «Enviámos para 20, seis responderam a dizer que não estavam interessadas, a sétima, a Europa-América, decidiu publicar.
O facto de alguém ter decidido publicar o texto já foi suficientemente surpreendente para Nuno. «`Tava à espera de tudo menos que fosse publicado», explica. Género é coisa que não cultiva. «Eu não tenho género porque não sei o que `tou a escrever, vai saindo.» Influências, também não. «Nenhumas», responde, quando lhe falamos em influências literárias, embora afirme nutrir especial afecto pela obra de Mário de Sá Carneiro e Oscar Wilde.

A obra resume-se a 145 páginas impressas numa letra enorme -- «presumo que foi para ocupar espaço» -- que se lêem em 45 minutos e que focam a vida autodestrutiva do «gigolo» Nuno e dos seus amigos noctívagos. Nuno passa a vida a beber Jack Daniels em festas onde está sempre tudo a «partir», até ser contratado por uma agência que serve mulheres casadas que desejam sexo.
O livro inclui descrições de bacanais, diálogos ao telefone e páginas de um só parágrafo como este: «O Jorge telefona-me de manhã convidando-me para almoçar. Aceito, na condição de o almoço ser às três da tarde, e volto para a cama onde estão a Xana e a Teresa.» E é tudo para a página 85.

As descrições das festarolas em casa de amigos, como a Gina, são esmagadoras: «O Luís está em cima da mesa a `comer' a Mónica. O Jonas está à volta do cu da Paula. A Teresa, eu e a Xana já estamos os três embrulhados. Só me lembro que no fim de contas acabei por comer a Clara também, porque o Nuno Rocha caiu de maduro e a Xana e a Teresa resolveram `esfarrapá-la' completamente.»

Telefonemas entre o Nuno e os amigos, há muitos, mas o da página 106 supera tudo:

«-- Tudo bem. Apanha-me às duas e meia.»

«-- Okay. Ouve!»

«-- Sim?»

«- Enquanto tu ficas a dormir, vou aproveitar para seguir o teu conselho.»

«-- Qual?»

«- Vou cagar.»

«-- Tchau.»

Na página 118, Nuno está em casa da Xana a conversar com ela acerca da sua profissão de «gigolo». A cena continua na página 119, Nuno faz uma pergunta a Xana e, na página 120, a resposta de Xana já é feita na praia!

As críticas, todas elas negativas e esmagadoras, não parecem incomodar Tonelo. «`Bada' merda, quero lá saber disso, disseram que eu era uma cópia patética do Brett Easton Ellis, `tou-me a borrifar! Eu recebo 190 paus por cada livro vendido. Acha que por 200 escudos eu me vou preocupar se o livro vende ou não vende?' Tou-me a cagar! Completamente! Tive amigos que gostaram, a minha mãe é que não porque acha que o livro tem uma linguagem baixa e ordinária.»

A incursão de Nuno Tonelo no mundo das letras começou no liceu, sobretudo sempre que se sentia mal com o mundo. Mas foram os dois anos que passou na Marinha e a revolta que sentiu contra o rígido sistema militar que o levaram a escrever em grande quantidade. «Escrevia muito, à resma, mas não se aproveita grande coisa. É uma destilação de ódio completa.» Um dia, transportando um caixote de fruta, escorregou e deixou cair seis peças. «Apanha!», gritou-lhe o cabo. «Apanha tu», respondeu o grumete Tonelo. Resultado: um mês de cadeia por insubordinação e desobediência.
Depois de uma estada de dois anos em Londres, Nuno ainda foi DJ no Café Concerto -- «fechei o Café Concerto» -- até acabar no Casino do Estoril a trabalhar na iluminação de «007» e «Mozart». A carreira de luminotécnico encurtou por causa de umas calças de ganga. «Não podia entrar de calças de ganga e um chefe de mesa pôs-me cá fora.»

A carreira de «gigolo» começou muito tempo antes. A mãe de Nuno trabalhava numa empresa ligada ao Casino. Nuno acompanhou-a numa recepção e uma senhora pensou que ele fosse o «gigolo» da mãe dele. Acabou a trabalhar para essa senhora. «Tem o género de uma agência, que funciona de boca em boca.» Nuno afirma receber então 25 contos por cada serviço e nunca se ter arrependido. «Toda a gente se põe de joelhos, uns põem-se de uma maneira, outros de outra.»

Retirado da profissão -- «ninguém aguenta muito tempo» --, Nuno trabalha agora em montagem vídeo como «free lancer» e afirma estar a preparar uma obra sobre um assassino profissional. Porquê? «Porque é aquilo em que eu tenho medo de me vir a transformar. Não me repugna matar alguém por dinheiro, como não me repugna assaltar um banco, como não tenho nada contra o traficante de droga. É um homem de negócios. O consumidor é um desgraçado.»

