quinta-feira, 25 de novembro de 2010
Dulce Guimarães
Dulce Guimarães e staff.
Foros: Singra, Caixa de Música, net
http://www.dulceguimaraes.com/
Numa curta passagem por Toronto, a artista revelou-nos um pouco sobre a sua carreira, ambições futuras e a vontade de conquistar o coração dos imigrantes lusos no Canadá
Dulce Guimarães estreou-se nos palcos em Setembro de 1978 como actriz de revista. Fez parte duma "fornada" que tornou conhecidos nomes como Carlos Cunha, Carlos Areia, Fernando Mendes e Camacho Costa e durante cerca de treze anos integrou o elenco de várias revistas e comédias nacionais de renome.
Do seu currículo artístico constam duas telenovelas, imensas peças de teatro – onde contracenou com nomes sonantes do espectáculo, como Raul Solnado e Ivone Silva – um programa de rádio e, desde 1990, vários CDs gravados como cantora.
Com uma carreira artística reconhecida em Portugal e pelas comunidades portuguesas em vários outros países, Dulce Guimarães gostaria agora de "invadir" o mercado canadiano e conquistar o público luso-descendente.
Para isso, apresenta um espectáculo que define como alegre e dinâmico, onde a comunicação e a interacção com o público são pontos-chave.
Esteve entre nós recentemente para fazer o seu primeiro espectáculo neste país, onde actuou no Centro Cultural Português de Mississauga.
Vejamos o que tem para nos contar à cerca da sua carreira, ambições futuras e sobre esta passagem pela comunidade portuguesa.
Sol Português – Iniciou-se no mundo artístico em 1978 no teatro e conta já com uma carreira com mais de 30 anos durante os quais tem passado por várias experiências. Como é que a Dulce Guimarães se define a si própria?
Dulce Guimarães – Numa palavra, eu definir-me-ia como uma comunicadora. Eu estreei-me no teatro e não nas cantigas. Dentro do teatro fiz teatro de revista e comédia. Tive a sorte de ainda trabalhar com os grandes: a Laura Alves, o Paulo Renato, a Ivone Silva e muitos, muitos outros. Foi uma aprendizagem tremenda para mim, que hoje me serve muito no palco – porque no teatro aprende-se a linguagem das tábuas, a linguagem da comunicação com o público.
Fiz telenovelas quando elas começaram, a segunda e a terceira – a primeira foi a "Vila Faia", onde eu não entrei, e depois as outras foram a "Origens" e a "Passerelle". Fiz cinema e rádio. Fui locutora da Rádio Renascença durante dois anos e foi uma experiência apaixonante.
Até que houve uma altura em que eu decidi que... eu costumo dizer que não fui eu que deixei o teatro, foi o teatro que nos deixou a todos nós, actores. Quando eu me iniciei, o Parque Mayer tinha quatro teatros em força a trabalhar: o Variedades, o ABC, do Sérgio de Azevedo, o Maria Vitória e o Capitólio. Sempre todos com peças em cena – mais o Monumental no Saldanha, mais o Vilaret... Todos trabalhavam. E não tinha um dia de férias. Nunca tive, durante 14 anos, porque eu estava a fazer uma peça mas à tarde já estava a ensaiar a outra, que entretanto estreava. Eu não chegava a parar de uma para a outra.
Quando o teatro me deixou – como eu costumo dizer – o Sérgio de Azevedo já tinha deixado de ser empresário; o Vasco Morgado já tinha falecido. As coisas ficaram nas mãos do filho dele – e de todo não era a mesma coisa, ainda que o nome fosse o mesmo – e não havia praticamente teatro para fazer.
Eu decidi então que era tempo de deixar o teatro. O teatro não tinha evoluído da mesma forma que o nosso país evoluiu. Digamos que se o nosso país evoluiu a cem, o teatro "desevoluiu" a cem. Estagnou.
Veio então um convite da Vidisco para gravar o meu primeiro disco – porque na revista há que saber representar mas também há que saber cantar e eu já [nessa altura] cantava.
