No meio do naufrágio os portugueses habituam-se habitualmente, parafraseando V. P. Valente, no espaço comprimido de duas assoalhadas com vista para o ranço. As crises despoletam o coro imenso dos queixumes e lamúrias de quem acreditou, porque era gostoso, em toda a publicidade da vida facilitada, comercial ou política porque… merecemos. A factura está aí, vai continuar a estar e só uma nação junta com um desígnio colectivo pode sair do atoleiro que os sucessivos ajustamentos europeus nos ditam. Se estes três anos foram sufocantes, os próximos vinte ou trinta exigem rigor contínuo – assim o aceitámos no tratado orçamental – e a miragem de um regresso à vida folgada (?) e despesista, individual ou nacional, não passa da grande ilusão que as areias quentes do deserto oferecem aos desesperados.
Não sei nem quero propalar ondas de choque de grupos ou partidos neste espaço onde me permitem verter em escrita os pensamentos da viva vivida a cruzar o país e uma boa parte da Europa. Cheiro aqui e ali, afasto-me para criar perspectiva sobre as imagens focadas e desfocadas e fico-me pelo ensaio sociológico, a análise idiossincrática deste estado de alma (a metáfora alheia ainda é gira) que é ser português. E isso o que é? Politicamente incorrecto vos digo: é pimba e azeiteiro.
Comecemos pela operação Brasil da nossa selecção. O resultado está à vista, mas não os responsáveis e uma análise criteriosa do que se passou. Esconder sob a carpete é nosso; deixar que o tempo seque as mágoas também. Será da falta de currículo do Paulo Bento? Fernando Gomes é só um mestre-de-cerimónias? O egotismo vaidoso do Cristiano Ronaldo? Todos os vaidosos da bola que aceitaram ser seleccionados apesar das mazelas escondidas? Tudo junto, por certo. Mas uma selecção, que representa um país e é símbolo de um povo, é outra coisa, mais que um tacho, mordomias e oportunidades, é outra coisa. É o imaginário colectivo que nela se revê, é a esperança de um pouco de sal na vida, é o chuta para lá de tanto cinzentismo de palavras como sentenças porque… existimos.
Na passada quinta-feira conduzia o carro onde quatro UHF seguiam o rumo de Castro Daire. Pela zona de Tondela ouvimos o primeiro golo de Portugal e um locutor da TSF que dá pelo nome Pateiro entoou uma ária abrasileirada ao momento, e não se calava. Não sei classificar o que ouvi e o porquê. Rimos a bom rir, derrotados.
Há catedráticos da bola, aqueles que nos querem impingir a visualização antecipada das imagens ou o retrato acabado que não previram, imerso em floreados – felizmente o futebol tem rasgos geniais, que usam e abusam do chavão. Ouvi, a propósito de um remate qualquer certeiro, o Freitas Lobo da SporTV enumerar uns quatro ou cinco qualificativos sobre o chuto e finalizar que o tiro às redes tinha "moral". Terá? Na comédia do futebol vale.
Foi pífio o nosso desempenho para não lhe chamar miserável. E, não fosse a rebelião que infectou a equipa do Gana, teríamos compreendido que o melhor jogador do mundo é um galardão que deriva de uma votação num tempo exacto e que é preciso prová-lo todos os dias em campo para o merecer e manter. Ou então confessar: não estou capaz.
Quando o António José Seguro repetiu por três ou quatro vezes, na noite das eleições europeias, que "era o PS quem tinha ganho", achei que havia ali algo muito estranho. De quem era a dúvida? Estaria expressa na ausência de telefonemas de apoio interno? Só podia ser.
Uma vitória é uma vitória, é certo, mas há umas e há outras. Viu-se nos dias seguintes como as luminárias socialistas levaram a sério "a vitória do Tozé". Porque com um governo de austeridade além da austeridade, uma vitória de 31,46% sobre uma abstenção de 66,16% é uma derrota a prazo – sou dos que acreditam que por este caminho Passos Coelho ganharia as próximas legislativas sem grande sobressalto.
Se aduzirmos o aparecimento "caído do céu" do partido MPT, o esvaziamento do BE e a primeira graça eleitoral do LIVRE, o PS teve uma vitória às damas entre reformados.
Ouvir depois as defesas, a tese, o enunciado dos estatutos, a casca de banana das primárias (uma casca onde todos podem cair, incluindo o autor), o normal funcionamento das instituições partidárias (que frase tão jeitosa) que deriva de uma maioria em congresso com percentagem à Coreia do Norte, é prolongar o azeite em que a nossa política se afunda há demasiado tempo, um tempo pimba.
Escrevi aqui neste espaço que António José Seguro, quando assumiu a liderança do PS (que na altura ninguém queria, é certo) devia em primeiro lugar pedir desculpas ao país por seis anos de deriva delinquente, o estádio de bancarrota que nos ofereceu José Sócrates. Mas Tozé não podia dizer algo tão forte nesse tempo de chegada ao top partidário; manda dizê-lo quando vale tudo pelo lugar de líder. A bancada parlamentar comê-lo-ia vivo, ameaça que viria a lume de tempos a tempos. Sem ideias além "de propostas", um saco cheio de "propostas", Seguro viveu inseguro com uma amante parlamentar infiel à trela.
Quando Henrique Neto, progenitor do salvífico Seguro, proclamou em 2011 que ele representava a esquerda do partido confirmei que estas confissões de mais ou menos esquerda são mesmo profissões de fé: engole quem quer, são palavras que rapidamente serão esquecidas. Porque se Seguro representava a esquerda do PS, por oposição à prática de direita do governo socialista derrotado, teremos como adquirido que naquele partido ser de esquerda é estar calado durante os seis anos de foguetório que durou a incursão socretista ou socretina (tudo menos socrática, por respeito ao grego filósofo), sentado na última fila da bancada parlamentar. Se a esquerda do PS já definhou a este ponto estamos aviados.
Atentos ao panorama e à baboseira, não é de estranhar que os figurões desse mal fadado tempo de governação se posicionem na procissão de António Costa, junto com muitos históricos e fundadores – voltar ao poder é preciso, de forma segura. A Idade Média Moderna prossegue e o regime democrático entretém a populaça.
Se o país precisa do rasgo político de António Costa, uma alternativa, um verdadeiro licenciado com experiência no terreno das decisões – ser chefe do município lisboeta é gerir uma das maiores empresas nacionais -, se a nação carece de um debate político denso e sério, a fiada de devotos que segura o andor deste António deixa múltiplas e profundas interrogações. As clientelas partidárias são o pior que o regime nos trouxe, parasitas e vorazes. E sem elas não há líder que resista. O bem da nação ou o bem do partido?
A quinta-essência do pimba azeiteiro repete-se há largos meses nas programações de fim-de-semana dos três canais de TV. Já foi brejeiro, já foi pimba, agora é música da loja do chinês. Um sucedâneo de artistas sem arte e canções sem inspiração, tudo cozinhado num mesmo e único ritmo, com duas bailarinas descascadas aos pulinhos e/ou bailarinos musculados dengosos, tudo sem ponta de graça ou diferença, onde o português já é brasilês, semana após semana. Isto envergonha, a classe profissional, a história da música portuguesa, uma nação que não se leva a sério, que não sabe exigir. É lixo, repetitivo, lixo não reciclável. Não há desculpa nem definição para esta miséria cultural. Assim se bate no fundo. Tudo isto está interligado, porque isto é "ser português".
António Manuel Ribeiro - 02-07-2014 09:11
• 02-07-2014 •
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por António Manuel Ribeiro
(Músico e Autor)
ARQUIVO PIMBA
sábado, 19 de julho de 2014
quinta-feira, 20 de junho de 2013
sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013
E Nós Pimba
No outro dia passeava pelas páginas da net quando deparei com uma verdadeira preciosidade. O site oficial do Zé Cabra. Não conhece? Não deixe devisitar e ouvir on-line as músicas que nos são propostas. O rapaz promete.
E com tanta música a soar aos ouvidos não podia esquecer-me do pimba. É um dos termos mais inteligentes que surgiram nos últimos anos, e como em tudo, o português imediatamente o adoptou na sua linguagem, usando o termo pimba para tudo e para todos.
Mas afinal o que é o Pimba, essa palavra tão ouvida e usada? Devemo-la a Emmanuel e a um programa-reportagem de um qualquer canal televisivo. Emmanuel cantou o ‘Rapazes da vida airada...’ e o pimba pegou.
Ele são os políticos pimba, nas palavras dos mais avisados comentadores políticos que agora fazem a sua apresentação nos ecrãs televisivos, ele é o Governo Pimba na voz dos da oposição, é o Estado Pimba que soa aos ouvidos de quem faz luta contra as medidas impostas, enfim, para tudo serve o pimba.
Este termo foi primeiramente aplicado para a música que se dizia popular, outro termo para o bem conhecido nacional-cançonetismo, dos tempos da velha senhora, e que afastava com as vozes da altura, os temores e desgraças da época. Passou-se depois para os cantares revolucionários, entoados por mil gargantas. Depois veio o tempo do romantismo com Marco Paulo, José Cid, Carlos Paião e as primeiras Pimbas sexy, as Doce. Quem não se lembra dos escândalos em redor deste grupo feminino e as letras, sempre tão cheias de significado.
De repente, a iluminação. Surge o Quim Barreiros a fazer as festas da aldeia e outros que tais, e a música Pimba salta para a ribalta. As letras agradam, falam de sexo (aquilo com que muitos que as ouvem apenas podem sonhar), de resmas de gajas boas, que acompanham os cançonetistas nas suas voltas por Portugal, ou de amores descabidos, abandonados que arrancam soluços dos peitos mais afoitos nestas andanças de amor. Falam ainda de já não ser criança, com uma voz capaz de fazer os gatos miarem em noites sem lua, ou de corações feitos de melão, ou melões que não sabem muito bem o seu lugar. Enfim, é a época gloriosa do pimba.
E como as televisões não querem perder a pedalada, vá de atirar com reis pimba, mades in pimba e outros semelhantes a tocar as raias da paranóia pimba. A acompanhar, vêem as revistas que fazem as entrevistas exclusivas com os autores, que mostram as casas, e pelo meio até dão umas receitas de culinária, de preferência dos pratos favoritos dos visados, porque isto de servir umas iscas à Ágata ou uns couratos acompanhados de música do Saul até dá outro gosto à vida. E nós pimba.
Maria do Carmo Torres / Site Mulher Portuguesa
E com tanta música a soar aos ouvidos não podia esquecer-me do pimba. É um dos termos mais inteligentes que surgiram nos últimos anos, e como em tudo, o português imediatamente o adoptou na sua linguagem, usando o termo pimba para tudo e para todos.
Mas afinal o que é o Pimba, essa palavra tão ouvida e usada? Devemo-la a Emmanuel e a um programa-reportagem de um qualquer canal televisivo. Emmanuel cantou o ‘Rapazes da vida airada...’ e o pimba pegou.
Ele são os políticos pimba, nas palavras dos mais avisados comentadores políticos que agora fazem a sua apresentação nos ecrãs televisivos, ele é o Governo Pimba na voz dos da oposição, é o Estado Pimba que soa aos ouvidos de quem faz luta contra as medidas impostas, enfim, para tudo serve o pimba.
Este termo foi primeiramente aplicado para a música que se dizia popular, outro termo para o bem conhecido nacional-cançonetismo, dos tempos da velha senhora, e que afastava com as vozes da altura, os temores e desgraças da época. Passou-se depois para os cantares revolucionários, entoados por mil gargantas. Depois veio o tempo do romantismo com Marco Paulo, José Cid, Carlos Paião e as primeiras Pimbas sexy, as Doce. Quem não se lembra dos escândalos em redor deste grupo feminino e as letras, sempre tão cheias de significado.
De repente, a iluminação. Surge o Quim Barreiros a fazer as festas da aldeia e outros que tais, e a música Pimba salta para a ribalta. As letras agradam, falam de sexo (aquilo com que muitos que as ouvem apenas podem sonhar), de resmas de gajas boas, que acompanham os cançonetistas nas suas voltas por Portugal, ou de amores descabidos, abandonados que arrancam soluços dos peitos mais afoitos nestas andanças de amor. Falam ainda de já não ser criança, com uma voz capaz de fazer os gatos miarem em noites sem lua, ou de corações feitos de melão, ou melões que não sabem muito bem o seu lugar. Enfim, é a época gloriosa do pimba.
E como as televisões não querem perder a pedalada, vá de atirar com reis pimba, mades in pimba e outros semelhantes a tocar as raias da paranóia pimba. A acompanhar, vêem as revistas que fazem as entrevistas exclusivas com os autores, que mostram as casas, e pelo meio até dão umas receitas de culinária, de preferência dos pratos favoritos dos visados, porque isto de servir umas iscas à Ágata ou uns couratos acompanhados de música do Saul até dá outro gosto à vida. E nós pimba.
Maria do Carmo Torres / Site Mulher Portuguesa
sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013
O pequenino «artista»
TVisto
Um dia destes, talvez à falta de melhor tema, talvez não, Margarida Marante foi saber como é que criancinhas que o "showbiz" vedetarizou, os chamados "artistas de palmo e meio", compatibilizam a sua condição de meninos com a alegada condição de prodígios. Para isso, chamou aos estúdios da SIC a Maria Armanda, que há anos teve um grande êxito a cantar que vira um sapo, Ana Malhoa, cançonetista de segunda geração e apresentadora do "Bueréré", Saúl, discípulo e versão miniaturizada do Quim Barreiros. Quem assistiu à emissão teve o gosto de verificar que Maria Armanda não confirmou as previsões pessimistas dos que em tempos miraram, consternados, a bonequinha de unhas precocemente pintadas em que tinham transformado a criança que afinal foi capaz de crescer e tornar-se uma criatura tão normal que até foi condenada pelo mercado de trabalho a aplicar uma licenciatura em Letras nas funções de telefonista. Quanto a Ana Malhoa, foi discreta e disse o que dela poderia esperar-se com algum optimismo, isto é, teve uma prestação que pouco ou nada adiantou ao tema em debate. Também passou pelo programa aquela pequena convenientemente esquálida que recentemente surgiu, diz-se, como modelo de grande grandeza internacional, mas como ela só se tornou vedeta aos catorze anos dificilmente pode ser arrolada como menina-prodígio. O pequeno Saúl, esse sim, foi uma presença talvez mais que significativa, impressionante. Com ele veio o pai, que deu muitos sinais de estar feliz com o êxito do filho, e ainda bem. Mas o garoto, se é que esta palavra ainda se justifica plenamente, deu para pensar.
O Saul tem, como todos viram, o ar de um adulto em escala reduzida e, ainda isso não deva ser o mais importante, é talvez um dado menos esperado e justificador de uma vaga inquietação.
O importante, porém, é o próprio Saul e o que o Saul faz, isto é, o que ele canta. Porque, como se sabe, o Saul não canta umas canções quaisquer: o seu repertório é constituído total ou maioritariamente por canções do Quim Barreiros ou no estilo de Quim Barreiros. Saul chamou-lhe "brejeiras". Não são, pelo menos no que diz respeito às mais representativas: são obscenas, e dizê-Ias brejeiras é utilizar um semi eufemismo que visa furtá-las à adequada qualificação. E, acentue-se, não são obscenas por aludirem a coisas do sexo. O sexo não tem nada de obsceno, e decerto serão poucos os que sustentam terem nascido na sequência de uma obscenidade. O que é obsceno, isso sim, é o preconceito reles que por complexos motivos culturais (em melhor rigor, anticulturais) hostilizam o sexo e contra ele se mobilizam, quer utilizando um discurso falsamente purista e moralizador quer lapidando-o sob o arremesso de pilhérias onde o despeito e as frustrações tentam disfarçar-se sob o esfarrapado manto da graça rasteira.
