segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Na sombra das luzes da ribalta de Tony Carreira


Poucos reparam neles, pouco iluminados pela ribalta do palco, mas as funções que desempenham são essenciais para que Tony Carreira brilhe e arrebate as plateias
Quando entrar em palco para celebrar os vinte anos da concretização dos ‘Sonhos de Menino’ que nasceram com ele em Armadouro, Pampilhosa da Serra, Tony Carreira não vai estar sozinho. As luzes vão fazer de tudo para iluminar e fazer sobressair o romântico cantor, as palmas a ele vão ser dirigidas e o eco do nome artístico, que escolheu já lá vai o tempo, atingirá honras de atravessar o Pavilhão Atlântico em sonoros vivas.

Tem sido assim ao longo dos anos: a colher os frutos do sucesso, na vida que escolheu dedicar à música portuguesa. Mas o espectáculo existe, e é possível, também ao fundo do palco, em muito graças ao irmão José Antunes, ao compositor Ricardo Landum, ao técnico de som Paulito e a Ana Baptista, uma das vozes do coro – alguns dos elementos de uma equipa de 40 pessoas que trabalha para que nada falhe durante o show. E que, nos concertos de celebração de aniversário, a 14 e 15 de Março, vai estar a torcer para que Tony, que dizem ser “muito perfeccionista e profissional”, brilhe e se supere. Mais uma vez e cada vez mais.

José Antunes está “algures na ternura dos quarenta.” As duas décadas de carreira que Tony agora celebra pertencem-lhe também. Em 1988, rumou a Lisboa com uma missão muito especial: inscrever o irmão mais novo no Prémio Nacional da Música, que acabou por dar a Tony Carreira entrada directa no Festival da Canção, pela mão (e melodia) da canção ‘Uma Noite a teu Lado’ – foi um dos oito seleccionados entre mil participantes. “Convenci-o a gravar e a apresentar-se, mas confesso que acreditava sem acreditar que ele pudesse vencer”, conta José, explicando que as dúvidas se deveram à panóplia “de nomes sonantes” que compunham o leque de participantes. Na ‘ficha técnica’, José Antunes é ‘tour manager’. Na prática é o braço direito (e esquerdo) do irmão, a quem este confia a verificação de que tudo está nos eixos.

“Tenho de cuidar de todas as condições necessárias para ele apresentar os concertos.” Pode ser motorista, contabilista, gestor, organizador, de acordo com o que é a necessidade do momento. A sua empresa, a Dyam, teve nascimento registado em França – desde 1989 que produz concertos de artistas nacionais em países com fortes comunidades emigrantes - mas continua a dar cartas em Portugal desde que José se mudou para terras lusas.

Apesar dos laços de sangue que o unem ao cantor romântico, o irmão de Tony admite que “família só em casa, no trabalho tentamos não misturar.” Embora por vezes seja difícil, confessa quem tocava baixo na banda que teve com o irmão e um primo na adolescência. Porque não seguiu carreira artística?, perguntamos. “Desde cedo percebi que não tinha esse dom”, garante, admitindo mesmo assim as “memórias excelentes” que guarda “desse tempo.”

RICARDO LANDUM

De tempo precisa Ricardo Landum. Para compor. Abana a cabeça à pergunta se os cantores encomendam sentimentos quando lhe pedem para escrever canções. Autor de sucessos como ‘Pisca Pisca’, ‘Mãe Querida’ e ‘Conquistador’ é, além de um dos compositores mais conhecidos na praça lusa, amigo de Tony. “Tenho um coração muito grande em termos musicais, para mim música é música”, reage quando questionamos a diferença de estilos. Foi rockeiro com os TNT e os Da Vinci, também se passeou no sonoro heavy metal e é autor dos maiores sucessos do conhecido ‘cantor de sonhos’. “Encomendam-me canções para um disco, dizem como querem que seja, eu faço de acordo com os desejos de cada um”, explica o artista que escolheu deixar as luzes da ribalta aos 30 anos – hoje tem 47 - em prol do estúdio: “Um refúgio mais criativo.” Quando na próxima semana o esgotado Atlântico entoar mais ou menos afinado as badaladas baladas de Tony Carreira, dificilmente se vai lembrar do homem que, não estando no palco, se encarregou de “encarnar personagens, viver como se fosse elas, transportar romantismo para a vivência do dia-a-dia” enquanto durou o processo criativo de escrever e compor as letras para o amigo de há já vinte anos. Nem vai imaginar (o público) que a maioria das canções foi cúmplice da madrugada, um dos períodos mais fortes da inspiração de Ricardo.