PUBLICO, 16/11/1995

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O Pimba - Um Fenómeno Musical

O Fenómeno Musical "Pimba" - O caso Emanuel
Dissertação apresentada à Universidade Nova de Lisboa para obtenção do Mestrado em Estudos Portugueses (Variante de Culturas Regionais)
Director de tese: Professor Doutor João Ranita da Nazaré

Resumo

O objectivo deste trabalho é fazer uma reflexão acerca de um fenómeno que se veio a difundir em Portugal a partir da segunda metade da década de 90 na área da música ligeira que se faz no nosso país e é ouvida (senão apreciada) por uma grande parte da população portuguesa – o “pimba”. Assim, pretendemos com esta reflexão estudar algumas características desta música, de modo a podermos vir a compreender melhor o fenómeno supracitado.



Entendemos então que, para podermos alcançar os objectivos traçados, é necessário responder a algumas questões relacionadas com aspectos da sociologia da música. Que papel ou papéis pode eventualmente desempenhar esta música na nossa sociedade? Quais as características deste género musical que fazem com que as massas (às quais todos nós, sem excepção, acabamos por pertencer) em certas ocasiões se identifiquem com ele? E as canções incluídas no género musical “pimba” são criadas de acordo com a moda ou elas fazem a moda?

Gostaríamos de salientar acerca deste fenómeno social que verificámos que ao lado de certo tipo de comportamentos que demonstram uma total repugnância por esta música, considerando-a como música sem qualidade ou de qualidade duvidosa, coabitam outros que traduzem a mais fervorosa e quase fanática dedicação e no que diz respeito ao papel que este género de música pode ter, é importante referir que devido ao carácter simples das suas letras, com as quais muitas pessoas se identificam, estas canções chegam a desempenhar um papel como que de catarse social, contribuindo para aliviar as tensões do dia-a-dia e combater o stress característico duma sociedade moderna e onde predomina uma cultura de massa.

Índice

Introdução
1. Problemática
2. Pertinência do estudo
3. Dificuldades
4. Metodologia

Capítulo I – Enquadramento sociocultural
1. Origens e influências na música “pimba”
1.1. Da cultura de massa
1.2. Da cultura Kitsch
1.3. Da cultura tradicional e da canção “popular” portuguesa
2. Um novo estilo: o “pimba”

Capítulo II – Emanuel: o homem
1. História de vida
1.1. Covas do Douro
1.1.1. Os afazeres
1.1.2. As aventuras
1.2. As viagens
1.2.1. Covas do Douro – Lisboa
1.2.2. Lisboa (a casa dos tios) e o regresso a Covas do Douro
1.3. Lisboa (novos contactos)
1.3.1. O Paris Orly
1.3.2. A Escola de Música Duarte Costa
1.3.3. O futebol, o Atlético e o Sporting
1.4. As férias
2. Actividade artística
2.1. O professor Américo
2.2. O arranjador/orquestrador
2.3. O cantor (Américo Monteiro/Emanuel)

Capítulo III – O repertório
Aspectos musicais e literários
1. A criação musical
1.1. A forma
1.2. Os ritmos
1.3. As melodias
1.4. As harmonizações
1.5. As instrumentações
1.5.1. Os instrumentos
1.5.2. Os ensembles e os conjuntos instrumentais
1.5.3. As vozes e os conjuntos vocais
2. A criação dos textos
2.1. Os temas
2.2. O vocabulário
2.3. A métrica
2.4. A rima

Capítulo IV – A performance musical
Os espectáculos
1. Os espaços e o tempo
2. Os participantes
2.1. Os artistas
2.1.1. A “vedeta”
2.1.2. Os músicos
2.1.3. O coro
2.1.4. As bailarinas
2.2. O staff
2.2.1. Os agentes
2.2.2. A equipa de som e luz
2.3. O público
3. A imagem
3.1. O vestuário
3.2. As coreografias

Capítulo V – Registos sonoros e recortes de imprensa
1. Registos sonoros
1.1. A gravação das canções
1.2. Os trabalhos editados
1.3. A promoção e a divulgação
1.4. Os destinatários
2. Recortes de imprensa

Conclusão

Bibliografia e discografia
1. Bibliografia citada
2. Bibliografia consultada
3. Bibliografia da música “pimba” relativa ao caso Emanuel
4. Discografia consultada

Anexos
1. Transcrições musicais e literárias do corpus do trabalho
2. Outras transcrições musicais e literárias
3. Grelhas de registo dos dados para análise
4. Legenda das imagens utilizadas ao longo do trabalho
5. Exemplos musicais e literários referidos ao longo do trabalho (1 Cd)
6. Corpus do trabalho (2 Cds)


Francisco Manuel Marques
http://clientes.netvisao.pt/fmm65b/textos/Tese.htm
http://clientes.netvisao.pt/franci03/textos/Tese.htm


Lançamento do livro "O Pimba - Um Fenómeno Musical"

Apresentação pública em Beja no dia 25 de Maio de 2006, pelas 18.00 horas, no BejaParque Hotel, integrado nas Festas do Concelho.