Apedrejar o sexo
Tal como o Quim Barreiros, o pequeno Saul colhe as suas munições "artísticas" nesse velho arsenal. Mas não é o Quim, mas sim o Saul, que aqui interessa e que interessou à pesquisa de Margarida Marante. Com algum visível embaraço, a jornalista perguntou ao miudo se ele sabia do que estava a falar em certas das suas cantigas, e o artista respondeu, com os seus gestos de adulto prematuro, que sim senhora, é claro que sabia. Admitamos que sim, que tem uma ideia necessariamente teórica e crua dos temas que lhe fornecem. A questão é que, apesar da sua precocidade, não é de crer que ele saiba, com um saber todo de experiência feito, da pulsão sexual, das relações sempre delicadas e parcialmente misteriosas entre sensualidade e sentimento, da intimidade entre desejo e amor.
Quer dizer: o que dificilmente ele pode saber, porque se trata de uma sabedoria que lhe é praticamente inacessível, é que as suas cantigas avacalham um universo de realidades cuja abordagem em termos de seriedade continua a ser extremamente difícil, mesmo nos dias de hoje, liberalizadores de comportamentos.
Posto isto, a interrogação que me surge tem a ver com o que vai ser Saul, quando deixar de ser pequenino, perante a vida sexual e sentimental e alheia. Com razão ou sem ela, tenho como certo que a sua educação sexual mais a do auditório infantil que segundo ele é o que mais gosta de ouvi-lo é a pior possível. E isso tem consequências, para si e para os outros, até porventura para os que hoje não pareciam por aí além a sua actividade artística. É um preço a pagar, sem dúvida. Pequeno preço, certo, na avaliação do seu feliz pai. Preço difícil de fixar, mesmo só por cálculo aproximativo, se não nos alhearmos do efeito deseducador das cantigas reles num país secularmente hostil a um entendimento do sexo em termos de seriedade ou, talvez mellhor, da mera inteligência. Continua a não ser raro, entre nós, que a garota apedreje um casal de cães surpreendido em plena cópula. Mas comparado o pequeno Saul, na esteira do espigadote Barreiros ganhou notoriedade a apedrejar com versalhada de pé-quebrado alguns aspectos da sexualidade corrente. Ouvimos contar que o produto dessa industria está a ser amealhado para benefício futuro, seu e dos seus irmãos. A mim, contudo, ficou a preocupar-me a contabilização não feita dos prejuízos decorrentes de tão feliz actividade «artística».
Correia da Fonseca, Avante! Nº 1266, 05/03/1997
sábado, 2 de fevereiro de 2013
Fãs seguem primeira tournée de Mickael Carreira
Foi em Guimarães onde, a 10 de Fevereiro, reuniu 10 mil fãs num pavilhão multiusos, que Mickael Carreira lançou a tournée do seu primeiro disco, "Mickael", que já vendeu mais de 60 mil cópias.
Um mês depois, mobilizou mais cinco mil para um espectáculo em Espinho exactamente à mesma hora em que o pai, Tony Carreira, dava outro concerto em Lisboa. Com os espectáculos simultâneos de pai e filho, Mickael terá perdido alguns espectadores, mas confirmou que tem público próprio e que até já disputa ao pai fãs comuns.
Seguem-se, na rota de Mickael, Caldas da Rainha (dia 01 de Abril), Luxemburgo (dia 14), Matosinhos (21) e Estremoz (28). A partir de agora - prognostica uma fã no bog Mickaelcareira-fas.blogspot.com - "vão ser só `babes` [miúdas] a suspirar por ti". O clã Carreira canta sobretudo histórias de amores perdidos e nunca esquecidos, por razões que raramente se explicam, mas que se lamentam amarguradamente.
"Eu só vivi um grande amor / Junto a ti / Mas também a primeira dor / Quando te perdi", proclama Mickael na canção "Amar", talvez o seu maior êxito.
Perdi o teu amor / Não sei se o volto a ter / Mas tu és a razão de eu viver", completa em "Dou A Vida Por Ti", uma canção escrita por Ricardo Landum.
Igualmente sob letra de Landum, o pai, Tony, passa uma mensagem similar no seu maior sucesso: lamuria o "destino infiel" de um "amante atraiçoado" e "marido mal-amado", remetido à "solidão e ao desgosto mais chorado". Num caso e noutro, as canções afirmam-se como fórmula eficaz para fazer suspirar românticas incuráveis, que se revêem nos quadros de desilusão amorosa traçados, ou que, simplesmente, vislumbram no palco o exemplo do homem perfeito para amar, o "sexy simbol".
As fãs trauteiam, de cor e salteado, as músicas de ambos e detestam que os rotulem de músicos-pimba, um conceito geralmente associado a música de má qualidade. "Pimba é o Emanuel", corrige Carla, 22 anos, uma admiradora de Tony e Mica, residente em Santa Maria da Feira. "Mica e o pai são um caso de sucesso, espalham charme, beleza, simpatia", sentencia Ana Sofia, 26 anos, de Baltar, Paredes, outra admiradora do clã Carreira. "Mickael, muito mais, porque é bonito e tem um corpo perfeito", alvitra outra residente em Paredes, Carla Machado, 16 anos, enquanto espera, a hora de assistir ao segundo concerto do ídolo, na Nave Polidesportiva de Espinho.
Raparigas muito jovens, mas também mulheres de meia-idade, sobressaíam entre a multidão que presenciou o concerto de Espinho. Mas havia igualmente homens rendidos à música do rapaz, como Luís Meireles, 18 anos, vindo do Vale do Sousa.
E até crianças, como Cristiana, 04 anos, de Lisboa, carregada ao colo pela mãe, Maria da Conceição. A pequena Cristina é, de resto, a sócia número 1 do Clube de Fãs de Mickael Carreira, que reúne mais 160 pessoas de Albufeira ao Luxemburgo, segundo informou a mãe.
Algumas das fãs deslocaram-se de Lisboa, em autocarro especialmente fretado, chegando a Espinho às 06:00 da madrugada, 16 horas e meia antes do início do concerto. Vieram depois os inevitáveis arrumadores de automóveis, as roullotes de bifanas e os vendedores de artefactos florescentes para acenar ao ídolo. E o negócio nem correu mal, a avaliar pelo testemunho de Palmira, 55 anos, residente no Porto, que se desloca a todos os espectáculos do "clã" Carreira para vender os artefactos florescentes.
Quanto ao espectáculo, começaria com uma hora de atraso e só acabaria cinco "encores" depois do final anunciado, porque o público exigia sucessivos regressos do cantor ao palco. Mas a missão de Mickael estava ainda longe do fim:
esperavam-no centenas de fãs, em fila indiana, empunhado fotos do cantor, compradas a euro e meio, para o autógrafo da praxe.
"Vai ficar até que lhe peçam o último autógrafo", garantiu João Azeitona, da editora fonográfica de Mickael, a Vidisco.
Agência LUSA, 17/03/2007
Um mês depois, mobilizou mais cinco mil para um espectáculo em Espinho exactamente à mesma hora em que o pai, Tony Carreira, dava outro concerto em Lisboa. Com os espectáculos simultâneos de pai e filho, Mickael terá perdido alguns espectadores, mas confirmou que tem público próprio e que até já disputa ao pai fãs comuns.
Seguem-se, na rota de Mickael, Caldas da Rainha (dia 01 de Abril), Luxemburgo (dia 14), Matosinhos (21) e Estremoz (28). A partir de agora - prognostica uma fã no bog Mickaelcareira-fas.blogspot.com - "vão ser só `babes` [miúdas] a suspirar por ti". O clã Carreira canta sobretudo histórias de amores perdidos e nunca esquecidos, por razões que raramente se explicam, mas que se lamentam amarguradamente.
"Eu só vivi um grande amor / Junto a ti / Mas também a primeira dor / Quando te perdi", proclama Mickael na canção "Amar", talvez o seu maior êxito.
Perdi o teu amor / Não sei se o volto a ter / Mas tu és a razão de eu viver", completa em "Dou A Vida Por Ti", uma canção escrita por Ricardo Landum.
Igualmente sob letra de Landum, o pai, Tony, passa uma mensagem similar no seu maior sucesso: lamuria o "destino infiel" de um "amante atraiçoado" e "marido mal-amado", remetido à "solidão e ao desgosto mais chorado". Num caso e noutro, as canções afirmam-se como fórmula eficaz para fazer suspirar românticas incuráveis, que se revêem nos quadros de desilusão amorosa traçados, ou que, simplesmente, vislumbram no palco o exemplo do homem perfeito para amar, o "sexy simbol".
As fãs trauteiam, de cor e salteado, as músicas de ambos e detestam que os rotulem de músicos-pimba, um conceito geralmente associado a música de má qualidade. "Pimba é o Emanuel", corrige Carla, 22 anos, uma admiradora de Tony e Mica, residente em Santa Maria da Feira. "Mica e o pai são um caso de sucesso, espalham charme, beleza, simpatia", sentencia Ana Sofia, 26 anos, de Baltar, Paredes, outra admiradora do clã Carreira. "Mickael, muito mais, porque é bonito e tem um corpo perfeito", alvitra outra residente em Paredes, Carla Machado, 16 anos, enquanto espera, a hora de assistir ao segundo concerto do ídolo, na Nave Polidesportiva de Espinho.
Raparigas muito jovens, mas também mulheres de meia-idade, sobressaíam entre a multidão que presenciou o concerto de Espinho. Mas havia igualmente homens rendidos à música do rapaz, como Luís Meireles, 18 anos, vindo do Vale do Sousa.
E até crianças, como Cristiana, 04 anos, de Lisboa, carregada ao colo pela mãe, Maria da Conceição. A pequena Cristina é, de resto, a sócia número 1 do Clube de Fãs de Mickael Carreira, que reúne mais 160 pessoas de Albufeira ao Luxemburgo, segundo informou a mãe.
Algumas das fãs deslocaram-se de Lisboa, em autocarro especialmente fretado, chegando a Espinho às 06:00 da madrugada, 16 horas e meia antes do início do concerto. Vieram depois os inevitáveis arrumadores de automóveis, as roullotes de bifanas e os vendedores de artefactos florescentes para acenar ao ídolo. E o negócio nem correu mal, a avaliar pelo testemunho de Palmira, 55 anos, residente no Porto, que se desloca a todos os espectáculos do "clã" Carreira para vender os artefactos florescentes.
Quanto ao espectáculo, começaria com uma hora de atraso e só acabaria cinco "encores" depois do final anunciado, porque o público exigia sucessivos regressos do cantor ao palco. Mas a missão de Mickael estava ainda longe do fim:
esperavam-no centenas de fãs, em fila indiana, empunhado fotos do cantor, compradas a euro e meio, para o autógrafo da praxe.
"Vai ficar até que lhe peçam o último autógrafo", garantiu João Azeitona, da editora fonográfica de Mickael, a Vidisco.
Agência LUSA, 17/03/2007
sexta-feira, 18 de janeiro de 2013
A ditadura do pimba
À SEMELHANÇA do que se passa no mundo da moda, as discotecas e as músicas têm a sua época. O culto da música pimba, por exemplo, em abono da verdade, começou em alguns bares do Bairro Alto há já uns bons anos. Passar músicas de Marco Paulo ou de outros artistas cantantes, no meio de sons progressivos, dava um certo ar de «onda» e quem não entendia essa «corrente» era porque não se inseria na cultura dominante.
Depois, os estudantes espalhados pelo país começaram a contratar os quins barreiros para animarem as festas universitárias. Como uma bola de pinguepongue, essa tendência voltou a Lisboa, mas não para o Bairro Alto. Assaltou as discotecas da zona ribeirinha e quase todas se atreviam a passar uma meia dúzia de faixas pimbas. Dá-se então o fenómeno dos Excesso e companhia.
Mulheres de todas as classes dançavam freneticamente ao som do «Eu sou aquele». Mal ouviam as primeiras batidas invadiam as pistas de dança. Quem não entrava no jogo arriscava-se a ter a casa meio para o morno. Isto, obviamente, nas discotecas ditas comerciais. Aliado ao fenómeno destas músicas portuguesas, surgiram as brasileiras, com Daniela Mercury à cabeça - que hoje é já um verdadeiro pesadelo. Finalmente, apareceram todos os artistas românticos espanhóis e italianos. Assim, as discotecas mais na moda, quando pretendem agitar a clientela, começam a passar uma música desta selecção.
O sucesso é garantido. As mulheres agitam-se de novo. Mas será que alguém acha graça à enésima vez que ouve tal sonoridade? Parece evidente que aqueles que mais tarde o perceberem serão os que ficarão para trás. A moda, essa, terá inventado outra novidade.
Como na música, também os excessos cometidos na capital, em termos de «deboche», se vão alastrando pelo país à medida que vão morrendo no seu foco. O Alcântara-Mar, por exemplo, vai estar fechado uma temporada para obras e para cortar com a imagem dos últimos tempos. Atingiu-se um ponto em que só quase o «bas-fond» gostava de terminar a noite em Alcântara. A história repete-se. Já noutros tempos assim aconteceu. A discoteca, que já foi por diversas vezes a mais emblemática de Lisboa, bateu no fundo e passado uns meses apareceu com toda a força.
É possível que quando reabrir volte a ter o público ideal para o fim de noite. Descamisados com a gravata ao lado, profissionais liberais, prostitutas em folga, travestis, mulheres engraçadas... Esta foi a imagem mais forte do Alcântara e não deixa de ser curioso que actualmente seja a imagem oposta a que está mais a dar.
Com a «bimbalhização» da maioria das discotecas, estou em crer que o Bairro Alto será o grande beneficiado. Também as discotecas e bares do circuito industrial, chamemos-lhe assim, terão mais público. Neste caso estão a Indústria, o Bar do Rio e o Kremlin, que às quintas-feiras, com o «dj» Vibe, tem uma noite, para os amantes do house, inigualável. Para não falar nos outros espaços que possuem uma cultura própria, seja de salsa, merengue, irlandês ou rock. Por este caminho, tudo leva a crer que as danielas mercuris, os excessos, os andrés bocellis e amigos dentro em breve farão parte do passado. A bem da nação.
Vítor Rainho, Expresso, 01/05/1998
Depois, os estudantes espalhados pelo país começaram a contratar os quins barreiros para animarem as festas universitárias. Como uma bola de pinguepongue, essa tendência voltou a Lisboa, mas não para o Bairro Alto. Assaltou as discotecas da zona ribeirinha e quase todas se atreviam a passar uma meia dúzia de faixas pimbas. Dá-se então o fenómeno dos Excesso e companhia.
Mulheres de todas as classes dançavam freneticamente ao som do «Eu sou aquele». Mal ouviam as primeiras batidas invadiam as pistas de dança. Quem não entrava no jogo arriscava-se a ter a casa meio para o morno. Isto, obviamente, nas discotecas ditas comerciais. Aliado ao fenómeno destas músicas portuguesas, surgiram as brasileiras, com Daniela Mercury à cabeça - que hoje é já um verdadeiro pesadelo. Finalmente, apareceram todos os artistas românticos espanhóis e italianos. Assim, as discotecas mais na moda, quando pretendem agitar a clientela, começam a passar uma música desta selecção.