Se Tony Carreira é o cantor dos sonhos, Ricardo é quem os imagina e compõe em forma de canções. “Durante os seis meses que estou a compor eu e o Tony falamos constantemente. Às vezes toco-lhe músicas ao telefone a pedir opinião, outras liga-me ele com uma ideia.” É fácil concretizar as vontades de Carreira? “É, porque já o conheço há muito tempo, devo ser das pessoas que melhor o conhece”, explica Ricardo, “muito observador por natureza.” E saudosista q.b., como confessa. Talvez por isso escreva um diário que também ajuda a inspiração em momentos em que esta teima e tarda a chegar.

Ana Baptista chegou em boa hora à equipa de Tony Carreira, há sete anos e por intermédio de uma amiga. “Estavam a precisar de uma cantora, fiz provas com o director musical e fui escolhida”, conta a corista, 36 anos. No ‘casting’ teve de cantar o refrão de uma música de Tony Carreira e a lembrança solta-lhe o riso. “Fui franca com ele e contei-lhe que não sabia qualquer tema, porque não era o meu género musical nem achava muita piada, mas houve um compromisso de profissionalismo”, conta, desfazendo-se em elogios para com o cantor.

“Tem evoluído imenso, é uma pessoa com grandes ambições, além de ser muito acessível - sempre lhe pedi conselhos e ele sempre me ajudou.” Agora, a ambição de Ana Baptista é dar o passo em frente: também literalmente. Passar para a frente do palco, ser cantora e não corista. Garante que Tony Carreira será convidado de honra do lançamento do disco que quer pôr em prática - “algures entre o funk e a soul, que são as minhas influências principais.” Ana nasceu no Montijo mas cresceu em Lisboa, filha de um pai que tinha também - e de quem herdou - o gosto pela música.

Paulito também tem esse gosto. Embora mais abrangente, tudo o que é som interessa-lhe e é disso que fez profissão: é o técnico de som de Tony Carreira, desde há três anos. O anterior trabalho foi com os manos Anjos, mas desde os 17 anos que manipula mesas de mistura. Tem 33 anos. Sabe de cor que tipo de som gosta o cantor. “Tem de ser muito limpo, porque passa uma mensagem”, conta, acrescentando que não é tudo. “O Tony Carreira dá espaço para inovações, temos toda a motivação para explorar, até porque temos de estar sempre no topo - desde que não haja falhas”, explica Paulito, que poucos minutos antes recebeu um telefonema do cantor de ‘Depois de ti mais nada’ a chamar a atenção para um pormenor (sonoro) que aconteceu no último concerto da banda e que não se podia repetir nos espectáculos de comemoração no Pavilhão Atlântico.

“É muito perfeccionista e diz sempre quando algo não lhe agrada, o que também é importante para o nosso trabalho”, assume Paulito, actualmente responsável pela sonância que chega aos ouvidos do público. “Uma grande responsabilidade”, confessa, admitindo que foi Tony Carreira quem o incentivou a aceitar o lugar de destaque no que ao som diz respeito. “Comecei nos monitores, no som do palco, e estava com receio de aceitar o convite para fazer o som do público, estava muito nervoso no primeiro espectáculo em que mudei de função, na tournée de 2007.” E há uma coisa que também não vai esquecer. “O Tony Carreira disse-me nesta altura: ‘Paulito, acredita em ti que eu fiz o mesmo.’” Pois fez. E resultou.

40 NA EQUIPA

São cerca de 40 os elementos da equipa que acompanha Tony Carreira. “Temos uma relação muito boa entre todos”, diz Ana Baptista. Paulito, técnico de som, concorda. “Quando estamos na estrada é uma animação, ficam sempre histórias para recordar, mesmo a recordar as pequenas falhas nos divertimos mais tarde”, confessa o jovem de 33 anos.

Marta Martins Silva / Correio da Manhã (Correio de Domingo), 09/03/2008
Foto de Duarte Roriz