O Pimba Um Fenomeno Musical - Francisco Manuel Marques (Editora: Setecaminhos / Colecção: Extra Setecaminhos)

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Um dia atrás do rei Emanuel

Quatro da tarde. Área de serviço de Santarém. Apesar do pedido - "sejam pontuais que ele nunca se atrasa" -, passam 15 minutos da hora marcada. É uma vez sem regra. O telefone toca e, do outro lado, uma das bailarinas diz-nos que Emanuel "foi lavar o carro". Está explicado. Um café, umas águas, um cigarro, e lá aparece, ao volante de um Mercedes topo de gama, o homem do dia. Estamos prontos para a viagem que nos vai levar a Argeriz, Trás-os-Montes, onde o autor de um hino chamado "Pimba, Pimba" vai brilhar perante o seu público.

Emanuel viaja quase sempre sozinho. Diz que ganha tempo para pensar, essa coisa tão escassa na "vertigem dos dias" que correm. Não são meras reflexões sobre a vida, é trabalho: "Componho muito mentalmente, depois agarro num teclado ou numa viola e faço a música", explica-nos sem tirar os olhos da estrada. Por agora veste roupa desportiva - calças de ganga e pólo -, mas quem entra no seu carro dificilmente deixa de reparar nos dois casacos pendurados na parte de trás. Saltam à vista pelas cores fortes e brilhantes, vermelhos e azuis de cetim. Artista popular é assim, vai para o palco impecavelmente engomado. E usa cores que combinam com os projectores.

Pimba

Existe quase um mito de que Emanuel é um homem da música clássica que um dia decidiu aventurar-se na canção popular brejeira. Ele próprio confessa nunca ter ponderado uma carreira assim. Começou por dar aulas de música em Odivelas e rapidamente se tornou o director da escola. É daquelas pessoas que transpiram confiança a cada palavra: "Comecei por tocar viola e piano. Mas também já toquei bateria. Houve uma altura que dirigia grupos de baile, era eu que fazia as pautas para a banda. Não apenas da guitarra, mas de todos os instrumentos."

Na altura, Américo Monteiro - assim se chama Emanuel - acumulava funções como músico de bar de hotel. "Um repertório contemporâneo, Pink Floyd, Elton John..." Até ao dia em que quis ser cantor. A decisão foi simples: "Queria ter um projecto meu e era preciso alguém para a voz. Acabei por ficar eu, porque não?" Desses tempos, já pouco resta: hoje, o staff de Emanuel são 25 pessoas, entre músicos bailarinos e técnicos. E, embora a banda tenha sido renovada há pouco tempo, é raro ele mexer na equipa. "A excepção são as bailarinas", conta. "Raramente são as mesmas. Não sei se será por ciúme dos namorados. Talvez eles não gostem de as ver de mini-saia em palco."

A conversa corre solta. Não há música dentro do carro, mas fala-se em jazz e música popular, embalados pelos toques polifónicos da consola do pequeno Emanuel, um dos seus dois filhos gémeos, que hoje acompanha o pai. O resto dos familiares ficaram na quinta do Ribatejo, onde vivem. É raro irem aos concertos do patriarca. "Costumo dizer que sou um operário da música. E um operário, seja ele mecânico ou pedreiro, não leva a mulher para o trabalho." Talvez aqui entrem as fãs que se acotovelam por um beijo e um autógrafo, nas muitas horas que se seguem aos espectáculos. Ossos do ofício, garante ele. Diz que nunca foi conquistador nem mulherengo, mas confessa que, no passado, antes de ser casado, "encarava a estrada de outra forma".

Claro que as fãs têm um papel decisivo na vida do artista. Seja as que gritam pelo seu charme na fila da frente, seja as milhares que lhe escrevem cartas. "Aprendi muito a ler as minhas fãs. Diziam--me de tudo. Houve quem me pedisse dinheiro emprestado ou confessasse nunca ter conseguido atingir um orgasmo."

Rapaziada vamos dançar

É tempo de fazer uma pausa no caminho. Emanuel não larga o telemóvel: "O palco é de fácil acesso?", pergunta ao seu road-manager, a trabalhar desde essa manhã o recinto do espectáculo. Quando Emanuel lá chegar, tudo deverá estar pronto. "Dantes não era assim, agora basta-me cantar uma música para ver como está o som. Vou jantar, actuo e levam-me ao hotel."

Na área de serviço de Santo Tirso, um grupo de jovens - que não aparenta ter mais de vinte anos - reconhece o músico e desata a cantar o "Pimba, Pimba". Ele reage tímido à abordagem, mas acaba por tirar uma fotografia, distribuir dois ou três beijos e assinar uma camisola. "Foi uma música que fiz há 15 anos, nessa altura estas miúdas nem deviam ser nascidas. É o poder da música."