Eu tinha feito um programa na televisão com o Carlos Paião, que nessa altura tinha falecido há três ou quatro anos e de quem eu mantinha muita saudade. Resolvi que, para gravar um disco eu queria fazer uma coisa diferente, que era pegar em alguns temas do Carlos Paião, fazer uma escolha, e transformá-los em fado.
O som da guitarra, no meu cérebro, está automaticamente ligado à saudade e à nostalgia e o que eu sentia do Carlos era exactamente isso.
Este disco foi um sucesso, foi logo disco de ouro muito rapidamente – isto passa-se em 1990 – e logo a seguir peguei em temas estrangeiros e fiz o mesmo exercício: trazê-los para a guitarra portuguesa.
Isso não passa a ser fado, obviamente, porque o "Ansiedade" do Nat King Cole ou temas do Alcione não passam a ser fado pelo facto de estarem acompanhados à guitarra. Mas foi um trabalho bonito, de pesquisa e triagem das músicas, das que seriam ou não possíveis de adaptar para a guitarra.
A partir de 1990 para cá... cantigas, cantigas, cantigas... sempre cantigas, com o tal acréscimo da comunicação, que me ficou da rádio, do teatro, essencialmente do teatro – eu fiz uma peça em que estive dois anos em cena com o Raul Solnado e onde aprendi muito, porque ao lado daquele homem aprende-se muito, tal como aprendi muito com a Ivone Silva.
Hoje para mim o espectáculo, mais do que o desfiar de 14, 15 ou 16 cantigas, é aquilo que há entre elas, que é a comunicação constante necessária para mim com a plateia. Eu não gosto de ter pessoas a assistir ao meu espectáculo, eu gosto de ter pessoas a interagir comigo durante o meu espectáculo.
SP – Passou pelo teatro, pela televisão, pela rádio e pela música. Há alguma destas áreas pela qual tenha preferência? Hoje, que está mais dedicada à música, se a convidassem para voltar ao teatro aceitaria?
DG – Só não aceitaria porque o teatro é incompatível com as canções. Quando uma peça estreia nós temos de estar lá todas as noites e, portanto, eu não posso dizer "olhem meus amigos, desculpem mas no dia tal eu não posso ir porque tenho um espectáculo".
Como não podia compatibilizar, não aceitaria. Não porque não tenha muitas saudades – fui agora à estreia do Maria Vitória, onde estreou a semana passada uma revista com a Florbela Queiroz, que voltou aos palcos, e eu estou a assistir e estou com vontade de ir lá, mas...
SP _ ... mas a música está na sua prioridade em termos profissionais...
DG – Está sim, logo a seguir ao meu filho que essa é a minha primeira prioridade.
SP – No mundo da música desde 1990, como é que considera que evoluíram estes seus 20 anos de carreira em termos de estilo musical, visto que começou com um estilo mais saudoso e melancólico e hoje em dia apresenta um espectáculo muito mais animado e virado para o público?
DG – A passagem deu-se de acordo com uma análise do que é mais importante para o artista, [ou seja,] trabalhar não para mim, fazendo aquilo que eu mais gostaria, mas trabalhando essencialmente a pensar no público que eu tenho à minha frente.
Aquele target, aquele público alvo, o que é que gosta? Gosta mais de "baladinhas" e coisas do género ou aquela alegria que eu transmito? Então se eu vou sentindo que é a alegria que eu transmito que melhor lhes sabe e que mais se adapta ao público para quem eu estou a trabalhar... eu fui formatando a minha carreira, não de acordo com o meu gosto pessoal, mas de acordo com o público para quem trabalho.
SP – Visto que a Dulce Guimarães, apesar de ter uma carreira de sucesso em Portugal e em vários países, não é ainda conhecida no Canadá, pode-nos definir como é o espectáculo que neste momento apresenta ao público?
DG – Primeiro deixe-me falar um pouco sobre o fenómeno do Canadá não me conhecer. Eu há pouco tempo disse isso ao Jorge Gabriel, que é meu amigo do peito e de clube do futebol – dois sofredores do Sporting (risos).
Desde 1990 que eu corro o mundo, e quando estou a falar do mundo estou a falar da Austrália – já lá fui cantar umas sete vezes – da Venezuela, África do Sul, Estados Unidos (tanto na costa leste como na costa oeste) e realmente o Canadá era o meu calcanhar de Aquiles.