O sucesso é garantido. As mulheres agitam-se de novo. Mas será que alguém acha graça à enésima vez que ouve tal sonoridade? Parece evidente que aqueles que mais tarde o perceberem serão os que ficarão para trás. A moda, essa, terá inventado outra novidade.
Como na música, também os excessos cometidos na capital, em termos de «deboche», se vão alastrando pelo país à medida que vão morrendo no seu foco. O Alcântara-Mar, por exemplo, vai estar fechado uma temporada para obras e para cortar com a imagem dos últimos tempos. Atingiu-se um ponto em que só quase o «bas-fond» gostava de terminar a noite em Alcântara. A história repete-se. Já noutros tempos assim aconteceu. A discoteca, que já foi por diversas vezes a mais emblemática de Lisboa, bateu no fundo e passado uns meses apareceu com toda a força.
É possível que quando reabrir volte a ter o público ideal para o fim de noite. Descamisados com a gravata ao lado, profissionais liberais, prostitutas em folga, travestis, mulheres engraçadas... Esta foi a imagem mais forte do Alcântara e não deixa de ser curioso que actualmente seja a imagem oposta a que está mais a dar.
Com a «bimbalhização» da maioria das discotecas, estou em crer que o Bairro Alto será o grande beneficiado. Também as discotecas e bares do circuito industrial, chamemos-lhe assim, terão mais público. Neste caso estão a Indústria, o Bar do Rio e o Kremlin, que às quintas-feiras, com o «dj» Vibe, tem uma noite, para os amantes do house, inigualável. Para não falar nos outros espaços que possuem uma cultura própria, seja de salsa, merengue, irlandês ou rock. Por este caminho, tudo leva a crer que as danielas mercuris, os excessos, os andrés bocellis e amigos dentro em breve farão parte do passado. A bem da nação.
Vítor Rainho, Expresso, 01/05/1998
sábado, 8 de dezembro de 2012
Solidariedade nunca é em Excesso
CAMPANHA "Solidariedade nunca é em Excesso"
Os Excesso visitaram no passado mês de Dezembro, durante quatro dias, as crianças doentes de mais de uma dezena de Hospitais e Centros Sociais em Lisboa e Porto. Dias 9 e 10 visitaram os Hospitais de Lisboa, e nos dias 16 e 17 estiveram de visita aos Hospitais da região do Porto. As crianças tiveram como prenda de Natal a companhia dos EXCESSO que ofereceram uma t-shirt a cada uma e que, pela receptividade verificada, contribuiram para um Natal diferente para estas crianças. Segundo Nuno Carvalho, produtor dos Excesso e autor desta iniciativa "a ideia foi incentivar as crianças a uma rápida recuperação com a presença dos Excesso e com a oferta de t-shirts com a foto da banda unida pelas mãos e a frase Eu Sou Um Excesso". Esta iniciativa deveu-se ao facto da existência de inúmeras solicitações por parte das crianças doentes em conhecerem os EXCESSO. Desta forma pretendeu-se encher de alegria as crianças doentes para as quais a vida não é um excesso e pelos resultados obtidos, pode dizer-se que o objectivo foi conseguido. Segundo os Excesso, resta agora fazer com que este tipo de acção seja contínua para que estas crianças não deixem de acreditar que existe sempre a esperança de verem os seus problemas resolvidos.
Esta iniciativa da NZ Produções teve o apoio da Polygram e da Rádio Renascença.
EXCESSO - EMBAIXADORES D'"A QUINTA"
Os Excesso, a mais famosa boysband portuguesa, tornou-se embaixatriz da Associação "A Quinta", pelo que deram, no passado dia 25 de Setembro em Maiorga/ Alcobaça, um concerto de solidariedade para com as crianças e jovens portugueses desprovidos de um meio familiar normal.
A receita do espectáculo, que contou com a presença de cerca de 1.500 pessoas, reverteu a favor da construção da Aldeia da Associação que será construída no Olival dos Frades, no Parque Natural da Serra D'Aire e Candeeiros, num terreno de nove hectares que contará com seis casas de acolhimento, pavilhão polidesportivo e infra-estruturas de apoio. De referir que este projecto, pioneiro em Portugal, tem sobrevivido até hoje unicamente com donativos angariados na Suiça.
Os Excesso demostraram mais uma vez a sua solidariedade e preocupação pelas crianças e jovens desfavorecidos.
EXCESSO SOLIDÁRIOS
Depois de Maiorga, os Excesso continuam solidários... no passado dia 5 de Outubro estiveram em Matosinhos num concerto de solidariedade para com o povo de Mansoa, no qual participaram inúmeros artistas. O evento que se tornou num marco das acções de solidariedade com a Guiné, teve como objectivo promover a comunicação entre as culturas e angariar o máximo de fundos possíveis destinados às carências deste povo, vítima das atrocidades de uma guerra que fez milhares de mortos. Um espectáculo solidário ao qual os Excesso não poderiam faltar.
Os Excesso visitaram no passado mês de Dezembro, durante quatro dias, as crianças doentes de mais de uma dezena de Hospitais e Centros Sociais em Lisboa e Porto. Dias 9 e 10 visitaram os Hospitais de Lisboa, e nos dias 16 e 17 estiveram de visita aos Hospitais da região do Porto. As crianças tiveram como prenda de Natal a companhia dos EXCESSO que ofereceram uma t-shirt a cada uma e que, pela receptividade verificada, contribuiram para um Natal diferente para estas crianças. Segundo Nuno Carvalho, produtor dos Excesso e autor desta iniciativa "a ideia foi incentivar as crianças a uma rápida recuperação com a presença dos Excesso e com a oferta de t-shirts com a foto da banda unida pelas mãos e a frase Eu Sou Um Excesso". Esta iniciativa deveu-se ao facto da existência de inúmeras solicitações por parte das crianças doentes em conhecerem os EXCESSO. Desta forma pretendeu-se encher de alegria as crianças doentes para as quais a vida não é um excesso e pelos resultados obtidos, pode dizer-se que o objectivo foi conseguido. Segundo os Excesso, resta agora fazer com que este tipo de acção seja contínua para que estas crianças não deixem de acreditar que existe sempre a esperança de verem os seus problemas resolvidos.
Esta iniciativa da NZ Produções teve o apoio da Polygram e da Rádio Renascença.
EXCESSO - EMBAIXADORES D'"A QUINTA"
Os Excesso, a mais famosa boysband portuguesa, tornou-se embaixatriz da Associação "A Quinta", pelo que deram, no passado dia 25 de Setembro em Maiorga/ Alcobaça, um concerto de solidariedade para com as crianças e jovens portugueses desprovidos de um meio familiar normal.
A receita do espectáculo, que contou com a presença de cerca de 1.500 pessoas, reverteu a favor da construção da Aldeia da Associação que será construída no Olival dos Frades, no Parque Natural da Serra D'Aire e Candeeiros, num terreno de nove hectares que contará com seis casas de acolhimento, pavilhão polidesportivo e infra-estruturas de apoio. De referir que este projecto, pioneiro em Portugal, tem sobrevivido até hoje unicamente com donativos angariados na Suiça.
Os Excesso demostraram mais uma vez a sua solidariedade e preocupação pelas crianças e jovens desfavorecidos.
EXCESSO SOLIDÁRIOS
Depois de Maiorga, os Excesso continuam solidários... no passado dia 5 de Outubro estiveram em Matosinhos num concerto de solidariedade para com o povo de Mansoa, no qual participaram inúmeros artistas. O evento que se tornou num marco das acções de solidariedade com a Guiné, teve como objectivo promover a comunicação entre as culturas e angariar o máximo de fundos possíveis destinados às carências deste povo, vítima das atrocidades de uma guerra que fez milhares de mortos. Um espectáculo solidário ao qual os Excesso não poderiam faltar.
segunda-feira, 3 de dezembro de 2012
Os Reis da Música
Em 1997, o Coliseu dos Recreios vestiu-se a preceito para receber a primeira gala dos ‘Reis da Canção Popular’. Lá fora, nem a chuva nem o frio afastaram os artistas nomeados, ansiosos por descobrir qual deles ia levar para casa o tão desejado troféu. A noite já ia longa quando os apresentadores, Cristina Caras Lindas e Marco Paulo, revelaram o nome dos vencedores, eleitos por um júri composto por várias personalidades do ‘showbizz’ nacional. No momento crucial, o silêncio instalou-se na mítica sala de espectáculos da capital, que ficou à espera de ouvir as palavras mágicas dos ‘entertainers’: “E o primeiro lugar vai para... Ágata e Emanuel!”, gritou Caras Lindas. Desvendado o resultado, os dignos vencedores ainda tiveram tempo de fazer o discurso da praxe, para agradecer a ajuda da família, da editora e em especial do público. “Sem o apoio incondicional das pessoas, a carreira de um artista está condenada logo à partida”, explica Emanuel. Na primeira edição dos ‘Reis da Canção Popular’, a chamada música ‘pimba’ estava no auge. A fama era tanta que até foi lançada uma revista com o mesmo nome — ‘Pimba’.
Ágata, ou melhor, Fernanda de Sousa, saboreava ainda o sucesso de ‘Maldito Amor’, lançado em 1995 — onde estava incluído o tema ‘Mãe Solteira’ — e ‘Escrito no Céu’, um êxito graças ao tema ‘Comunhão de Bens’. ‘Podes ficar com o carro e a casa / mas não fiques com ele’, pedia a cantora, à espera da compaixão do público. Uma vez mais, os fãs não lhe viraram as costas e o disco de 1996 fez história. Resultado: Ágata tornou-se numa figura incontornável da música popular portuguesa. Mas não se livrou do rótulo de ‘cantora pimba’: “Não me incomoda nada. O público é a fonte do meu sucesso. Além disso, respeito sempre a opinião dos outros, mesmo que o meu ponto de vista seja diferente”, avança a artista. Apesar de hoje já não ostentar o título de ‘rainha da canção popular’ , ela garante que ainda tem muito para dar: “Não sou pretensiosa, sou sonhadora! Espero um dia ter a recompensa de 30 anos de carreira cheia de alegrias e tristezas”.
O Triunfo dos Anjos A gala ‘Reis da Canção Popular’ até pode ter perdido o fulgor dos primeiros anos, mas em Janeiro de 2003 os artistas voltaram-se a reunir - desta vez no Teatro Maria Vitória — para aplaudir a vitória dos Anjos e do trio feminino Entrevozes. À excepção dos reincidentes irmãos Rosado, 'reis' em 2000, os vencedores dos últimos anos ainda não gozam de um estatuto de vedetas, como acontecia com Mónica Sintra, Micaela ou José Alberto Reis, na década de 90.
Em 2001, o ex-‘Excesso’ João Portugal e a (quase) desconhecida Ana Ritta consagraram-se ‘campeões’, o que só vem provar que a música popular portuguesa tem estado em constante mudança.
E o prémio vai para...
1997 – Ágata e Emanuel
1998 – Micaela e José Alberto Reis
1999 – Mónica Sintra e Excesso
2000 – Anjos
2001 – João Portugal e Ana Rita
2002 – Anjos e Entrevozes
O SHOW POPULAR
“Com a chegada das estações privadas e a ‘guerra’ das audiências televisão, tudo mudou. A partir daí, até a RTP começou a promover a música popular”, recorda o apresentador Carlos Ribeiro. Além do ‘Made In Portugal’, em meados da década de 90, os artistas não perdiam uma oportunidade de ir cantar aos programas ‘Telemúsica’ e ‘Reis da Música Nacional’, ambos na TVI, ou à estação de Carnaxide, mais precisamente ao ‘Big Show SIC’ e à ‘Roda dos Milhões’ – dois projectos do pai da ‘televisão em movimento’, Ediberto Lima. “Também não nos podemos esquecer dos programas de Herman José. Ele sempre incentivou a música ligeira”, afirma o cantor Nelo Silva. Pelo ‘Parabéns’, ‘Herman 99’ (ambos na RTP) ou ‘Herman SIC’ desfilaram alguns dos mais conhecidos cantores populares. O humorista nunca escondeu o seu fascínio pelo Duo Ele e Ela, Zé Cabra, Quim Barreiros, Roberto Leal ou pela ‘sexy’ Claudisabel.
Maria Barbosa, Correio da Manhã, 17/08/2003
Ágata, ou melhor, Fernanda de Sousa, saboreava ainda o sucesso de ‘Maldito Amor’, lançado em 1995 — onde estava incluído o tema ‘Mãe Solteira’ — e ‘Escrito no Céu’, um êxito graças ao tema ‘Comunhão de Bens’. ‘Podes ficar com o carro e a casa / mas não fiques com ele’, pedia a cantora, à espera da compaixão do público. Uma vez mais, os fãs não lhe viraram as costas e o disco de 1996 fez história. Resultado: Ágata tornou-se numa figura incontornável da música popular portuguesa. Mas não se livrou do rótulo de ‘cantora pimba’: “Não me incomoda nada. O público é a fonte do meu sucesso. Além disso, respeito sempre a opinião dos outros, mesmo que o meu ponto de vista seja diferente”, avança a artista. Apesar de hoje já não ostentar o título de ‘rainha da canção popular’ , ela garante que ainda tem muito para dar: “Não sou pretensiosa, sou sonhadora! Espero um dia ter a recompensa de 30 anos de carreira cheia de alegrias e tristezas”.
O Triunfo dos Anjos A gala ‘Reis da Canção Popular’ até pode ter perdido o fulgor dos primeiros anos, mas em Janeiro de 2003 os artistas voltaram-se a reunir - desta vez no Teatro Maria Vitória — para aplaudir a vitória dos Anjos e do trio feminino Entrevozes. À excepção dos reincidentes irmãos Rosado, 'reis' em 2000, os vencedores dos últimos anos ainda não gozam de um estatuto de vedetas, como acontecia com Mónica Sintra, Micaela ou José Alberto Reis, na década de 90.
Em 2001, o ex-‘Excesso’ João Portugal e a (quase) desconhecida Ana Ritta consagraram-se ‘campeões’, o que só vem provar que a música popular portuguesa tem estado em constante mudança.
E o prémio vai para...
1997 – Ágata e Emanuel
1998 – Micaela e José Alberto Reis
1999 – Mónica Sintra e Excesso
2000 – Anjos
2001 – João Portugal e Ana Rita
2002 – Anjos e Entrevozes
O SHOW POPULAR
“Com a chegada das estações privadas e a ‘guerra’ das audiências televisão, tudo mudou. A partir daí, até a RTP começou a promover a música popular”, recorda o apresentador Carlos Ribeiro. Além do ‘Made In Portugal’, em meados da década de 90, os artistas não perdiam uma oportunidade de ir cantar aos programas ‘Telemúsica’ e ‘Reis da Música Nacional’, ambos na TVI, ou à estação de Carnaxide, mais precisamente ao ‘Big Show SIC’ e à ‘Roda dos Milhões’ – dois projectos do pai da ‘televisão em movimento’, Ediberto Lima. “Também não nos podemos esquecer dos programas de Herman José. Ele sempre incentivou a música ligeira”, afirma o cantor Nelo Silva. Pelo ‘Parabéns’, ‘Herman 99’ (ambos na RTP) ou ‘Herman SIC’ desfilaram alguns dos mais conhecidos cantores populares. O humorista nunca escondeu o seu fascínio pelo Duo Ele e Ela, Zé Cabra, Quim Barreiros, Roberto Leal ou pela ‘sexy’ Claudisabel.