Quem fala com Emanuel pela primeira vez dificilmente deixa de sentir uma energia positiva. Há um lado qualquer prosaico na sua postura, bem explícito nas metáforas que utiliza frequentemente - e nas frases que roubou a Kant. Sim, o filósofo alemão. "Ele dizia que há muitas verdades e diferentes realidades. Esta é a minha verdade, não tenho problemas em ser pimba."

Não tem problemas e defende-o com unhas e dentes. Voltamos à conversa do jazz, talvez a sua maior antítese, coisa de elite, pretensiosa até. E voltam as metáforas: "A canção é como uma mulher, se for lindíssima não precisa de artefactos. A qualidade está na sua essência. Uma música simples será sempre mais difícil de compor do que uma coisa complexa." Adiante.

Emigrantes e reformados

Como para qualquer artista popular, o mês de Agosto é dos mais fortes na agenda de Emanuel. Esqueçamos as grandes cidades: no Interior, nas aldeias e vilas desertas, a capacidade de mobilização é notável. Argeriz é um bom exemplo: um palco montado num largo de beira de estrada, meia dúzia e casas e uma densidade populacional pouco digna de registo. Ele contrapõe, à chegada: "Os meus espectáculos têm uma média de 10 mil pessoas." E se por agora, oito da noite, o cenário é desolador, o número multiplicar-se-á rapidamente à medida que se aproxima a hora do concerto.

Atrás do palco há um lar de terceira idade. É aqui que funciona o camarim do artista, muito bem recebido por funcionários e idosos. Deixaram-lhe uma mesa de frutas, uma cartolina cor-de- -rosa com versos simpáticos e uma jarro de flores pousado sobre uma toalha de renda. Ele retribui pouco antes de subir ao palco: mais beijos e fotografias para todos, antes de começar a aquecer a voz. "Meu amor, vem ter comigo", trauteia enquanto ao lado, num pequeno camarim improvisado, quatro imponentes bailarinas se maquilham e espalham creme de brilhantes na barriga.

Está tudo a postos: o road-manager abre caminho na escuridão com uma lanterna, que aponta para uma passadeira vermelha. São 50 metros de caminho ensurdecedor com os gritos da população. Emanuel estava certo: a praça tem milhares de pessoas, há carros estacionados dos dois lados da nacional e falta pouco para a GNR fechar a estrada. Já no palco, ainda temos tempo para uma última pergunta: nervoso? "Nada disso, são muitos anos a virar frangos."

Jornal i, 09/08/2010
artigo com video

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Na sombra das luzes da ribalta de Tony Carreira


Poucos reparam neles, pouco iluminados pela ribalta do palco, mas as funções que desempenham são essenciais para que Tony Carreira brilhe e arrebate as plateias
Quando entrar em palco para celebrar os vinte anos da concretização dos ‘Sonhos de Menino’ que nasceram com ele em Armadouro, Pampilhosa da Serra, Tony Carreira não vai estar sozinho. As luzes vão fazer de tudo para iluminar e fazer sobressair o romântico cantor, as palmas a ele vão ser dirigidas e o eco do nome artístico, que escolheu já lá vai o tempo, atingirá honras de atravessar o Pavilhão Atlântico em sonoros vivas.

Tem sido assim ao longo dos anos: a colher os frutos do sucesso, na vida que escolheu dedicar à música portuguesa. Mas o espectáculo existe, e é possível, também ao fundo do palco, em muito graças ao irmão José Antunes, ao compositor Ricardo Landum, ao técnico de som Paulito e a Ana Baptista, uma das vozes do coro – alguns dos elementos de uma equipa de 40 pessoas que trabalha para que nada falhe durante o show. E que, nos concertos de celebração de aniversário, a 14 e 15 de Março, vai estar a torcer para que Tony, que dizem ser “muito perfeccionista e profissional”, brilhe e se supere. Mais uma vez e cada vez mais.

José Antunes está “algures na ternura dos quarenta.” As duas décadas de carreira que Tony agora celebra pertencem-lhe também. Em 1988, rumou a Lisboa com uma missão muito especial: inscrever o irmão mais novo no Prémio Nacional da Música, que acabou por dar a Tony Carreira entrada directa no Festival da Canção, pela mão (e melodia) da canção ‘Uma Noite a teu Lado’ – foi um dos oito seleccionados entre mil participantes. “Convenci-o a gravar e a apresentar-se, mas confesso que acreditava sem acreditar que ele pudesse vencer”, conta José, explicando que as dúvidas se deveram à panóplia “de nomes sonantes” que compunham o leque de participantes. Na ‘ficha técnica’, José Antunes é ‘tour manager’. Na prática é o braço direito (e esquerdo) do irmão, a quem este confia a verificação de que tudo está nos eixos.

“Tenho de cuidar de todas as condições necessárias para ele apresentar os concertos.” Pode ser motorista, contabilista, gestor, organizador, de acordo com o que é a necessidade do momento. A sua empresa, a Dyam, teve nascimento registado em França – desde 1989 que produz concertos de artistas nacionais em países com fortes comunidades emigrantes - mas continua a dar cartas em Portugal desde que José se mudou para terras lusas.