Não sei porquê, e só pode ter sido por acaso, nunca acontecia. Eu ia ao Luxemburgo, a França, Alemanha, Austrália, África do Sul... mas ao Canadá, nunca. Talvez por falta de contactos, não sei. Por alguma razão foi assim durante estes 20 anos.
Na minha opinião, o meu espectáculo pode-se definir como muito alegre, muito belo e muito dinâmico. Basicamente é isto. Ensaios muito rigorosos, porque eu não gosto de ter, como costumo dizer, "abanadeiras", que são as bailarinas que não dançam e só se abanam, porque isso todas as senhoras que estão na pista também podem fazer.
Tenho bailarinas que fazem... – uma delas, por exemplo, num dos temas entra de um lado do palco e sai do outro a fazer três mortais sem pôr as mãos no chão; é campeã nacional de capoeira em Portugal – todas elas fazem espargata e quando levantam a perna levantam até à cabeça.
O meu espectáculo é um espectáculo de rigor, onde os profissionais têm que ser profissionais, porque nós temos de ter respeito não só por quem investiu aquele dinheiro para nos contratar, como pelas pessoas que pagaram o dinheiro para entrar e para assistir a ele.
Não podemos nunca partir do pressuposto que está feito [e que] no final tanto nos pagam quer se faça bem quer se faça mal...
Rigor, um alinhamento que é feito com uma sequência e um ritmo que não tem paragens – as paragens que existem são apenas para eu interagir com o público – mudanças constantes de roupa, as minhas bailarinas mudam de roupa cinco vezes e a meio do espectáculo tem um número para que eu própria possa mudar de roupa e refrescar-me.
É um espectáculo "ta-ta-ta-ta-ta-ta", sempre com uma cadência e uma dinâmica muito envolvente, com músicas de todos os géneros, sobretudo sempre músicas muito animadas – há quizomba, samba, música popular e tradicional... também há um tema para partir o coração, que também faz falta e que, segundo me parece é um estilo que gostam muito aqui, porque na rádio têm passado muito o "Estúpido".
Resumindo, é um espectáculo alegre, colorido, belo, dinâmico e com muita interacção entre o palco e a plateia.
SP – Falou-me do "Estúpido" que foi o seu penúltimo CD, editado em 2007. Qual foi o último?
DG – "Beija-me na boca".
SP – O "Beija-me na boca" foi editado há pouco tempo?
DG – Exactamente, agora mesmo. É aquele com que agora estou a trabalhar e também o que eu apresentei no Clube Português de Mississauga.
SP – Era isso que queríamos perguntar-lhe: o porquê da sua curta visita a Toronto?
DG – Basicamente foi para dar a conhecer a Dulce Guimarães a alguns canadianos. Infelizmente não foi a muitos. Como só fiz um espectáculo no Clube Português de Mississauga, não foi a muitos. Espero que, através desta entrevista, as pessoas que ainda não me tenham visto possam saber um pouco mais sobre mim. Para quem tiver internet e queira saber um pouco mais, poderá ir a www.dulceguimaraes.com e visualizar o espectáculo no computador.
SP – Sendo que fez apenas um espectáculo entre nós, como se sente depois desta deslocação ao Canadá?
DG – Há uma dicotomia neste momento dentro de mim. Vou felicíssima por ir abraçar e beijar o meu filho e, [ao mesmo tempo,] é muito mau para mim ir-me embora com a sensação de que não consegui chegar junto de um grande número de pessoas como eu gostaria.
Eu gostava que os portugueses no Canadá, e eu sei que o Canadá não é só o Clube Português de Mississauga, conhecessem este belo espectáculo. Eu sei que sou suspeita, porque estou a falar em causa própria, mas acreditem, que não estou a falar de mim, estou a falar de um conjunto que é o espectáculo Dulce Guimarães. Um conjunto de seis pessoas – quando actuamos sem banda – em que todas elas contribuem para que ele seja um belo espectáculo.
Alexandra Faria / Sol Português, 19/11/2010