Maria Barbosa, Correio da Manhã, 17/08/2003
sexta-feira, 23 de novembro de 2012
Big Show Pimba
Na sociedade actual o "pimba" tornou-se um culto por excelência. Ninguém escapa a este autêntico fenómeno que nos entra todos os dias pela "caixa mágica" que temos em casa. Os programas que o fazem são vários, todos se acham originais, no entanto, se virmos bem, são todos vulgares e de baixo nível.
Um deles é o "big show sic", um programa pimba a todos os níveis que arrasa audiências levando-nos a pensar que a própria sociedade é pimba, inculta e adora todo o tipo de "lixo" televisivo desde que "embalado" num cenário metálico com bailarinas sorridentes que lembram autênticos clones. O exagero é tal que, agora, o dito programa até tem direito a infernizar-nos todos os sábados à tarde, em directo.
Aí os pimbas mostram-se, dizem baboseiras com os "Francisquinhos" ao colo, quebram os limites da futilidade, zangam-se porque "afinal havia outra", fazem-nos acreditar que "já não são bebés", num gozo de mau gosto aflitivo, obrigam-nos a "aguentar com esta" porque afinal "não és homem para mim". À mistura com tudo isto há lugar à revelação de novos talentos com a promessa de "um trono e cem contos".
Não se pode esquecer "o macaquinho das crianças", o tal Hadriano com "H", porque o produtor é brasileiro.
Com tudo isto, o público vibra, faz tudo o que lhe mandam, chora quando o mandam chorar, entra em histeria quando é preciso gritar e venera o "programa do povo".
O júri, no meio de comentários idiotas, lá vai tentando dar credibilidade ao que por lá se faz.
No entanto, se tudo isto acontece é porque algures na nossa sociedade, independentemente de credos, religiões ou posições sociais, há muitos "alguém" que se identificam com o programa.
Uma questão fica no ar: será que neste mundo supérfluo se sobrepõem frivolidades a uma cultura que defenda os nossos valores mais genuínos?
É algo em que devemos pensar, em nome da nossa identidade cultural.
Vanessa Massa (10º ano)
Teia - Escola Secundária de Macedo de Cavaleiros
Março de 1999
http://www.iie.min-edu.pt/edicoes/teia/marco1999/mcavaleiros.htm
terça-feira, 20 de novembro de 2012
sexta-feira, 12 de outubro de 2012
quarta-feira, 22 de agosto de 2012
quarta-feira, 15 de agosto de 2012
Os Sons do Verão - Músicas alegres e brejeiras
As músicas são ritmadas. As letras singelas. As canções apelativas, Fáceis de trautear. Canta-se no mesmo tom o amor, as infidelidades conjugais, as saudades da terra natal .. A alegria domina, a brejeirice é uma constante.
Nas rádios, nas televisões e nas discotecas os números não deixam margens para dúvidas no Verão, Quim Barreiros, Emanuel, Roberto Leal, Nel Monteiro, José Malhoa, José Alberto Reis e Ágata, entre muitos outros, são os cantores que os portugueses preferem ouvir, São eles os campeões de vendas, os Principais, garantes de dinheiro em caixa das editoras.
Nel Monteiro é exemplo de um intérprete bem-sucedido. Fez um contrato fabuloso com a Sony e é um dos artistas que em Portugal mais recebe de direitos de autor.
Música «popularucha», «ligeira», de «raiz popular», música «pirosa» — estes os rótulos com que uns e outros referem à música que no Verão invade as discotecas, os arraiais e as colectividades, os canais de rádio e da TV e os respectivos espaços publicitários.
«Quando quero ver o meu amor/Pego num burrito e lá vou eu/Lá vou eu».
- Canções imediatas
Margarida André, uma das apresentadoras do Top Mais, no Canal 1, afirma que são os emigrantes quem mais se identificam com Quim Gouveia ou Rio do Cabo. Diz que o conceito de música ligeira é vago e engloba desde os Madredeus ao Nel Monteiro. Este conceito está já ultrapassado, afirma.
As editoras apostam no Verão, porque sabem que esta é a altura certa para vender um determinado tipo de música, que é menos consistente, mais leve, mais ritmada, explica ainda Margarida André, do Top Mais.
Na caracterização dos sons dos discos que invadem o Verão, Carlos Ribeiro, apresentador do Made in Portugal, tem igual opinião: As canções são mais imediatas, as melodias são alegres e divertidas, não agridem ninguém. Isto explica o êxito deste tipo de música entre as franjas de um público mais selectivo.
Quem neste jogo de gostos acabam por ser penalizados são intérpretes como Rita Guerra, Zé Carvalho ou Nucha, por exemplo. Carlos Ribeiro explica porquê: A qualidade destes cantores é indiscutível. Todavia, eles nunca chegam a dar o salto comercial, porque os portugueses preferem continuar a comprar um disco de um intérprete estrangeiro a um trabalho destes cantores.
- Fronteiras diluídas
O apresentador do Made in Portugal entende que as fronteiras entre a música popular portuguesa e a música ligeira estão cada vez mais diluídas. Antigamente, os cantores de emigração não tinham tanta abertura em Portugal. Hoje, tudo mudou. E as canções de melodia mais acessível passam mais facilmente devido à guerra das audiências que se instalou nas rádios e nas televisões.
Diz Carlos Ribeiro que depressa as estações de televisão perceberam que era preciso dar
abertura e espaço à música mais popularucha para prenderem audiências.
Quanto aos lançamentos de Verão, acrescenta: Artistas como Nel Monteiro ou Emanuel vivem um ano inteiro dos trabalhos que lançam nesta altura.
José Orlando, produtor e autor de Telemúsica, programa da TVI apresentado por Magna Cristina, fala dos preconceitos das gentes das grandes cidades relativamente à música de cariz mais popular: o público prefere canções alegres, simples e que nem por isso deixam de ter conteúdo. É preciso dar às pessoas
o que elas gostam de ouvir. Com o tempo acabarão por se tornar mais exigentes, afirma José Orlando, que também é compositor.
Os emigrantes são gente que, habituada a conviver com outras posturas culturais, não têm preconceitos, factor que ajuda a explicar o sucesso da música de cariz mais popular, acrescenta.
«Sai, sai da minha vida/Vai, não te quero ver/Sai sem um queixume/E leva o perfume da outra mulher.»
- Mitigar saudades
João Afonso, responsável pela área de marketing da Sony Music, em Portugal, diz que a chegada dos emigrantes e as férias tornam os portugueses mais permeáveis a um determinado tipo de música. Aquilo que ele designa por música popularucha, referindo-se às composições de raiz popular e de ritmo simples.
No Verão, as pessoas partem de férias e instalam-se em hotéis e parques de campismo. Passam muito tempo na praia e ao volante dos automóveis. Estão, por isso, pouco disponíveis para consumirem um disco por inteiro.
Nesta altura — diz João Afonso —, e em função da camada de emigrantes que visita o nosso país, surge um tipo de música que se consome mais e é composta por temas brejeiros, música que se ouve nas festas e romarias que nesta altura do ano se realizam de norte a sul do País. No final das férias, os emigrantes levam consigo os discos que lhe servem para mitigar saudades do País natal.
Porém, não só da música popularucha vivem o Verão e os portugueses. Além da compilação da indústria, disco que reúne os grandes êxitos dos últimos seis meses — trabalho que a Sony já vendeu 60 mil unidades — são também êxito alguns dos lançamentos mundiais em que as editoras mais apostaram e que estão neste momento incluídos nos Tops.
Eugénia Ribeiro / TV Guia, Agosto 1995
Nas rádios, nas televisões e nas discotecas os números não deixam margens para dúvidas no Verão, Quim Barreiros, Emanuel, Roberto Leal, Nel Monteiro, José Malhoa, José Alberto Reis e Ágata, entre muitos outros, são os cantores que os portugueses preferem ouvir, São eles os campeões de vendas, os Principais, garantes de dinheiro em caixa das editoras.
Nel Monteiro é exemplo de um intérprete bem-sucedido. Fez um contrato fabuloso com a Sony e é um dos artistas que em Portugal mais recebe de direitos de autor.
Música «popularucha», «ligeira», de «raiz popular», música «pirosa» — estes os rótulos com que uns e outros referem à música que no Verão invade as discotecas, os arraiais e as colectividades, os canais de rádio e da TV e os respectivos espaços publicitários.
«Quando quero ver o meu amor/Pego num burrito e lá vou eu/Lá vou eu».
- Canções imediatas
Margarida André, uma das apresentadoras do Top Mais, no Canal 1, afirma que são os emigrantes quem mais se identificam com Quim Gouveia ou Rio do Cabo. Diz que o conceito de música ligeira é vago e engloba desde os Madredeus ao Nel Monteiro. Este conceito está já ultrapassado, afirma.
As editoras apostam no Verão, porque sabem que esta é a altura certa para vender um determinado tipo de música, que é menos consistente, mais leve, mais ritmada, explica ainda Margarida André, do Top Mais.
Na caracterização dos sons dos discos que invadem o Verão, Carlos Ribeiro, apresentador do Made in Portugal, tem igual opinião: As canções são mais imediatas, as melodias são alegres e divertidas, não agridem ninguém. Isto explica o êxito deste tipo de música entre as franjas de um público mais selectivo.
Quem neste jogo de gostos acabam por ser penalizados são intérpretes como Rita Guerra, Zé Carvalho ou Nucha, por exemplo. Carlos Ribeiro explica porquê: A qualidade destes cantores é indiscutível. Todavia, eles nunca chegam a dar o salto comercial, porque os portugueses preferem continuar a comprar um disco de um intérprete estrangeiro a um trabalho destes cantores.
- Fronteiras diluídas
O apresentador do Made in Portugal entende que as fronteiras entre a música popular portuguesa e a música ligeira estão cada vez mais diluídas. Antigamente, os cantores de emigração não tinham tanta abertura em Portugal. Hoje, tudo mudou. E as canções de melodia mais acessível passam mais facilmente devido à guerra das audiências que se instalou nas rádios e nas televisões.
Diz Carlos Ribeiro que depressa as estações de televisão perceberam que era preciso dar
abertura e espaço à música mais popularucha para prenderem audiências.
Quanto aos lançamentos de Verão, acrescenta: Artistas como Nel Monteiro ou Emanuel vivem um ano inteiro dos trabalhos que lançam nesta altura.
José Orlando, produtor e autor de Telemúsica, programa da TVI apresentado por Magna Cristina, fala dos preconceitos das gentes das grandes cidades relativamente à música de cariz mais popular: o público prefere canções alegres, simples e que nem por isso deixam de ter conteúdo. É preciso dar às pessoas
o que elas gostam de ouvir. Com o tempo acabarão por se tornar mais exigentes, afirma José Orlando, que também é compositor.
Os emigrantes são gente que, habituada a conviver com outras posturas culturais, não têm preconceitos, factor que ajuda a explicar o sucesso da música de cariz mais popular, acrescenta.
«Sai, sai da minha vida/Vai, não te quero ver/Sai sem um queixume/E leva o perfume da outra mulher.»
- Mitigar saudades
João Afonso, responsável pela área de marketing da Sony Music, em Portugal, diz que a chegada dos emigrantes e as férias tornam os portugueses mais permeáveis a um determinado tipo de música. Aquilo que ele designa por música popularucha, referindo-se às composições de raiz popular e de ritmo simples.
No Verão, as pessoas partem de férias e instalam-se em hotéis e parques de campismo. Passam muito tempo na praia e ao volante dos automóveis. Estão, por isso, pouco disponíveis para consumirem um disco por inteiro.
Nesta altura — diz João Afonso —, e em função da camada de emigrantes que visita o nosso país, surge um tipo de música que se consome mais e é composta por temas brejeiros, música que se ouve nas festas e romarias que nesta altura do ano se realizam de norte a sul do País. No final das férias, os emigrantes levam consigo os discos que lhe servem para mitigar saudades do País natal.
Porém, não só da música popularucha vivem o Verão e os portugueses. Além da compilação da indústria, disco que reúne os grandes êxitos dos últimos seis meses — trabalho que a Sony já vendeu 60 mil unidades — são também êxito alguns dos lançamentos mundiais em que as editoras mais apostaram e que estão neste momento incluídos nos Tops.
Eugénia Ribeiro / TV Guia, Agosto 1995
terça-feira, 31 de julho de 2012
Verão na Aldeia Regresso à Terra do Demo
O demónio gosta de manter as distâncias. Enfeitiça-nos melhor de longe. A prova são estas fotografias emolduradas sobre as cabeças dos clientes. Não há café nem restaurante das terras do demo que abdique de uma vista aérea da região, pendurada na parede. São paisagens verdejantes, aprazíveis, enganadoras. Cá em baixo não é assim. De perto, coberta de pedras e pinheiros, a terra tem o rosto crispado da intempérie. É infértil, inútil, couraçada e surda. Não corresponde o amor dos seus filhos e eles fogem.
Engrácia Teixeira e Leontino Pereira, 54 e 58 anos, na sua casa de dois andares, decorada com motivos de xisto, em Arcas. As vizinhas elegeram Engrácia para contar a história que é comum a todos, porque ela é "toda rigolota, gosta de rigoler". Chegaram à estação da Guarda, em 1972, sem autorizações para viajar. O passador já lá estava à espera. Foram com outro casal, de carro, durante a noite. Atravessaram clandestinamente a fronteira, pararam em Aix, de madrugada. "Então isto é que é a França? Pinheiros também temos lá. Quero voltar para Portugal!", disse Engrácia, toda rigolota. Não voltaram. Trabalhariam os dois, na mesma fábrica de madeiras, 30 anos. No Verão, vêm a Arcas, para a festa, sempre. Uma vez, tiveram de recomeçar o trabalho mais cedo, partiram precisamente no fim-de-semana da Senhora das Seixas, já se ouvia a música na estrada. "Passámos a festa no carro", recorda Leontino. "Foi o dia mais infeliz da minha vida".
Amam a sua terra ao longe. Visitam-na, em Agosto, "para recarregar baterias", como diz o padre Toni, de Sever. É de lá, da França, do Luxemburgo, da Suíça, da Alemanha, que amam a terra que ignorou a sua devoção milenar e submissa. Amam-na como a uma relíquia, uma imagem sonhada conservada numa moldura de ouro, como as paisagens aéreas da Serra da Lapa ou de Leomil nos restaurantes de Sátão, Penalva do Castelo ou Moimenta da Beira. E talvez por isso nunca a reencontrem. Instalam-se com todo o alarde em aldeias-fantasmas, investem tudo nas vilas entretanto convertidas ao mundo global, a que eles resistiram. São náufragos na sua terra, a que mesmo assim dão tudo.
Para eles, o Verão, Agosto, é uma época ritual. Vêm representar uma ilusão. Viver na aldeia com os recursos que apenas possuem porque deixaram a aldeia. Vêm todos os anos, nunca falham. Pouco importa que a aldeia seja imaginária e que a realidade que vivem seja um mito. Não falham, com uma condição: que haja festa.
Aqui, na Beira Alta, como por todo o Portugal interior e pobre, há festas de arromba em todas as aldeias e vilas. Em honra de um santo padroeiro, com a sua missa e procissão, mas também com baile e concerto de música pimba. Maiores ou menores, consoante o número da população, a sua riqueza ou a sua vontade de marcar pontos na competição desenfreada entre as várias comissões de festas. Nos peditórios que realizam porta a porta, há quem dê 100, 200 ou 500 euros para a organização do evento. A festa é uma demonstração de poder, de vitória sobre a pobreza. Há competição entre as famílias e entre as aldeias e tanto num caso como noutro nem sempre são os mais abastados que contribuem com os maiores donativos.