Apesar dos laços de sangue que o unem ao cantor romântico, o irmão de Tony admite que “família só em casa, no trabalho tentamos não misturar.” Embora por vezes seja difícil, confessa quem tocava baixo na banda que teve com o irmão e um primo na adolescência. Porque não seguiu carreira artística?, perguntamos. “Desde cedo percebi que não tinha esse dom”, garante, admitindo mesmo assim as “memórias excelentes” que guarda “desse tempo.”

RICARDO LANDUM

De tempo precisa Ricardo Landum. Para compor. Abana a cabeça à pergunta se os cantores encomendam sentimentos quando lhe pedem para escrever canções. Autor de sucessos como ‘Pisca Pisca’, ‘Mãe Querida’ e ‘Conquistador’ é, além de um dos compositores mais conhecidos na praça lusa, amigo de Tony. “Tenho um coração muito grande em termos musicais, para mim música é música”, reage quando questionamos a diferença de estilos. Foi rockeiro com os TNT e os Da Vinci, também se passeou no sonoro heavy metal e é autor dos maiores sucessos do conhecido ‘cantor de sonhos’. “Encomendam-me canções para um disco, dizem como querem que seja, eu faço de acordo com os desejos de cada um”, explica o artista que escolheu deixar as luzes da ribalta aos 30 anos – hoje tem 47 - em prol do estúdio: “Um refúgio mais criativo.” Quando na próxima semana o esgotado Atlântico entoar mais ou menos afinado as badaladas baladas de Tony Carreira, dificilmente se vai lembrar do homem que, não estando no palco, se encarregou de “encarnar personagens, viver como se fosse elas, transportar romantismo para a vivência do dia-a-dia” enquanto durou o processo criativo de escrever e compor as letras para o amigo de há já vinte anos. Nem vai imaginar (o público) que a maioria das canções foi cúmplice da madrugada, um dos períodos mais fortes da inspiração de Ricardo.

Se Tony Carreira é o cantor dos sonhos, Ricardo é quem os imagina e compõe em forma de canções. “Durante os seis meses que estou a compor eu e o Tony falamos constantemente. Às vezes toco-lhe músicas ao telefone a pedir opinião, outras liga-me ele com uma ideia.” É fácil concretizar as vontades de Carreira? “É, porque já o conheço há muito tempo, devo ser das pessoas que melhor o conhece”, explica Ricardo, “muito observador por natureza.” E saudosista q.b., como confessa. Talvez por isso escreva um diário que também ajuda a inspiração em momentos em que esta teima e tarda a chegar.

Ana Baptista chegou em boa hora à equipa de Tony Carreira, há sete anos e por intermédio de uma amiga. “Estavam a precisar de uma cantora, fiz provas com o director musical e fui escolhida”, conta a corista, 36 anos. No ‘casting’ teve de cantar o refrão de uma música de Tony Carreira e a lembrança solta-lhe o riso. “Fui franca com ele e contei-lhe que não sabia qualquer tema, porque não era o meu género musical nem achava muita piada, mas houve um compromisso de profissionalismo”, conta, desfazendo-se em elogios para com o cantor.

“Tem evoluído imenso, é uma pessoa com grandes ambições, além de ser muito acessível - sempre lhe pedi conselhos e ele sempre me ajudou.” Agora, a ambição de Ana Baptista é dar o passo em frente: também literalmente. Passar para a frente do palco, ser cantora e não corista. Garante que Tony Carreira será convidado de honra do lançamento do disco que quer pôr em prática - “algures entre o funk e a soul, que são as minhas influências principais.” Ana nasceu no Montijo mas cresceu em Lisboa, filha de um pai que tinha também - e de quem herdou - o gosto pela música.

Paulito também tem esse gosto. Embora mais abrangente, tudo o que é som interessa-lhe e é disso que fez profissão: é o técnico de som de Tony Carreira, desde há três anos. O anterior trabalho foi com os manos Anjos, mas desde os 17 anos que manipula mesas de mistura. Tem 33 anos. Sabe de cor que tipo de som gosta o cantor. “Tem de ser muito limpo, porque passa uma mensagem”, conta, acrescentando que não é tudo. “O Tony Carreira dá espaço para inovações, temos toda a motivação para explorar, até porque temos de estar sempre no topo - desde que não haja falhas”, explica Paulito, que poucos minutos antes recebeu um telefonema do cantor de ‘Depois de ti mais nada’ a chamar a atenção para um pormenor (sonoro) que aconteceu no último concerto da banda e que não se podia repetir nos espectáculos de comemoração no Pavilhão Atlântico.

