terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Delicias

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Percentagens

15-CORRIJA-SE A PERCENTAGEM

Anda tudo doido por causa da música portuguesa. Deve ser porque está a vender menos. É a crise. Todos sofrem com ela. O consumidor, coitado, é quem sofre mais. Desesperado, deita as mãos à cabeça, sem saber o que fazer aos 100 contos que disponibiliza todos os meses só para comprar discos portugueses. Eu próprio, ando numa angústia, a tentar adivinhar a próxima jogada de Pedro Ayres de Magalhães ou a data de lançamento do muito aguardado disco de ópera de António Manuel Ribeiro. Já nem falo do horror que deve ser para alguns a expectativa de saber se o próximo disco do Pedro Abrunhosa vai vender menos 356 ou mais 282 unidades que o anterior. O futuro o dirá. Até porque, como toda a gente sabe, muito do futuro da música portuguesa passa pelo homem dos óculos escuros. A famigerada lei da rádio está na ordem do dia. Os locutores de serviço são uns idiotas ou agentes ao serviço do Mal. As editoras clamam que eles não passam discos portugueses ao mesmo tempo que inundam as estações com material estrangeiro (leia-se ao serviço do Imperialismo) de quarta ordem que não venderá nunca mas serve para aumentar a confusão nas prateleiras das lojas. Ninguém cumpre os 50%. A principal medida, medida imediata, urgente, redentora, é a criação, já, de uma polícia especializada que, à paisana, entre portas adentro das emissoras, confira números e vírgulas e leve na ramona, sem dó nem piedade, os prevaricadores (leia-se traidores à pátria). Sei mesmo do caso de um conhecido homem da rádio que, antecipando já os dias de terror que se avizinham, sempre que põe no ar o disco do grupo pop da Transilvânia da sua preferência, corta o som. Não vá o diabo tecê-las.

Quanto a mim, junto-me ao grupo dos que consideram a percentagem de 50% irrealista. Penso que a mais correcta seria na ordem dos 47,43 por cento, com uma margem de manobra (de modo a evitar prisões prematuras) de 0,57 %, por excesso, e 0,43%, por defeito. Estou convicto que o problema se resolveria deste modo. Claro que, para respeitar equivalências e a verdade percentual da M. P. (Música Portuguesa) 46.35% daquele total seria reservado para o José Cabeleira, Marta, José Alberto Reis, Sérgio Peres Orquestra, Eduardo Sant'ana (autor do hino «Eu sou um pinga amor»), Cabanelas Música, Chiquita, Ernesto Cedovim (autor do grande sucesso «Telefonema para Cristina»), Zé Carvalho, Carla Ribeiro, Rute Marlene e todos os paladinos da genuína música portuguesa que levam a alegria e a grande arte aos recantos mais afastados do nosso Portugal. Os restantes 1,08% seriam distribuídos pelos outros. Um acto de justiça. Não devemos no entanto esperar para breve este estado ideal de coisas. Por enquanto, é uma utopia. Mas a Idade de Ouro da M. P., que ninguém duvide, mais tarde ou mais cedo, há-de chegar. Para já, temos que nos contentar com a troca de impressões e fazer de conta que todos estão a puxar para o mesmo lado. Mentes mais perversas jurariam a pés juntos (pobres esquizofrénicos!) que há quem esteja interessado em queimar, logo à nascença, certos discos de M. P., independentemente da sua qualidade. Insistem os mesmos patarocos que, periodicamente, todas as estações de rádio e de televisão, todos os jornais, todas as revistas, todas as entrevistas, todas as conversas com guião, salvo honrosas excepções, se centram num único nome, num único disco, até à exaustão. Como se a M. P., durante essa semana ou esse mês, se reduzisse em exclusivo ao afortunado que os deuses elegeram. Durante esse período nada mais existe, tudo o resto, todos os outros discos e todos os outros artistas, são deixados ao abandono, cada qual que se amanhe, há estratégias a cumprir. Diz o lunático. Milagre! O eleito atingiu vendas astronómicas, chegando, dois minutos apenas após o lançamento, a disco de hiper/Internet/Platina, com 150 exemplares vendidos só no Hipermercado (leia-ae grande superfície) da Musgueira. Os outros, zero! Escândalo! Ninguém protege a música portuguesa! Ninguém passou na rádio! Ninguém quis saber!! E os 50%? Safados! Deviam ser todos presos!

Ninguém, ninguém, poderá mudar o mundo...

Há coisas complicadas, secretas, que se dizem baixinho, de preferência em mongol. Não há muita música portuguesa de qualidade. Pois não. Mas há alguma. Pois há! Nem todos podem vender o mesmo que o Abrunhosa. Pois não! Mas todos os discos têm um público e áreas de divulgação específicas. Pois têm. Quer dizer que o ideal seria potencializar ao máximo as possibilidades de chegar ao público, e de venda, de cada um, exigindo-se para e por isso cultura e conhecimento (e vontade real) da parte de todos os agentes envolvidos, desde o AR e do promotor, ao locutor e ao empregado de balcão? Sim, quer dizer! Ah, bem, então cada disco, com a sua estética e potencial comercial específicos, deveria ser encaminhado para determinadas rádios, jornais, revistas ou lojas sensíveis ao seu conteúdo? Isso mesmo. De modo a tirar o máximo rendimento? Vês como compreendes? Um disco com hipóteses de vender 10 mil deveria apostar, dentro da sua escala, numa estratégia que visasse atingir, pelo menos, esse número.