A pobre Alhais de Cima, que nunca fizera festa, lançou-se este ano na aventura pela primeira vez, graças à iniciativa de três emigrantes, enquanto Queiriga, muito rica, a quem até chamam a aldeia mais francesa de Portugal, teve em tempos uma boa festa mas agora não tem.
Arcas, por exemplo, um lugar da freguesia de Sever, concelho de Moimenta da Beira, não tem mais de 300 habitantes, durante o ano. Em Agosto, reúne milhares de pessoas na festa da Senhora das Seixas, que dura quatro dias seguidos. De sexta a segunda, com o duo Raio Solar a abrir a primeira noite, os irmãos Rui e Marisa, quatro horas seguidas, ele ao órgão, ela, que não chegou a ser seleccionada na Operação Triunfo (injustamente, garante), a cantar. "Aqui é pimba prá frente!"
Folgosa, uma minúscula aldeia numa encosta do rio Paiva, no concelho de Castro Daire, faz uma festa tão atravancada que os carros passam à frente do palco. Os pares dançantes têm de encostar-se à parede, por baixo das janelas e varandas onde famílias inteiras se instalaram para a noite mais importante do ano, enquanto o conjunto enche o exíguo palco com os seus sete músicos e duas bailarinas sexys e rebenta as colunas de som com o top ten da sordidez pimba. "Ponho o carro, tiro o carro, na garagem da vizinha... à hora que eu quiser, à noite e às vezes à tardinha... na garagem apertadinha..."
Raparigas dançam com raparigas, os maridos com as cunhadas, à frente da fila de idosas de preto, sentadas com expressões de dolorosa confusão. O vocalista, cabelo em rabo de cavalo e óculos escuros, canta fora do palco, no meio das pessoas. "Boa noite Folgosa! A próxima música é dedicada à comissão de festas e ao restaurante que nos ofereceu hoje o almoço".
As pacatas Penalva do Castelo ou Sátão reúnem, na praça principal ou da feira, mais pessoas para verem Romana ou Tony Carreira do que a maior parte dos espectáculos da capital. Vêm milhares de pessoas, é matemático, quer se divirtam ou não. Isso depende de quanto se dispuseram a gastar. Se nas aldeias a animação está nas plateias, quase indiferentes a quem debita os repertórios no palco, já nas festas das vilas ela depende em grande medida do artista convidado. Num espectáculo de Tony Carreira, como o do Sátão, o povo exulta num espasmo glorioso, mas numa festa onde apenas houve dinheiro para convidar a Romana, como em Penalva, reina o tédio.
"Olá. Estás bem disposto? Como te chamas? Pedro? Ó Pedrocas..." Romana fala com os espectadores, agora com um rapazito das primeiras filas, depois de ter entrado no palco aos saltos, com duas bailarinas e música em playback. "És tímido Pedrocas? Vou-te fazer uma declaração de amor, tens de aguentar, olhos nos olhos". E começa a canção: "Não és homem para mim, eu mereço muito mais..."
O público fica indiferente. Homenzinhos de casaco puído e boina, senhoras com crianças às cavalitas, fixam o palco com olhares ocos, que parecem atravessar a Romana, hipnotizados pelos holofotes. Alguns, como este gigante de enorme bigode e rosto achatado de Neandertal, estão literalmente de boca aberta, demasiado pasmados para terem alguma reacção. "Sem dúvida que nós gostávamos de mais palmas", queixa-se a Romana. "Mas nós sentimos que vocês estão a gostar de verdade".
O Sátão foi outra coisa. Investiram três mil contos (15 mil euros) no cachet do Tony Carreira, e não se arrependeram. A multidão está eléctrica, mesmo quando ouve a inefável banda de apoio, a Banda-S, de Samuel Ferreira. Dançam, gritam, famílias, grupos de rapazes ou de raparigas, as inevitáveis velhinhas mal-humoradas em cadeiras de praia enterradas no meio da balbúrdia. Rezingam em surdina a cada nova canção dos Banda-S, o que é sem dúvida a sua forma de mostrar que se estão a divertir. Outros mostram-no desferindo pancada uns nos outros, como este pai com os seus três filhos adolescentes. Terá 60 anos e um metro e meio de altura, magro e amarrecado, pele de granito, orelhas de abano, cabeça achatada e olhos azuis a faiscar junto ao nariz bicudo. Ri-se, canta e dança, fora de si de felicidade, e, a cada guinada mais forte de euforia, saltita para dar carolos nas nucas dos filhos, que são iguais a ele, em ponto grande. Não lhes deu tréguas durante toda a festa. "Olha ali... lá vem o Tony..." O imberbe vira a cabeça e pimba, carolo na moleirinha.
"Eu gosto de mamar nos peitos da cabritinha..." A Banda-S em toda a sua pujança. O filho a cantar, o pai a tocar acordeão. Há dois palcos, montados num ângulo de 90 graus. O grande, de Tony Carreira, que mais ninguém pode utilizar, e o da Banda-S, de tubos metálicos, com cobertura de plástico, todo construído a maçarico na garagem de Samuel Ferreira. "Alugo Palco" lê-se por cima das colunas, ao lado de um número de telefone. A multidão dança, mas é óbvio que estão todos impacientes pelo Tony. A banda de apoio tem de tocar antes e depois do concerto principal.
"Até o último bêbado decidir ir embora", queixa-se Samuel Ferreira, 51 anos. "Ando nisto há 30 anos", conta ele, encostado à carrinha que diz "Banda-S Tour 2004". Começou sozinho, a tocar em festas com o acordeão e um altifalante que pendurava numa árvore. Agora actua com os três filhos e dois vizinhos. Além do palco, também fabricou o sistema de som, o P.A., com altifalantes aparafusados em caixas de madeira. Leva 150 contos por espectáculo, incluindo a banda, som, luzes e palco. "Geralmente só dá para a deslocação. Muitas vezes não pagam". Além da música, os filhos trabalham numa serralharia. Mesmo assim, não é suficiente para sobreviver. A família Ferreira come as batatas e feijões que cultiva e as galinhas que cria no quintal da sua casa, em Pedrosas.
O contraste entre os palcos e os veículos das bandas principal e de apoio é chocante. O camião branco gigantesco de Tony Carreira, com todos os milhares de watts de aparelhagens e os 24 elementos da tournée, incluindo os nove músicos e pessoal técnico, humilha a ridícula traquitana de Samuel. "Tivemos de montar o palco de lado, sem condições nenhumas, por causa das exigências deles. Tratam os outros artistas como se fossem lixo. Qualquer dia já não há recintos onde possa tocar. E quem é ele? Há tanta gente a cantar assim ou melhor. A diferença é que não foram à televisão, e não têm um P.A. tão bom. Toda a gente sabe que, hoje em dia, o que faz um bom artista é o P.A.".
A família Ferreira está a tocar há duas horas, sem intervalos entre as músicas. "Dou-te tudo, meu amor, dou-te tudo..." Já ninguém ouve. "Eu gosto de mamar nos peitos da cabritinha..." Ninguém bate palmas, ninguém olha. Aos poucos, as pessoas vão-se voltando para o lado direito, para o outro palco, que está completamente às escuras. De repente acendem-se algumas luzes, para que o pessoal técnico venha dar as últimas aparafusadelas aos tripés e pratos das duas baterias... e acontece o inacreditável: a multidão em peso gira 90 graus. Não importa que a Banda-S continue a tocar: 90 graus de desprezo por eles. Nem que a banda de Tony leve mais uma boa meia-hora até entrar em palco: 90 graus de crueldade, 90 graus de lei do mais forte. A turba tenta chegar-se mais à frente, comprime-se, num sufoco de excitação.
Nos altifalantes ouve-se a voz do organizador da festa: "Pede-se aos pais que não deixem os filhos pendurar-se nas torres das colunas de som. Meninos, não sejam impertinentes, desçam já das colunas de som!"
Rui Rebelo, 40 anos, o organizador da festa, é professor. Acumula a actividade na empresa Companhia das Festas com o ensino de música na Escola Secundária de Vila Nova de Paiva. Desde os pequenos arraiais de aldeia até aos grandes eventos como o de Sátão, encarrega-se de tudo - contrata e aloja os artistas, aluga palcos e aparelhagens, trata das burocracias e até sugere os programas, consoante o dinheiro que há para gastar e o tipo de público da povoação em causa.
"Tony Carreira é o maior, sem comparação. Quer em termos de logística, quer em preço, quer em procura, quer em condições exigidas", explica-nos ele. "Só há outro tão requisitado como ele: o Quim Barreiros, apesar de actuar praticamente sozinho, com o seu acordeão. Toca 30 dias por mês".
Abaixo do Carreira, há artistas como Emanuel ou Toy, com cachets na ordem dos dois mil contos, e depois, num terceiro patamar, Romana, Micaela, Rute Marlene, Ágata, Taiti, Ana Malhoa, que custam à volta de mil contos e não têm material próprio. Marco Paulo e Roberto Leal estão em decadência, já ninguém os quer. Mas Rui disponibiliza-os a todos no seu "catálogo". Onde tem também alternativas mais baratas, como conjuntos de baile ou ranchos folclóricos, "que às vezes actuam só pelo lanche".
Alguns conjuntos regionais, porém, apesar de só tocarem músicas de outros, tornam-se famosos e chegam a atrair mais público do que os cantores pimba de nomeada. É o caso dos "TV 5", que até incluem fogo de artifício nos espectáculos. Recentemente, aliás, fizeram explodir inadvertidamente os foguetes que guardavam debaixo da bateria, durante a actuação, e foram parar ao hospital. Toca o telemóvel. "Está? Uma festa para amanhã? Onde? É um pouco apertado. Já não há artistas livres... Vou ver o que posso arranjar".
O palco está iluminado, Tony Carreira faz-se esperar. A multidão grita "Tony! Tony", entre a devoção e a turbulência. Grupos de rapazes troçam das fãs: "Aiii Tonyyyy!" Lançam bocas para o palco: "Então? Nunca mais se vêm?" Mas quando Tony entra triunfalmente, são os primeiros a render-se, embevecidos, e a entoar as canções que sabem de cor: "Ela foi a minha mais linda história de amoooor..." Tentam armar-se em duros: "Ai, ai, olha para mim a chorar..." mas recaem logo: "Depois de ti mais naaaada..."
Luzes azuis. O cenário de fundo é um céu com estrelas luminosas. Os músicos da secção dos metais vêm de óculos escuros e calças de cabedal negro. Os guitarristas, o baterista e a percussionista, de túnicas. As duas cantoras de branco. O som dos baixos faz estremecer Sátão. "Toda a gente sabe que é o P.A. que faz um bom artista". Tony de fato preto e camisa cor-de-rosa, a fivela do cinto a reluzir, esguio e angélico, segurando magicamente nas mãos grossas, de trabalhador, a multidão em transe e em uníssono.
Tony Carreira, com o irmão e "manager" e a presidente do clube de fãs, está hospedado na estalagem Mira Paiva, que acabou de ser inaugurada e já se transformou numa espécie de residência oficial dos cantores populares. Todos os dias de Agosto tem um diferente, de acordo com o calendário de festas de Rui Rebelo. Todos os dias de Agosto tem também um casamento, no salão da cave, que dura das duas da tarde até às tantas da madrugada, com banquete, baile e cantor pimba. Quase todos emigrantes, os noivos conhecem-se, em muitos casos, na festa de Agosto da sua terra, e marcam o casamento para o Agosto seguinte, também na sua terra, pretexto para fazerem outra festa.
Geralmente, cabe aos noivos a suite especial da estalagem. Não esta noite. Tony Carreira exigiu-a e o casal teve de passar as núpcias num quarto mais modesto. Não obstante, a primeira coisa que fizeram de manhã foi pedir um autógrafo ao cantor.
De início, Tony mostra-se desconfiado com os repórteres da Pública. Sem tirar os óculos escuros, quer saber qual o propósito da entrevista. "Muitos jornalistas dizem que o são mas não é verdade". Recusa-se a contar a história da sua vida, desde a infância na pequena aldeia da Beira Baixa, Armadouro, até à vida de emigrante em França, ao sucesso como cantor. Considera uma ofensa que um jornalista que lhe pede uma entrevista não saiba tudo sobre a sua vida. E tem razão. A alguém que vendeu dois milhões de discos, deu mais de dois mil concertos, 90 por ano só em Portugal, que esgotou o Pavilhão Atlântico, cinco coliseus e três Olimpias, não se pede que nos conte a sua vida, como se fosse um desconhecido. A pergunta que se impõe é outra: como chegou até aqui sem conquistar o respeito dos jornalistas? Porque não lança uma campanha de imagem junto da imprensa "séria"? Resposta: "Se cheguei até aqui sem a ajuda dos jornalistas, não é agora que me vou preocupar com campanhas de imagem".
É um homem marcado pelo ressentimento, embora não o admita nem compreenda o que lhe falta conquistar. "Sei que se cantasse outro género de canções seria visto de outra maneira", mas "um artista como eu não muda o género de canções. Pode mudar a roupagem, mas o estilo não, porque sou eu próprio. Tenho um grande orgulho em ser um artista do povo".
Considera-se um cantor romântico. "Pimbas são as telenovelas portuguesas, e ninguém lhes chama assim. O Julio Iglésias é quem é porque é espanhol. Se fosse português, com todos aqueles tiques, o que lhe chamariam?"
No palco do Sátão, Tony pega na guitarra acústica para cantar as canções antigas. É a sua imagem de marca, o "logotipo" pintado no camião, a silhueta do cantor, caminhando com a guitarra, evocando a ideia do trovador solitário e errante.
"A grande maioria de vocês está de férias por cá, não é?", diz ele, provocando a gritaria da multidão hipnotizada. Começa a cantar, acompanhado por todos, em coro, e de repente parece uma figura irreal, o bardo de um mundo perdido. "Está em mim querer o mundo, sou um eterno vagabundo..."
O filho mais novo da família carolo bamboleia-se, de braços no ar, "sou eterno vagabundo..." O pai, radiante, não perde a oportunidade. "Ai és vagabundo? Então toma!"
Todos agitam os braços no ar, não com isqueiros mas com os telemóveis, a tirar fotografias. Estabelece-se uma estranha e poderosa intimidade. Tony avança para a canção que o torna imortal entre os milhões de emigrantes, o sétimo encore. "Lembro-me de uma aldeia perdida na Beira, a terra que me viu nascer... E hoje a cantar, em cada canção, trago esse lugar no meu coração. Criança que fui e homem que sou, nada mudou".
Está tudo a postos em Arcas, rebentam os foguetes, a festa vai começar. O palco está montado junto à capela da Nossa Senhora das Seixas, num promontório de castanheiros de onde se vêem as serras em redor. O duo Raio Solar começa a cantoria e zás, falha a electricidade. Tudo às escuras e em silêncio. Parece que o céu cheio de estrelas se abate subitamente sobre o recinto. "Alguém tem um isqueiro?", ouve-se do palco.
Confusão. O problema nunca mais é resolvido, os empregados do bar improvisado resolvem ligar o rádio a pilhas. O relato do Benfica-Porto torna-se o som da festa. O presidente da junta sobe a um contentor de lixo, para consertar o quadro eléctrico pendurado num poste. A luz falharia mais onze vezes durante a noite, obrigando o autarca a passar horas em cima do contentor, examinando os complicados circuitos, uma espécie de matrix de toda a festa.
