À SEMELHANÇA do que se passa no mundo da moda, as discotecas e as músicas têm a sua época. O culto da música pimba, por exemplo, em abono da verdade, começou em alguns bares do Bairro Alto há já uns bons anos. Passar músicas de Marco Paulo ou de outros artistas cantantes, no meio de sons progressivos, dava um certo ar de «onda» e quem não entendia essa «corrente» era porque não se inseria na cultura dominante.
Depois, os estudantes espalhados pelo país começaram a contratar os quins barreiros para animarem as festas universitárias. Como uma bola de pinguepongue, essa tendência voltou a Lisboa, mas não para o Bairro Alto. Assaltou as discotecas da zona ribeirinha e quase todas se atreviam a passar uma meia dúzia de faixas pimbas. Dá-se então o fenómeno dos Excesso e companhia.
Mulheres de todas as classes dançavam freneticamente ao som do «Eu sou aquele». Mal ouviam as primeiras batidas invadiam as pistas de dança. Quem não entrava no jogo arriscava-se a ter a casa meio para o morno. Isto, obviamente, nas discotecas ditas comerciais. Aliado ao fenómeno destas músicas portuguesas, surgiram as brasileiras, com Daniela Mercury à cabeça - que hoje é já um verdadeiro pesadelo. Finalmente, apareceram todos os artistas românticos espanhóis e italianos. Assim, as discotecas mais na moda, quando pretendem agitar a clientela, começam a passar uma música desta selecção.
O sucesso é garantido. As mulheres agitam-se de novo. Mas será que alguém acha graça à enésima vez que ouve tal sonoridade? Parece evidente que aqueles que mais tarde o perceberem serão os que ficarão para trás. A moda, essa, terá inventado outra novidade.
Como na música, também os excessos cometidos na capital, em termos de «deboche», se vão alastrando pelo país à medida que vão morrendo no seu foco. O Alcântara-Mar, por exemplo, vai estar fechado uma temporada para obras e para cortar com a imagem dos últimos tempos. Atingiu-se um ponto em que só quase o «bas-fond» gostava de terminar a noite em Alcântara. A história repete-se. Já noutros tempos assim aconteceu. A discoteca, que já foi por diversas vezes a mais emblemática de Lisboa, bateu no fundo e passado uns meses apareceu com toda a força.
É possível que quando reabrir volte a ter o público ideal para o fim de noite. Descamisados com a gravata ao lado, profissionais liberais, prostitutas em folga, travestis, mulheres engraçadas... Esta foi a imagem mais forte do Alcântara e não deixa de ser curioso que actualmente seja a imagem oposta a que está mais a dar.
Com a «bimbalhização» da maioria das discotecas, estou em crer que o Bairro Alto será o grande beneficiado. Também as discotecas e bares do circuito industrial, chamemos-lhe assim, terão mais público. Neste caso estão a Indústria, o Bar do Rio e o Kremlin, que às quintas-feiras, com o «dj» Vibe, tem uma noite, para os amantes do house, inigualável. Para não falar nos outros espaços que possuem uma cultura própria, seja de salsa, merengue, irlandês ou rock. Por este caminho, tudo leva a crer que as danielas mercuris, os excessos, os andrés bocellis e amigos dentro em breve farão parte do passado. A bem da nação.
Vítor Rainho, Expresso, 01/05/1998