“É muito perfeccionista e diz sempre quando algo não lhe agrada, o que também é importante para o nosso trabalho”, assume Paulito, actualmente responsável pela sonância que chega aos ouvidos do público. “Uma grande responsabilidade”, confessa, admitindo que foi Tony Carreira quem o incentivou a aceitar o lugar de destaque no que ao som diz respeito. “Comecei nos monitores, no som do palco, e estava com receio de aceitar o convite para fazer o som do público, estava muito nervoso no primeiro espectáculo em que mudei de função, na tournée de 2007.” E há uma coisa que também não vai esquecer. “O Tony Carreira disse-me nesta altura: ‘Paulito, acredita em ti que eu fiz o mesmo.’” Pois fez. E resultou.

40 NA EQUIPA

São cerca de 40 os elementos da equipa que acompanha Tony Carreira. “Temos uma relação muito boa entre todos”, diz Ana Baptista. Paulito, técnico de som, concorda. “Quando estamos na estrada é uma animação, ficam sempre histórias para recordar, mesmo a recordar as pequenas falhas nos divertimos mais tarde”, confessa o jovem de 33 anos.

Marta Martins Silva / Correio da Manhã (Correio de Domingo), 09/03/2008
Foto de Duarte Roriz

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Emanuel - Pimba Amor

PRIMEIRO é a música - ou, melhor, o som - que entra pelo recinto adentro, poderoso, de rompante, vindo das profundezas da bateria e das entranhas do baixo, mal as luzes se acendem colorindo de todas as cores o fumo denso que invade o palco. Como se o paredão de uma barragem cedesse, aqui, à pressão da expectativa acumulada pelo público.

Logo a seguir, estridente na mesma medida, como uma torrente, é o crescendo dos gritos e dos assobios de centenas de pessoas, milhares talvez, sobretudo mulheres e crianças, muitas crianças, os braços no ar balanceando, ansiosos todos pela festa que, agora sim, vai começar.

Entram as teclas, entra a guitarra, entra também o acordeão mais as duas bailarinas. E, quando chega, finalmente, a vez de entrar o artista, as palmas que enchem a noite não são só para o receber, são mais para o acompanhar nos versos que todos sabem de cor e cantam com ele: «Rapazes da vida airada/ oiçam bem com atenção/ todos temos o dever/ de dar às nossas mulheres/ muito carinho e afeição./ São as mais lindas do mundo/ donas do nosso coração./ Se somos meigos para elas/ dão-nos tudo, tudo, tudo/ com toda a dedicação» É o delírio entre a rapaziada. Gritos e mais gritos e mais assobios. E depois, todos a repetirem, em coro: «E se elas querem um abraço ou um beijinho/ nós, pimba, nós, pimba!/ E se elas querem muito amor, muito carinho/ nós, pimba, nós, pimba!»

Os holofotes percorrem agora a multidão aos saltos, frenética, como se andassem à caça daqueles, raros, que conseguem ouvir e ficar quietos, muito parados. É preciso contagiá-los e não faltam, para tanto, as imagens no ecrã-gigante, ao lado do palco, ampliando sem cessar os pulos e os gritos das raparigas e das mulheres que se apinham à frente do artista, olhos presos aos seus olhos azuis, extasiadas pela voz suave e macia e pelo «romântico» da sua figura. Tem um certo ar de Clint Eastwood, é verdade, alto, esguio, seco, as «entradas» que o cabelo louro cortado curto não pretende disfarçar. «Toda a gente, vamos embora, estão todos connosco, ou não?», pergunta o cantor, calças pretas e casaco vermelho. «Aí atrás, na encosta, vá lá, quero toda a gente com os bracinhos no ar, as palminhas por cima da cabeça, toda a gente!» A batida é forte, sincopada, e o pó sobe no ar à medida que dezenas de pares rodopiam e pulam, onde há espaço para isso, por entre a assistência. «Lindo! Magnífico! Vamos incendiar isto!», comenta o artista. Cheira a um misto de arraial e de vindimas. E o coro é geral: «E se elas querem um encosto à maneira/ nós, pimba, nós, pimba!/ E se elas querem à noitinha brincadeira/ nós, pimba, nós, pimba!» Emanuel, simplesmente, o genuíno, e poderia ficar tudo dito, sem precisão de mais nada.

Emanuel tinha vindo de Pinela, no distrito de Bragança, na véspera, e actuava agora em Modelos (os naturais pronunciam «mudélus»), um modesto lugar da freguesia de Penamaior, no concelho de Paços de Ferreira. Mais concretamente, a cerca de cinco quilómetros dali, serra acima, no santuário de Nossa Senhora do Pilar, uma capela solitária erguida, há um século precisamente, no topo do cabeço mais alto da terra, paredes meias com as instalações da Estação de Radar nº 2, da Força Aérea Portuguesa. No local, há também, desgarrada, uma estátua a Cristo-Rei, miniatura da de Almada, sobre um pedestal de granito, com a inscrição: «1140-1640-1940 - Vinde a Mim Todos».