José de Jesus Pereira, presidente da Junta de Freguesia de Sever, de que o lugar de Arcas faz parte, é o mordomo-mor da festa da Senhora das Seixas. Com os restantes cinco mordomos e quatro mordomas, trabalha na organização desde a festa do ano passado. É construtor civil, pelo que construiu o púlpito de cimento para a missa campal quase inteiramente à sua custa. Mas para o resto das despesas conseguiu angariar 60 patrocinadores. "Uma festa como a de Arcas custa muito dinheiro. Cerca de 4500 contos. Só a filarmónica da procissão custa 800 contos. Os mordomos têm de adiantar somas consideráveis, porque o peditório só é feito depois de haver um programa garantido. E as pessoas só dão dinheiro se esse programa for bom".
Os Raio Solar recomeçam. Rui, o organista, tenta animar as hostes: "Vamos então ao tema de Quim Barreiros, a Cabritinha. Quem não gostava de ter uma para mamar?" Faz "Mééé" e manda descer do palco os miúdos que entretanto se sentaram à volta de Marisa, que dança exibindo o decote avantajado: "Larguem lá as tetas da cabrita!"
O pai de Rui e Marisa sonhava ser acordeonista. Como nunca conseguiu, ofereceu um acordeão aos filhos, que, com 12 e 13 anos, formaram uma banda na escola. Mais tarde comprou-lhes outro, de mais de mil contos, incentivando-os à profissionalização. Mas Marisa já tinha 17 anos e os namorados não viam com bons olhos a sua actividade artística. Fez-se escriturária. Só quando conheceu o actual marido, que é contabilista, pode voltar aos palcos. Ele aprendeu as técnicas de luz e som nos espectáculos e trabalha agora com ela. Senta-se num canto, ao lado do órgão e só se vê a sua cabecinha a congeminar efeitos com as luzes e a enviar jactos de fumo sobre a esposa e o cunhado.
"Há para aí um sururu, eu estou presa pelo beicinho", canta ela, e todos os habitantes de Arcas dançam, cheios de energia, correndo pelo espaço enorme, como numa festa country, no Kentucky.
Engrácia, a rigolota, não perdia isto por nada do mundo. Lá está ela, mesmo em frente ao palco. "As pessoas agora vestem-se muito bem, eu até me sinto inferior", confessara-nos. "Às vezes dizem: Olha a Engrácia, a francesa. E eu: calma aí! Governei a minha vida, mas sou portuguesa e a minha terra é Arcas!"
Na sua casa nova, no centro da aldeia, tem, por cima da cama, uma fotografia encaixilhada da estátua da Senhora das Seixas, com os brincos que ela própria lhe ofereceu, quando extraiu um seio, em França, operação que em Portugal nunca teria podido fazer. Lá, tem um quadro igual. "Tudo correu bem, graças à Senhora. Tenho muita fé nela. Parece que tem a minha vida nas mãos". Engrácia fala e o marido, Leontino, escuta-a em silêncio. Tal como o filho, Filipe, de 28 anos, que trabalha nas obras em França e também vem a Arcas todos os anos, no seu BMW azul-eléctrico. Engrácia fala a olhar para ele, com o neto ao colo, Dilen. "Ninguém imagina como era a vida aqui, há 30 ou 40 anos. Havia fome... Sentíamos que não éramos ninguém, sem a Senhora para nos proteger. Às vezes, numa hora fraquinha que a gente tem... quando tive a minha primeira depressão dos nervos, estava ali, deitada na cama, e vi-a, por trás dos meus dois filhos. Eu vi-a, a Senhora das Seixas. Chorei, chorei, chorei", conta Engrácia, a rigolota.
Domingo de manhã é a procissão. Parte da estrada principal e sobe pela aldeia, até à capela. Treze andores, cada um com o seu santo e decorado e patrocinado por uma família, são puxados por tractores. Entre eles, um cortejo de figurantes, homens, mulheres e crianças rigorosamente trajados de personagens bíblicas. Um letreiro nas costas diz: "São José", "São Rafael", "Judeu". A menina que vai de Santa Helena, de uns cinco anos, o menino Santo António, a menina Sagrado Coração de Maria vão muito cansados, as mordomas correm de um lado para o outro, a dar-lhes água. Filipe, o filho de Engrácia, conduz o tractor da Senhora da Conceição. Patrícia, uma menina loira e gorducha, de 12 anos e ténis cor de rosa, vai de Senhora das Seixas. Anda no 7º ano, os pais estão na Suíça. Atrás dos tractores vem uma jovem vestida de noiva, a Priora da procissão, depois os 60 músicos da Fanfarra da Portela de Vila Real, tocando uma marcha muito bela e quase fúnebre de Ilídio Costa, e ainda, debaixo de uma sombrinha segurada por quatro escudeiros, o bispo. Um bispo verdadeiro, não de fantasia. Ou pelo menos um ex-bispo. Depois vem o resto da população. Ouve-se falar francês. Vêem-se, ao longe, os contornos suaves, enganadores, da Serra da Lapa, entre as silhuetas altivas das casas dos emigrantes e as outras, de pedra, vergadas, aninhadas no chão.
Chegados ao promontório, instalam-se no palco, com a orquestra e o coro de crianças, o bispo e o pároco de Sever, António Furtado Duarte.
O Padre Toni chegara ao café Jardim, de Moimenta da Beira, no Seat diesel com 180 mil quilómetros de que é inseparável (não fosse o seu endereço de email Seatoni@iol.pt), para uma missão difícil: explicar-nos porque vêm os emigrantes às festas da aldeia, todos os anos. Divide-os em dois grupos: "Os que partiram nas décadas de 60 e 70 não perderam os valores tradicionais, partiram apenas para ganhar dinheiro. Os que foram em 80 e 90 têm outra mentalidade. Permanecem no estrangeiro até que os filhos acabem os cursos, para que fiquem lá. Muitos já não casam com portugueses e já não passam as férias todas na terra. Passam por lá, mas partem para Fátima e depois para o Algarve".
A festa da aldeia serve para o reencontro das várias gerações - a dos velhos, que ficaram, e estas duas dos que partiram. "Os velhos criticam os hábitos aculturados dos mais novos. Se uma rapariga usa mini-saia ou sai à noite, isso é censurado, há má língua. E isso tem uma função cultural reguladora. A festa promove o encontro inter-geracional, o encontro da grande família. Os casamentos são muito importantes. Mas a morte também. As pessoas vêm aos funerais. São momentos de tristeza imensa. Ainda há pouco tempo morreu aqui uma avó e juntou-se uma multidão, de todas as idades, vinda de todo o lado. Ela era uma referência para todas essas pessoas, uma espécie de Deus na terra".
A religião oferece os veículos para esse reencontro -s os santos, os casamentos, os baptizados, explica Toni, que nunca faz férias, para se dedicar aos projectos de erradicar a pobreza e o analfabetismo da região e da construção de dois lares de terceira idade. "As pessoas têm uma visão consumista da religião. Usam-lhe apenas os serviços que lhes convêm, sem qualquer ligação ao sagrado. E a Igreja adapta-se, colabora nessa visão consumista, vende-se".
No palco da Senhora das Seixas, D. Rafael, que é da região, foi bispo de Bragança e agora está reformado, começa o seu orbicular discurso, entre cânticos, sibilando os ss. "Senhora das Seixas, Raínha das Arcas, flor de todas as ladaínhas... Senhora da Conceição, Senhora da Apresentação, Senhora das Pombas Brancas, das Seixas de Teu nome, Senhora... Rainha de São José, Raínha das Seixas, Rainha das Pombas, Rainha da Paz. Ó Mãe, Ó Rainha das nossas almas Ó Rainha das Seixas!" É o bispo possível, o que se arranjou. Está caquético, mas sempre é um bispo, isso é que importa. Que aldeia das Beiras se pode gabar de ter um bispo na festa?
Estão todos a assistir. Engrácia e a família, o presidente da Junta, sempre atento ao quadro eléctrico...
São a procissão finalmente no adro, a miragem de um país à parte, a fazer o seu próprio caminho. Um país sozinho. Sozinhos subiram pela aldeia, com os seus 13 andores e o seu bispo. Sozinhos chegaram ao terreiro da festa.
Paulo Moura / Revista Pública (Público), 12/09/2004
Engrácia Teixeira e Leontino Pereira, 54 e 58 anos, na sua casa de dois andares, decorada com motivos de xisto, em Arcas. As vizinhas elegeram Engrácia para contar a história que é comum a todos, porque ela é "toda rigolota, gosta de rigoler". Chegaram à estação da Guarda, em 1972, sem autorizações para viajar. O passador já lá estava à espera. Foram com outro casal, de carro, durante a noite. Atravessaram clandestinamente a fronteira, pararam em Aix, de madrugada. "Então isto é que é a França? Pinheiros também temos lá. Quero voltar para Portugal!", disse Engrácia, toda rigolota. Não voltaram. Trabalhariam os dois, na mesma fábrica de madeiras, 30 anos. No Verão, vêm a Arcas, para a festa, sempre. Uma vez, tiveram de recomeçar o trabalho mais cedo, partiram precisamente no fim-de-semana da Senhora das Seixas, já se ouvia a música na estrada. "Passámos a festa no carro", recorda Leontino. "Foi o dia mais infeliz da minha vida".
Amam a sua terra ao longe. Visitam-na, em Agosto, "para recarregar baterias", como diz o padre Toni, de Sever. É de lá, da França, do Luxemburgo, da Suíça, da Alemanha, que amam a terra que ignorou a sua devoção milenar e submissa. Amam-na como a uma relíquia, uma imagem sonhada conservada numa moldura de ouro, como as paisagens aéreas da Serra da Lapa ou de Leomil nos restaurantes de Sátão, Penalva do Castelo ou Moimenta da Beira. E talvez por isso nunca a reencontrem. Instalam-se com todo o alarde em aldeias-fantasmas, investem tudo nas vilas entretanto convertidas ao mundo global, a que eles resistiram. São náufragos na sua terra, a que mesmo assim dão tudo.
Para eles, o Verão, Agosto, é uma época ritual. Vêm representar uma ilusão. Viver na aldeia com os recursos que apenas possuem porque deixaram a aldeia. Vêm todos os anos, nunca falham. Pouco importa que a aldeia seja imaginária e que a realidade que vivem seja um mito. Não falham, com uma condição: que haja festa.
Aqui, na Beira Alta, como por todo o Portugal interior e pobre, há festas de arromba em todas as aldeias e vilas. Em honra de um santo padroeiro, com a sua missa e procissão, mas também com baile e concerto de música pimba. Maiores ou menores, consoante o número da população, a sua riqueza ou a sua vontade de marcar pontos na competição desenfreada entre as várias comissões de festas. Nos peditórios que realizam porta a porta, há quem dê 100, 200 ou 500 euros para a organização do evento. A festa é uma demonstração de poder, de vitória sobre a pobreza. Há competição entre as famílias e entre as aldeias e tanto num caso como noutro nem sempre são os mais abastados que contribuem com os maiores donativos.
A pobre Alhais de Cima, que nunca fizera festa, lançou-se este ano na aventura pela primeira vez, graças à iniciativa de três emigrantes, enquanto Queiriga, muito rica, a quem até chamam a aldeia mais francesa de Portugal, teve em tempos uma boa festa mas agora não tem.
Arcas, por exemplo, um lugar da freguesia de Sever, concelho de Moimenta da Beira, não tem mais de 300 habitantes, durante o ano. Em Agosto, reúne milhares de pessoas na festa da Senhora das Seixas, que dura quatro dias seguidos. De sexta a segunda, com o duo Raio Solar a abrir a primeira noite, os irmãos Rui e Marisa, quatro horas seguidas, ele ao órgão, ela, que não chegou a ser seleccionada na Operação Triunfo (injustamente, garante), a cantar. "Aqui é pimba prá frente!"
Folgosa, uma minúscula aldeia numa encosta do rio Paiva, no concelho de Castro Daire, faz uma festa tão atravancada que os carros passam à frente do palco. Os pares dançantes têm de encostar-se à parede, por baixo das janelas e varandas onde famílias inteiras se instalaram para a noite mais importante do ano, enquanto o conjunto enche o exíguo palco com os seus sete músicos e duas bailarinas sexys e rebenta as colunas de som com o top ten da sordidez pimba. "Ponho o carro, tiro o carro, na garagem da vizinha... à hora que eu quiser, à noite e às vezes à tardinha... na garagem apertadinha..."
Raparigas dançam com raparigas, os maridos com as cunhadas, à frente da fila de idosas de preto, sentadas com expressões de dolorosa confusão. O vocalista, cabelo em rabo de cavalo e óculos escuros, canta fora do palco, no meio das pessoas. "Boa noite Folgosa! A próxima música é dedicada à comissão de festas e ao restaurante que nos ofereceu hoje o almoço".
As pacatas Penalva do Castelo ou Sátão reúnem, na praça principal ou da feira, mais pessoas para verem Romana ou Tony Carreira do que a maior parte dos espectáculos da capital. Vêm milhares de pessoas, é matemático, quer se divirtam ou não. Isso depende de quanto se dispuseram a gastar. Se nas aldeias a animação está nas plateias, quase indiferentes a quem debita os repertórios no palco, já nas festas das vilas ela depende em grande medida do artista convidado. Num espectáculo de Tony Carreira, como o do Sátão, o povo exulta num espasmo glorioso, mas numa festa onde apenas houve dinheiro para convidar a Romana, como em Penalva, reina o tédio.
"Olá. Estás bem disposto? Como te chamas? Pedro? Ó Pedrocas..." Romana fala com os espectadores, agora com um rapazito das primeiras filas, depois de ter entrado no palco aos saltos, com duas bailarinas e música em playback. "És tímido Pedrocas? Vou-te fazer uma declaração de amor, tens de aguentar, olhos nos olhos". E começa a canção: "Não és homem para mim, eu mereço muito mais..."
O público fica indiferente. Homenzinhos de casaco puído e boina, senhoras com crianças às cavalitas, fixam o palco com olhares ocos, que parecem atravessar a Romana, hipnotizados pelos holofotes. Alguns, como este gigante de enorme bigode e rosto achatado de Neandertal, estão literalmente de boca aberta, demasiado pasmados para terem alguma reacção. "Sem dúvida que nós gostávamos de mais palmas", queixa-se a Romana. "Mas nós sentimos que vocês estão a gostar de verdade".
O Sátão foi outra coisa. Investiram três mil contos (15 mil euros) no cachet do Tony Carreira, e não se arrependeram. A multidão está eléctrica, mesmo quando ouve a inefável banda de apoio, a Banda-S, de Samuel Ferreira. Dançam, gritam, famílias, grupos de rapazes ou de raparigas, as inevitáveis velhinhas mal-humoradas em cadeiras de praia enterradas no meio da balbúrdia. Rezingam em surdina a cada nova canção dos Banda-S, o que é sem dúvida a sua forma de mostrar que se estão a divertir. Outros mostram-no desferindo pancada uns nos outros, como este pai com os seus três filhos adolescentes. Terá 60 anos e um metro e meio de altura, magro e amarrecado, pele de granito, orelhas de abano, cabeça achatada e olhos azuis a faiscar junto ao nariz bicudo. Ri-se, canta e dança, fora de si de felicidade, e, a cada guinada mais forte de euforia, saltita para dar carolos nas nucas dos filhos, que são iguais a ele, em ponto grande. Não lhes deu tréguas durante toda a festa. "Olha ali... lá vem o Tony..." O imberbe vira a cabeça e pimba, carolo na moleirinha.
"Eu gosto de mamar nos peitos da cabritinha..." A Banda-S em toda a sua pujança. O filho a cantar, o pai a tocar acordeão. Há dois palcos, montados num ângulo de 90 graus. O grande, de Tony Carreira, que mais ninguém pode utilizar, e o da Banda-S, de tubos metálicos, com cobertura de plástico, todo construído a maçarico na garagem de Samuel Ferreira. "Alugo Palco" lê-se por cima das colunas, ao lado de um número de telefone. A multidão dança, mas é óbvio que estão todos impacientes pelo Tony. A banda de apoio tem de tocar antes e depois do concerto principal.
"Até o último bêbado decidir ir embora", queixa-se Samuel Ferreira, 51 anos. "Ando nisto há 30 anos", conta ele, encostado à carrinha que diz "Banda-S Tour 2004". Começou sozinho, a tocar em festas com o acordeão e um altifalante que pendurava numa árvore. Agora actua com os três filhos e dois vizinhos. Além do palco, também fabricou o sistema de som, o P.A., com altifalantes aparafusados em caixas de madeira. Leva 150 contos por espectáculo, incluindo a banda, som, luzes e palco. "Geralmente só dá para a deslocação. Muitas vezes não pagam". Além da música, os filhos trabalham numa serralharia. Mesmo assim, não é suficiente para sobreviver. A família Ferreira come as batatas e feijões que cultiva e as galinhas que cria no quintal da sua casa, em Pedrosas.
O contraste entre os palcos e os veículos das bandas principal e de apoio é chocante. O camião branco gigantesco de Tony Carreira, com todos os milhares de watts de aparelhagens e os 24 elementos da tournée, incluindo os nove músicos e pessoal técnico, humilha a ridícula traquitana de Samuel. "Tivemos de montar o palco de lado, sem condições nenhumas, por causa das exigências deles. Tratam os outros artistas como se fossem lixo. Qualquer dia já não há recintos onde possa tocar. E quem é ele? Há tanta gente a cantar assim ou melhor. A diferença é que não foram à televisão, e não têm um P.A. tão bom. Toda a gente sabe que, hoje em dia, o que faz um bom artista é o P.A.".
A família Ferreira está a tocar há duas horas, sem intervalos entre as músicas. "Dou-te tudo, meu amor, dou-te tudo..." Já ninguém ouve. "Eu gosto de mamar nos peitos da cabritinha..." Ninguém bate palmas, ninguém olha. Aos poucos, as pessoas vão-se voltando para o lado direito, para o outro palco, que está completamente às escuras. De repente acendem-se algumas luzes, para que o pessoal técnico venha dar as últimas aparafusadelas aos tripés e pratos das duas baterias... e acontece o inacreditável: a multidão em peso gira 90 graus. Não importa que a Banda-S continue a tocar: 90 graus de desprezo por eles. Nem que a banda de Tony leve mais uma boa meia-hora até entrar em palco: 90 graus de crueldade, 90 graus de lei do mais forte. A turba tenta chegar-se mais à frente, comprime-se, num sufoco de excitação.
Nos altifalantes ouve-se a voz do organizador da festa: "Pede-se aos pais que não deixem os filhos pendurar-se nas torres das colunas de som. Meninos, não sejam impertinentes, desçam já das colunas de som!"
Rui Rebelo, 40 anos, o organizador da festa, é professor. Acumula a actividade na empresa Companhia das Festas com o ensino de música na Escola Secundária de Vila Nova de Paiva. Desde os pequenos arraiais de aldeia até aos grandes eventos como o de Sátão, encarrega-se de tudo - contrata e aloja os artistas, aluga palcos e aparelhagens, trata das burocracias e até sugere os programas, consoante o dinheiro que há para gastar e o tipo de público da povoação em causa.
"Tony Carreira é o maior, sem comparação. Quer em termos de logística, quer em preço, quer em procura, quer em condições exigidas", explica-nos ele. "Só há outro tão requisitado como ele: o Quim Barreiros, apesar de actuar praticamente sozinho, com o seu acordeão. Toca 30 dias por mês".
Abaixo do Carreira, há artistas como Emanuel ou Toy, com cachets na ordem dos dois mil contos, e depois, num terceiro patamar, Romana, Micaela, Rute Marlene, Ágata, Taiti, Ana Malhoa, que custam à volta de mil contos e não têm material próprio. Marco Paulo e Roberto Leal estão em decadência, já ninguém os quer. Mas Rui disponibiliza-os a todos no seu "catálogo". Onde tem também alternativas mais baratas, como conjuntos de baile ou ranchos folclóricos, "que às vezes actuam só pelo lanche".
Alguns conjuntos regionais, porém, apesar de só tocarem músicas de outros, tornam-se famosos e chegam a atrair mais público do que os cantores pimba de nomeada. É o caso dos "TV 5", que até incluem fogo de artifício nos espectáculos. Recentemente, aliás, fizeram explodir inadvertidamente os foguetes que guardavam debaixo da bateria, durante a actuação, e foram parar ao hospital. Toca o telemóvel. "Está? Uma festa para amanhã? Onde? É um pouco apertado. Já não há artistas livres... Vou ver o que posso arranjar".
O palco está iluminado, Tony Carreira faz-se esperar. A multidão grita "Tony! Tony", entre a devoção e a turbulência. Grupos de rapazes troçam das fãs: "Aiii Tonyyyy!" Lançam bocas para o palco: "Então? Nunca mais se vêm?" Mas quando Tony entra triunfalmente, são os primeiros a render-se, embevecidos, e a entoar as canções que sabem de cor: "Ela foi a minha mais linda história de amoooor..." Tentam armar-se em duros: "Ai, ai, olha para mim a chorar..." mas recaem logo: "Depois de ti mais naaaada..."
Luzes azuis. O cenário de fundo é um céu com estrelas luminosas. Os músicos da secção dos metais vêm de óculos escuros e calças de cabedal negro. Os guitarristas, o baterista e a percussionista, de túnicas. As duas cantoras de branco. O som dos baixos faz estremecer Sátão. "Toda a gente sabe que é o P.A. que faz um bom artista". Tony de fato preto e camisa cor-de-rosa, a fivela do cinto a reluzir, esguio e angélico, segurando magicamente nas mãos grossas, de trabalhador, a multidão em transe e em uníssono.
Tony Carreira, com o irmão e "manager" e a presidente do clube de fãs, está hospedado na estalagem Mira Paiva, que acabou de ser inaugurada e já se transformou numa espécie de residência oficial dos cantores populares. Todos os dias de Agosto tem um diferente, de acordo com o calendário de festas de Rui Rebelo. Todos os dias de Agosto tem também um casamento, no salão da cave, que dura das duas da tarde até às tantas da madrugada, com banquete, baile e cantor pimba. Quase todos emigrantes, os noivos conhecem-se, em muitos casos, na festa de Agosto da sua terra, e marcam o casamento para o Agosto seguinte, também na sua terra, pretexto para fazerem outra festa.
Geralmente, cabe aos noivos a suite especial da estalagem. Não esta noite. Tony Carreira exigiu-a e o casal teve de passar as núpcias num quarto mais modesto. Não obstante, a primeira coisa que fizeram de manhã foi pedir um autógrafo ao cantor.
De início, Tony mostra-se desconfiado com os repórteres da Pública. Sem tirar os óculos escuros, quer saber qual o propósito da entrevista. "Muitos jornalistas dizem que o são mas não é verdade". Recusa-se a contar a história da sua vida, desde a infância na pequena aldeia da Beira Baixa, Armadouro, até à vida de emigrante em França, ao sucesso como cantor. Considera uma ofensa que um jornalista que lhe pede uma entrevista não saiba tudo sobre a sua vida. E tem razão. A alguém que vendeu dois milhões de discos, deu mais de dois mil concertos, 90 por ano só em Portugal, que esgotou o Pavilhão Atlântico, cinco coliseus e três Olimpias, não se pede que nos conte a sua vida, como se fosse um desconhecido. A pergunta que se impõe é outra: como chegou até aqui sem conquistar o respeito dos jornalistas? Porque não lança uma campanha de imagem junto da imprensa "séria"? Resposta: "Se cheguei até aqui sem a ajuda dos jornalistas, não é agora que me vou preocupar com campanhas de imagem".
É um homem marcado pelo ressentimento, embora não o admita nem compreenda o que lhe falta conquistar. "Sei que se cantasse outro género de canções seria visto de outra maneira", mas "um artista como eu não muda o género de canções. Pode mudar a roupagem, mas o estilo não, porque sou eu próprio. Tenho um grande orgulho em ser um artista do povo".
Considera-se um cantor romântico. "Pimbas são as telenovelas portuguesas, e ninguém lhes chama assim. O Julio Iglésias é quem é porque é espanhol. Se fosse português, com todos aqueles tiques, o que lhe chamariam?"
No palco do Sátão, Tony pega na guitarra acústica para cantar as canções antigas. É a sua imagem de marca, o "logotipo" pintado no camião, a silhueta do cantor, caminhando com a guitarra, evocando a ideia do trovador solitário e errante.
"A grande maioria de vocês está de férias por cá, não é?", diz ele, provocando a gritaria da multidão hipnotizada. Começa a cantar, acompanhado por todos, em coro, e de repente parece uma figura irreal, o bardo de um mundo perdido. "Está em mim querer o mundo, sou um eterno vagabundo..."
O filho mais novo da família carolo bamboleia-se, de braços no ar, "sou eterno vagabundo..." O pai, radiante, não perde a oportunidade. "Ai és vagabundo? Então toma!"
Todos agitam os braços no ar, não com isqueiros mas com os telemóveis, a tirar fotografias. Estabelece-se uma estranha e poderosa intimidade. Tony avança para a canção que o torna imortal entre os milhões de emigrantes, o sétimo encore. "Lembro-me de uma aldeia perdida na Beira, a terra que me viu nascer... E hoje a cantar, em cada canção, trago esse lugar no meu coração. Criança que fui e homem que sou, nada mudou".
Está tudo a postos em Arcas, rebentam os foguetes, a festa vai começar. O palco está montado junto à capela da Nossa Senhora das Seixas, num promontório de castanheiros de onde se vêem as serras em redor. O duo Raio Solar começa a cantoria e zás, falha a electricidade. Tudo às escuras e em silêncio. Parece que o céu cheio de estrelas se abate subitamente sobre o recinto. "Alguém tem um isqueiro?", ouve-se do palco.
Confusão. O problema nunca mais é resolvido, os empregados do bar improvisado resolvem ligar o rádio a pilhas. O relato do Benfica-Porto torna-se o som da festa. O presidente da junta sobe a um contentor de lixo, para consertar o quadro eléctrico pendurado num poste. A luz falharia mais onze vezes durante a noite, obrigando o autarca a passar horas em cima do contentor, examinando os complicados circuitos, uma espécie de matrix de toda a festa.
José de Jesus Pereira, presidente da Junta de Freguesia de Sever, de que o lugar de Arcas faz parte, é o mordomo-mor da festa da Senhora das Seixas. Com os restantes cinco mordomos e quatro mordomas, trabalha na organização desde a festa do ano passado. É construtor civil, pelo que construiu o púlpito de cimento para a missa campal quase inteiramente à sua custa. Mas para o resto das despesas conseguiu angariar 60 patrocinadores. "Uma festa como a de Arcas custa muito dinheiro. Cerca de 4500 contos. Só a filarmónica da procissão custa 800 contos. Os mordomos têm de adiantar somas consideráveis, porque o peditório só é feito depois de haver um programa garantido. E as pessoas só dão dinheiro se esse programa for bom".
Os Raio Solar recomeçam. Rui, o organista, tenta animar as hostes: "Vamos então ao tema de Quim Barreiros, a Cabritinha. Quem não gostava de ter uma para mamar?" Faz "Mééé" e manda descer do palco os miúdos que entretanto se sentaram à volta de Marisa, que dança exibindo o decote avantajado: "Larguem lá as tetas da cabrita!"
O pai de Rui e Marisa sonhava ser acordeonista. Como nunca conseguiu, ofereceu um acordeão aos filhos, que, com 12 e 13 anos, formaram uma banda na escola. Mais tarde comprou-lhes outro, de mais de mil contos, incentivando-os à profissionalização. Mas Marisa já tinha 17 anos e os namorados não viam com bons olhos a sua actividade artística. Fez-se escriturária. Só quando conheceu o actual marido, que é contabilista, pode voltar aos palcos. Ele aprendeu as técnicas de luz e som nos espectáculos e trabalha agora com ela. Senta-se num canto, ao lado do órgão e só se vê a sua cabecinha a congeminar efeitos com as luzes e a enviar jactos de fumo sobre a esposa e o cunhado.
"Há para aí um sururu, eu estou presa pelo beicinho", canta ela, e todos os habitantes de Arcas dançam, cheios de energia, correndo pelo espaço enorme, como numa festa country, no Kentucky.
Engrácia, a rigolota, não perdia isto por nada do mundo. Lá está ela, mesmo em frente ao palco. "As pessoas agora vestem-se muito bem, eu até me sinto inferior", confessara-nos. "Às vezes dizem: Olha a Engrácia, a francesa. E eu: calma aí! Governei a minha vida, mas sou portuguesa e a minha terra é Arcas!"
Na sua casa nova, no centro da aldeia, tem, por cima da cama, uma fotografia encaixilhada da estátua da Senhora das Seixas, com os brincos que ela própria lhe ofereceu, quando extraiu um seio, em França, operação que em Portugal nunca teria podido fazer. Lá, tem um quadro igual. "Tudo correu bem, graças à Senhora. Tenho muita fé nela. Parece que tem a minha vida nas mãos". Engrácia fala e o marido, Leontino, escuta-a em silêncio. Tal como o filho, Filipe, de 28 anos, que trabalha nas obras em França e também vem a Arcas todos os anos, no seu BMW azul-eléctrico. Engrácia fala a olhar para ele, com o neto ao colo, Dilen. "Ninguém imagina como era a vida aqui, há 30 ou 40 anos. Havia fome... Sentíamos que não éramos ninguém, sem a Senhora para nos proteger. Às vezes, numa hora fraquinha que a gente tem... quando tive a minha primeira depressão dos nervos, estava ali, deitada na cama, e vi-a, por trás dos meus dois filhos. Eu vi-a, a Senhora das Seixas. Chorei, chorei, chorei", conta Engrácia, a rigolota.
Domingo de manhã é a procissão. Parte da estrada principal e sobe pela aldeia, até à capela. Treze andores, cada um com o seu santo e decorado e patrocinado por uma família, são puxados por tractores. Entre eles, um cortejo de figurantes, homens, mulheres e crianças rigorosamente trajados de personagens bíblicas. Um letreiro nas costas diz: "São José", "São Rafael", "Judeu". A menina que vai de Santa Helena, de uns cinco anos, o menino Santo António, a menina Sagrado Coração de Maria vão muito cansados, as mordomas correm de um lado para o outro, a dar-lhes água. Filipe, o filho de Engrácia, conduz o tractor da Senhora da Conceição. Patrícia, uma menina loira e gorducha, de 12 anos e ténis cor de rosa, vai de Senhora das Seixas. Anda no 7º ano, os pais estão na Suíça. Atrás dos tractores vem uma jovem vestida de noiva, a Priora da procissão, depois os 60 músicos da Fanfarra da Portela de Vila Real, tocando uma marcha muito bela e quase fúnebre de Ilídio Costa, e ainda, debaixo de uma sombrinha segurada por quatro escudeiros, o bispo. Um bispo verdadeiro, não de fantasia. Ou pelo menos um ex-bispo. Depois vem o resto da população. Ouve-se falar francês. Vêem-se, ao longe, os contornos suaves, enganadores, da Serra da Lapa, entre as silhuetas altivas das casas dos emigrantes e as outras, de pedra, vergadas, aninhadas no chão.