Hoje o espectáculo era ali mas poderia muito bem ser em montes de outros sítios, em terras que têm com Modelos no mínimo dois pontos em comum: não terem, no geral, direito ao nome no mapa e terem querido Emanuel e a sua banda para animar as festas de cada uma. Sendim, em Miranda do Douro, Corga do Lourão, em Santa Maria da Feira, Ribolhos, em Castro d'Aire, Mosteiro, em Sandim, Souto, no Sabugal, ou Fonte Longa, em Carrazeda de Ansiães, para citar só alguns exemplos. É Agosto e, de norte a sul de Portugal, parece que não há terra que não esteja em festa.

Todos os anos, em Penamaior, um dos oito lugares da freguesia assume, perante os outros, a responsabilidade de realizar, a 15 de Agosto, a romaria e a festa que atraem ao santuário de Nossa Senhora do Pilar alguns milhares de fiéis e meia dúzia de feirantes. Calhou às gentes de Modelos, desta vez. A festa não exige muito: contrata-se o artista pretendido, com a antecedência devida para evitar sobressaltos, e vão-se pedindo uns tostões, aqui e ali, ao longo do ano, para satisfazer a verba acordada mais o custo das «descargas» de fogo (entre 300 a 400 contos), sempre fundamentais nestas circunstâncias.

Raramente a contratação do artista é feita directamente com o próprio. Há agentes especializados que se encarregam da «démarche», sempre de acordo com os orçamentos de cada lugar. «Quem quiser o Emanuel, um verdadeiro campeão de vendas, tem de o contratar com um ano de antecedência», explica Alcides Seixas, reformado da RDP e empresário artístico especialmente conhecido nos meios da música mais popular. «No caso dele, há duas hipóteses: ou actua com a banda inteira, e a coisa fica por perto dos mil contos, ou só com as bailarinas e com 'playback' instrumental, e então anda à volta dos 700, mais coisa menos coisa...» Resta uma terceira fórmula, a mais cara e, por isso mesmo - porque os orçamentos para as festas nunca são alargados demais - a menos utilizada: «Trazer as Bombocas (um trio - uma loira, uma ruiva e uma morena - criado o ano passado e produzido pelo próprio Emanuel, à sua própria imagem, antes da moda das 'girls band' que agora grassa por aí, e especializado na versão feminina da sua própria música) para fazerem a primeira parte», explica o empresário. O «luxo», diz ele, pode custar mais de 1300 contos.

Pode parecer muito dinheiro, por hora e meia de espectáculo, mas tudo é função, afinal, da importância que cada lugarejo deposita nos festejos que organiza e exibe perante os vizinhos. Fonte Longa, por exemplo, com pouco mais de 350 habitantes durante o ano (a população triplica em Agosto, com o regresso à terra da maioria dos filhos emigrados) não tinha festa nenhuma até há cinco anos. «Há muito tempo, só os mais velhos é que se lembram, faziam-se aqui todos os anos as festas de Santa Filomena. Mas desde que veio para cá o padre Fernando, há mais de 40 anos, nunca mais houve festa nenhuma...», conta José Joaquim da Silva, de 27 anos, o presidente da Junta de Freguesia, fruticultor como a maioria dos conterrâneos.

Cansados de tanto marasmo e conservadorismo, os jovens da aldeia decidiram, há cinco anos, fazer uma «revolução» na terra: de uma assentada só, «marimbámo-nos no padre, inscrevemo-nos nos cadernos eleitorais - muitos votaram pela primeira vez e em si próprios -, ganhámos as eleições desse ano e corremos com a velharia que enchia a Junta e não fazia nada pela aldeia. O padre não nos deixou dar um nome de um santo à festa. Paciência. Passámos a chamá-la a Festa da Maçã, que é a nossa maior produção e, por cada ano que passa, a festa está cada vez maior e melhor, essa é que é essa...», conta o autarca, a malta nova à sua volta, tudo a rir.

O ano passado, uma hora antes do início do número forte da festa - o espectáculo com o artista contratado - apanharam um susto de todo o tamanho. É ainda o autarca que conta: «Tínhamos contratado o Quim Barreiros. Pediu 960 contos, só queria notas, nada de cheques. Chegou aqui com os músicos e entregámos-lhe tudo o que tínhamos conseguido reunir, 950 contos, precisamente. O tipo contou as notas, uma a uma, e recusou-se a começar enquanto o dinheirinho não estivesse todo na sua mão. Foi preciso um de nós abrir a carteira e passar-lhe os 10 contos que faltavam, veja bem, para o espectáculo começar. Nunca mais cá há-de pôr os pés, esse malandro! É que há pimbas e pimbas, está a compreender?»

Emanuel, o genuíno, o verdadeiro «pai» da chamada música pimba («Pimba, pimba», o segundo grande êxito da sua carreira, depois do sucesso de «Rapaziada», no ano anterior, data do Verão de 1995), não é homem para ficar vergado ao peso do rótulo que lhe quiseram colar. «Sou um homem sóbrio, mas com ideias próprias e bem definidas. Não sei se são melhores ou piores do que as outras, sei que são as minhas», diz ele. «E, com respeito ao que é pimba, uma expressão que só ganha sentido em função do contexto em que se insere, a ideia que impera creio que é a minha.»