Chegados ao promontório, instalam-se no palco, com a orquestra e o coro de crianças, o bispo e o pároco de Sever, António Furtado Duarte.
O Padre Toni chegara ao café Jardim, de Moimenta da Beira, no Seat diesel com 180 mil quilómetros de que é inseparável (não fosse o seu endereço de email Seatoni@iol.pt), para uma missão difícil: explicar-nos porque vêm os emigrantes às festas da aldeia, todos os anos. Divide-os em dois grupos: "Os que partiram nas décadas de 60 e 70 não perderam os valores tradicionais, partiram apenas para ganhar dinheiro. Os que foram em 80 e 90 têm outra mentalidade. Permanecem no estrangeiro até que os filhos acabem os cursos, para que fiquem lá. Muitos já não casam com portugueses e já não passam as férias todas na terra. Passam por lá, mas partem para Fátima e depois para o Algarve".
A festa da aldeia serve para o reencontro das várias gerações - a dos velhos, que ficaram, e estas duas dos que partiram. "Os velhos criticam os hábitos aculturados dos mais novos. Se uma rapariga usa mini-saia ou sai à noite, isso é censurado, há má língua. E isso tem uma função cultural reguladora. A festa promove o encontro inter-geracional, o encontro da grande família. Os casamentos são muito importantes. Mas a morte também. As pessoas vêm aos funerais. São momentos de tristeza imensa. Ainda há pouco tempo morreu aqui uma avó e juntou-se uma multidão, de todas as idades, vinda de todo o lado. Ela era uma referência para todas essas pessoas, uma espécie de Deus na terra".
A religião oferece os veículos para esse reencontro -s os santos, os casamentos, os baptizados, explica Toni, que nunca faz férias, para se dedicar aos projectos de erradicar a pobreza e o analfabetismo da região e da construção de dois lares de terceira idade. "As pessoas têm uma visão consumista da religião. Usam-lhe apenas os serviços que lhes convêm, sem qualquer ligação ao sagrado. E a Igreja adapta-se, colabora nessa visão consumista, vende-se".
No palco da Senhora das Seixas, D. Rafael, que é da região, foi bispo de Bragança e agora está reformado, começa o seu orbicular discurso, entre cânticos, sibilando os ss. "Senhora das Seixas, Raínha das Arcas, flor de todas as ladaínhas... Senhora da Conceição, Senhora da Apresentação, Senhora das Pombas Brancas, das Seixas de Teu nome, Senhora... Rainha de São José, Raínha das Seixas, Rainha das Pombas, Rainha da Paz. Ó Mãe, Ó Rainha das nossas almas Ó Rainha das Seixas!" É o bispo possível, o que se arranjou. Está caquético, mas sempre é um bispo, isso é que importa. Que aldeia das Beiras se pode gabar de ter um bispo na festa?
Estão todos a assistir. Engrácia e a família, o presidente da Junta, sempre atento ao quadro eléctrico...
São a procissão finalmente no adro, a miragem de um país à parte, a fazer o seu próprio caminho. Um país sozinho. Sozinhos subiram pela aldeia, com os seus 13 andores e o seu bispo. Sozinhos chegaram ao terreiro da festa.
Paulo Moura / Revista Pública (Público), 12/09/2004
sábado, 28 de julho de 2012
E o Porto, Pimba!
A inesperada vitória autárquica de Rui Rio foi-me simpática, devo dizer. Tinha dele uma imagem de homem de princípios e de isenção, e não me foi indiferente que essa vitória, obtida em circunstâncias adversas, tivesse algo de eminentemente cívico contra uma óbvia aliança de poderes fáticos locais atrás de um outro candidato, de postura por demais arrogante.
Isto, sem me esquecer, contudo, de dois pontos de interrogação e mesmo perplexidade, a afirmação "o Porto 2001 foi uma oportunidade perdida" e o ponto programático de distinção cultural, a animação dos coretos. Interpretei-as como argumentos eleitorais face à principal candidatura adversária. Teriam ao menos contado o número de coretos ainda realmente existentes? E quanto à "oportunidade perdida", quis supor que a apreciação traduzia um certo estado de espírito de uma civildade burguesa portuense, não esquecida do que entendeu ter sido uma afronta a Artur Santos Silva, e que eventualmente desejaria uma ainda maior cativação de verbas a valores patrimoniais - na ignorância da astronómica percentagem atribuída à reabilitação urbana no Porto 2001 nomeadamente se comparada com a da programação, muito mas muito menor. Nada de taxativamente irreparável, pensei. Fui ingénuo, como é patente.
O investimento feito no Porto 2001, em estritos termos financeiros mas também de práticas simbólicas e de consumos culturais, não foi de restrito âmbito local, tendo até naturalmente exigido um vultuosa participação do Estado central, além de que é suposto enquadrar-se num conceito europeu. Ainda menos razões há então para se restringirem ao âmbito da cidade os ecos da política cultural de hetacombe e populismo ridículo que, tomando o rancor e a paranóia de perseguição como determinantes da sua pragmática, Rui Rio vem encetando. E, de resto, como se pode verificar na imagem, contando mesmo com o apoio do ministro da Cultura.
A nível nacional temos vindo a saber como o executivo camarário se tem empenhado em drásticos cortes orçamentais no apoio à Fundação da Ciência e Desenvolvimento, que engloba o Teatro do Campo Alegre, ou ao Fitei, o Festival de Teatro de Expressão Ibérica. Que o orçamento seja de rigor, compreende-se. Que os mais danosos cortes ocorram na Cultura como se esta fosse o pelouro dos "restos" é inaceitável, e para mais é, nas actuais circunstâncias do Porto, um erro político e estratégico que se arrisca a ser, este sim, irreparável.
A famosa "oportunidade perdida" foi então uma auto-premonição: Rio estava apostado em fazê-la perder! È suicidário e altamente perdulário (inclusive para o erário público, e de que maneira!) que o investimento feito no Porto 2001 fique sem "pontes para o futuro", ou seja, retirando às actividades culturais o mínimo de condições de continuidade que permitam o aproveitamento e a rentabilização das potenciais sementes deixadas por um ano de excepção. O que se cerceia e corta agora, em 2002, corre o gravíssimo risco de muito dificilmente vir a ser "recuperável".
No PÙBLICO de terça-feira, no 1º caderno, nacional, li que o vereador Paulo Cutileiro tinha avançado como uma das razões para o corte orçamental na Fundação que as actividades daquela "não chegam a todos os portuenses" - extraordinário, como se exceptuando o saneamento básico, eventualmente transportes públicos e pouco mais, toda e qualquer câmara não investisse também em redes e actividades que "não chegam a todos" os munícipes!
Mas na terça, por mim já não estava desprevenido. Na edição impressa do caderno Local do Porto do dia anterior tinha visto um mirabolante "instantâneo", de tal modo indiciador que me parece pertinente propor a sua republicação a nível nacional. Diz a foto respeito a uma notícia de título "Rui Rio rivaliza com rei da música 'pimba'", nem mais! O "rei", é claro, é Emanuel - o rei, que digo eu?, o criador, o autêntico, o do refrão fundador "e nós pimba"! Pois que aconteceu de tão importante que, ao apelo pimba, até o ministro Pedro Roseta "ressuscitou" como se comprova, ele por quem já temíamos, que do ministério só tínhamos vindo a ter notícias pelo secretário de Estado Amaral Lopes? Pois sucedeu que houve uma festa da Rádio Festival, a famosa interface do comércio e consumos "pimba", um evento da maior importância cultural, em relação ao qual a câmara do Porto não descortinou razões orçamentais imperiosas que impedissem o apoio. Ou duvidam que Emanuel, esse sim (mas já agora, não se esqueçam de Àgata ou Romana), é cultura "para todos"?
É-o em estado potencial ou propredêutico, pelo menos, como o esclareceu, fidelíssimo à sua concepção paternalista, escolástica e bota de elástico, o ministro Roseta: "devemos aproveitar estes momentos para chamar a atenção dos adultos que não vão à escola para os grandes nomes da literatura e da música", assim a modos que começam eles com o Emanuel e depois fazemos com que passem a gostar de Bach ou Haydn, se posso citar dois autores que creio serem particularmente caros ao melómano Pedro Roseta. E Rio, que estava ali a fazer política mais terra a terra, logo pôs a festa de Emanuel em contraponto ao Campo Alegre: "Em vez de apoios monstruoso, devemos juntar o útil ao agradável. (...) A Câmara deve dar à população momentos de alegria, porque são pessoas que ganham pouco e têm uma vida difícil". Já que o contraponto foi feito por Rio, e as declarações são suficientemente explícitas, ficamos mesmo interrogativos sobre se à Ciência e Desenvolvimento o edil portuense não preferirá antes uma refundação para a Alegria no Trabalho. Ora aí está: e o Porto, pimba!
Mas que me deu para ter pensado que Rio representava uma certa civildade burguesa portuense, digamos que os mecenas de Serralves? De estupefacção em estupefacção será que ainda haveremos de ver Santana Lopes dar lições de chá a Rio? Pretende este demonstrar que, diferentemente do sucedido com e após Lisboa-94, o impulso do Porto-2001 não permitirá um aumento das apetências e consumos culturais? Mas foi este mesmo Rui Rio que os portuenses quiseram eleger?
Lá por ter sido ingénuo, não quero também ser agora injusto: a presença animada do ministro Roseta confere um outro enfoque político à coisa. Quem sabe se Rio não estará na "vanguarda" das políticas culturais do PSD, de um desejo de "pimbização" em curso? E nós? Pimba!
Augusto M. Seabra / Público, 28/07/2002
Isto, sem me esquecer, contudo, de dois pontos de interrogação e mesmo perplexidade, a afirmação "o Porto 2001 foi uma oportunidade perdida" e o ponto programático de distinção cultural, a animação dos coretos. Interpretei-as como argumentos eleitorais face à principal candidatura adversária. Teriam ao menos contado o número de coretos ainda realmente existentes? E quanto à "oportunidade perdida", quis supor que a apreciação traduzia um certo estado de espírito de uma civildade burguesa portuense, não esquecida do que entendeu ter sido uma afronta a Artur Santos Silva, e que eventualmente desejaria uma ainda maior cativação de verbas a valores patrimoniais - na ignorância da astronómica percentagem atribuída à reabilitação urbana no Porto 2001 nomeadamente se comparada com a da programação, muito mas muito menor. Nada de taxativamente irreparável, pensei. Fui ingénuo, como é patente.
O investimento feito no Porto 2001, em estritos termos financeiros mas também de práticas simbólicas e de consumos culturais, não foi de restrito âmbito local, tendo até naturalmente exigido um vultuosa participação do Estado central, além de que é suposto enquadrar-se num conceito europeu. Ainda menos razões há então para se restringirem ao âmbito da cidade os ecos da política cultural de hetacombe e populismo ridículo que, tomando o rancor e a paranóia de perseguição como determinantes da sua pragmática, Rui Rio vem encetando. E, de resto, como se pode verificar na imagem, contando mesmo com o apoio do ministro da Cultura.
A nível nacional temos vindo a saber como o executivo camarário se tem empenhado em drásticos cortes orçamentais no apoio à Fundação da Ciência e Desenvolvimento, que engloba o Teatro do Campo Alegre, ou ao Fitei, o Festival de Teatro de Expressão Ibérica. Que o orçamento seja de rigor, compreende-se. Que os mais danosos cortes ocorram na Cultura como se esta fosse o pelouro dos "restos" é inaceitável, e para mais é, nas actuais circunstâncias do Porto, um erro político e estratégico que se arrisca a ser, este sim, irreparável.
A famosa "oportunidade perdida" foi então uma auto-premonição: Rio estava apostado em fazê-la perder! È suicidário e altamente perdulário (inclusive para o erário público, e de que maneira!) que o investimento feito no Porto 2001 fique sem "pontes para o futuro", ou seja, retirando às actividades culturais o mínimo de condições de continuidade que permitam o aproveitamento e a rentabilização das potenciais sementes deixadas por um ano de excepção. O que se cerceia e corta agora, em 2002, corre o gravíssimo risco de muito dificilmente vir a ser "recuperável".
No PÙBLICO de terça-feira, no 1º caderno, nacional, li que o vereador Paulo Cutileiro tinha avançado como uma das razões para o corte orçamental na Fundação que as actividades daquela "não chegam a todos os portuenses" - extraordinário, como se exceptuando o saneamento básico, eventualmente transportes públicos e pouco mais, toda e qualquer câmara não investisse também em redes e actividades que "não chegam a todos" os munícipes!
Mas na terça, por mim já não estava desprevenido. Na edição impressa do caderno Local do Porto do dia anterior tinha visto um mirabolante "instantâneo", de tal modo indiciador que me parece pertinente propor a sua republicação a nível nacional. Diz a foto respeito a uma notícia de título "Rui Rio rivaliza com rei da música 'pimba'", nem mais! O "rei", é claro, é Emanuel - o rei, que digo eu?, o criador, o autêntico, o do refrão fundador "e nós pimba"! Pois que aconteceu de tão importante que, ao apelo pimba, até o ministro Pedro Roseta "ressuscitou" como se comprova, ele por quem já temíamos, que do ministério só tínhamos vindo a ter notícias pelo secretário de Estado Amaral Lopes? Pois sucedeu que houve uma festa da Rádio Festival, a famosa interface do comércio e consumos "pimba", um evento da maior importância cultural, em relação ao qual a câmara do Porto não descortinou razões orçamentais imperiosas que impedissem o apoio. Ou duvidam que Emanuel, esse sim (mas já agora, não se esqueçam de Àgata ou Romana), é cultura "para todos"?
É-o em estado potencial ou propredêutico, pelo menos, como o esclareceu, fidelíssimo à sua concepção paternalista, escolástica e bota de elástico, o ministro Roseta: "devemos aproveitar estes momentos para chamar a atenção dos adultos que não vão à escola para os grandes nomes da literatura e da música", assim a modos que começam eles com o Emanuel e depois fazemos com que passem a gostar de Bach ou Haydn, se posso citar dois autores que creio serem particularmente caros ao melómano Pedro Roseta. E Rio, que estava ali a fazer política mais terra a terra, logo pôs a festa de Emanuel em contraponto ao Campo Alegre: "Em vez de apoios monstruoso, devemos juntar o útil ao agradável. (...) A Câmara deve dar à população momentos de alegria, porque são pessoas que ganham pouco e têm uma vida difícil". Já que o contraponto foi feito por Rio, e as declarações são suficientemente explícitas, ficamos mesmo interrogativos sobre se à Ciência e Desenvolvimento o edil portuense não preferirá antes uma refundação para a Alegria no Trabalho. Ora aí está: e o Porto, pimba!
Mas que me deu para ter pensado que Rio representava uma certa civildade burguesa portuense, digamos que os mecenas de Serralves? De estupefacção em estupefacção será que ainda haveremos de ver Santana Lopes dar lições de chá a Rio? Pretende este demonstrar que, diferentemente do sucedido com e após Lisboa-94, o impulso do Porto-2001 não permitirá um aumento das apetências e consumos culturais? Mas foi este mesmo Rui Rio que os portuenses quiseram eleger?
Lá por ter sido ingénuo, não quero também ser agora injusto: a presença animada do ministro Roseta confere um outro enfoque político à coisa. Quem sabe se Rio não estará na "vanguarda" das políticas culturais do PSD, de um desejo de "pimbização" em curso? E nós? Pimba!
Augusto M. Seabra / Público, 28/07/2002
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