Sendo mais específico, o artista e campeão de vendas (mais de 150 mil cassetes e de 10 mil CD vendidos o ano passado, e mais de 100 mil cassetes já vendidas, desde fins de Junho, do seu êxito deste ano, o «Vem bailar o tic-tic») diz reconhecer a existência de três critérios para definir o que é pimba, musicalmente falando. «Para uns, é música ordinária, para outros, música de má qualidade, para outros, música ligeira e popular, ou a fusão das duas coisas», sustenta, no final de hora e meia de espectáculo e de mais de uma hora de autógrafos durante a qual os seus assistentes despacham, entre as fãs, com toda a facilidade cem contos de cassetes, «posters» e «t-shirts». «Ora bem, música ligeira e música popular não é um título, não é um nome que defina um género, à semelhança do jazz, do rock ou do blues. Portanto, se quiserem usar o pimba como um adjectivo para definir ligeira e popular, então pimba serve, como serviria Maria ou Manel ou outro rótulo qualquer...»

E o facto de «haver ainda pessoas» que insistem em usar a expressão com sentido pejorativo também não o preocupa. «Não me preocupa porque eu conheço a verdade, e a verdade está aqui, à frente do palco, de terra em terra: campeão de vendas, campeão de assistência. Sabe porquê? Porque artista é o que consegue transmitir emoções. E o público sente o que canto, por isso canta de cor as minhas cantigas.» Diz sentir que captou já, praticamente, todos os sectores da sociedade portuguesa. Menos o elitista, seguramente. «Mas acha que me devo preocupar com pessoas que pensam que o mundo começa na 24 de Julho e acaba no CCB?»

Américo Pinto da Silva Monteiro, de seu verdadeiro nome, nasceu em 25 de Março de 1957, em Covas do Douro, o mais novo de três irmãos. Veio cedo para Lisboa, para casa de familiares, e foi aqui, ao mesmo tempo que começava a trabalhar, que fez os seus estudos, inclusive os de guitarra clássica. Foi professor do mesmo instrumento, dos 20 aos 30 anos, mesmo depois de ter começado a ganhar os primeiros tostões com a música, tocando, ao final da tarde, «música internacional, de todo o género, nos hotéis da linha do Estoril». Foi, diz ele, a sua «grande escola, o palco em que verdadeiramente amadureci». Profundamente influenciado pela música popular que, enquanto jovem, foi ouvindo nos bailaricos da sua aldeia e na faina das vindimas em que o povo se ocupava - a concertina e o acordeão aliviavam o esforço dos homens, os enormes e pesados cestos à cabeça, encostas acima e abaixo -, desde cedo se serviu do genuíno dessas raízes para imprimir um cunho muito próprio às suas composições.

Quando, aos 30 anos, abriu em Lisboa o seu primeiro estúdio de gravação, a qualidade do seu trabalho musical já era sobejamente conhecida no meio. Marco Paulo, por exemplo, recorreu a ele para gravar «Joana», o maior êxito da sua carreira depois do «Eu tenho dois amores». Hoje, do Estúdio de Gravação A.M., que possui na Pontinha, saem uma média de sete, oito álbuns por ano - aparte o seu próprio e o das Bombocas - de outros tantos artistas. «Se eu fosse 50 Emanuéis, tinha trabalho para eles todos», diz ele. «Só faço 20 por cento do que me pedem para fazer. Não faço mais porque não quero, também preciso de dormir...»

Depois de cinco anos consecutivos de êxitos, Emanuel, um caso raro de comunicabilidade, apresenta-se, este Verão, com uma banda completamente renovada e um equipamento, de som e de estrada, novo mas, reconhece, subdimensionado. «Já fizemos espectáculos para mais de 20 mil pessoas, e a verdade é que não estava à espera disso e não tenho som para tanto!» Quanto à possibilidade de a fórmula que o tornou famoso estar gasta, ou em vias disso, o cantor diz não estar preocupado. «Pelo contrário. Estou a vender, este ano, quase o dobro do ano passado. Sou, por outro lado, talvez o artista mais polivalente no meio da música ligeira e popular. E sou um homem que gosta de gerir os seus recursos. E sei, garanto, que tenho suficientes para continuar a conhecer o sucesso nos próximos cinco anos.»

Vaidade? Nada disso. Não é o seu estilo. Antes a certeza, medida dia a dia, de festa em festa, frente ao palco, de que o povo gosta de cantar e de dançar a sua música. E, como diz a letra de uma delas, «se gostas do bombom, toma, toma/ prova porque é bom, toma, toma»...

Fernando Gaspar / Expresso, 22/08/1998

imagem - capa da Revista Pimba