Outro, mais «elitista», incluído numa área musical exterior ao «mainstream», com possibilidades de vender 1000, deveria, também à sua escala, ser «trabalhado» de maneira a chegar, por sua vez, a esse número, ou mais. Uma questão de escalas, portanto, de escolha acertada dos canais de divulgação e comercialização. Parece fácil? É difícil? Óbvio demais?


Ou alguém quer de facto queimar alguém e a M. P. não passa de alibi para quem unicamente pretende encher a barriga em tempo de vacas gordas? É preciso fazer algo e fazê-lo depressa. As Rutes Marlenes e os José Rezas estão ansiosos, e com razão. A música portuguesa sofre em silêncio enquanto assiste à luta de vida ou de morte entre os Blur e os Oasis. Quando chegará o tempo em que veremos os Kaganisso e os Cabanelas Música (15 mil watts de som, 20 mil watts de luz) a disputarem o ceptro do Lusipop («Lusitano pop», equivalente nacional do «Britop»)?. Pensando melhor, subo para os 47,81% (46, 30% para os verdadeiros artistas, 1,51%, para os moinantes).

Nota: Os nossos agradecimentos ao guia «Artistas & Espectáculos», verdadeira bíblia da M. P., sem o qual nunca saberíamos da existência de alguns dos artistas citados (por exemplo, Pedro Abrunhosa). Os estafermos dos locutores não divulgam!

Fernando Magalhães, jornalista do «Público», Jornal Blitz nº 591

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Reco-Reco

RECO-RECO ou TRATACTUS PORCOMUSICOLOGICUS

A musicologia oficiosa é uma rosquinha de merda de porco - a estética
académica nunca desceu tão baixo; dois ou três recos jet set e mais a legião
de imbecis ministeriáveis e/ou deputáveis a roncar teorias sobre música e
mais o cochon comissário de festival suinóide e os agentes da porcaria, em
lavagices capitalizantes; pigs...etnoporquitos cor-de-rosa, instrumentistas
que aspiram a cevados compositores, famosos porcalhões do empresariado,
berrões a guinchar pelo lugar na chafurdice maxima. Acontece - umas
focinhadas na pauta e mais umas iconografias porcinas a armar ao ciberporco,
ronco-reuniões, conferências-saca-rolhas como as pirocas dos porcos;
sectores votados à música de instituições genoporcinas; netmerda de cochino
multicultural, cibercaca musical; musicografia/gamela.

Assim ficamos reduzidos a montes de estrume literário, crítica vendida à
ração, propaganda-brucelose – ainda por cima apresentando-se como porcus
musice – pocilga político-partidária de qualquer burovarrão - ...pimba
pigs...todos interligados pela música via TV, exclusivamente caganeira ligeira
em dó maior, e na rádio a debitar salsichas com emulsionantes e
conservantes; vejam lá! chama-se música àquele pacote mercantil hemorroidal
e estandardizado peidolar e grunhir...como acontece entre os porcalhões no
lar-doce-lar: putedo de marrã, paneleiragem, peidofilia, fressura, e
vice-versa de erotismo cropófago...lamentável! pigs...não interessam nem à
Musicologia nem à Veterinária nem ao menino Jesus... narinas de reco, tomadas
eléctricas conectadas ao talho da censura, traques badalhocos via satélite,
bandeira-forriqueira-cagofonia, terrorismo escroto de berrão - onde os
artiodáctilos suídeos se emboligam tipo perfodança ao som de cagadelas new
wave...pigs... fato com reflexos asa de mosca da merda, e gravata porky: em
limusinas matadouros; mamões! sempre a cobiçar um lugar no pestilento
pocilgo da publicidade; varas de júris suinomusicólogos, só para punir ou
eleger as estrelas do estrume, pela rara sabedoria de imitar, continuar a
fétida pseudo-música canónica; camarilha a babar ideologia musical sebenta,
indigna dum leitão da Bairrada que se preze. Pusmoderno, porcópera,
escatomerdalogia sónica.

Filas de porquinhos lambões a baterem-se à condecoração, ao prémio, ao
subsídio chorudo.

Trabalho multimerda suplementado por uma hóstia de schwein mal cagada dita
CD; infodarte reca; um chiqueiro sonoro mixfedor...pigs...enfim...pigs... moral da
história: quanto mais a porcalogia musical alçava o rabo mais o sumo
porcalhote lhe enterrava o nabo...os sons que daí se ouviam eram escatofetos
uma suínaria inaudível....tudo uma grande porcaria...pigs...estamos ameaçados por
uma nova espécie genética:
o musoporco.

para o forno, orelhas bem tostadinhas, JÁ!


Jorge Lima Barreto
Reco-reco ­ tratactus porcomusicologicus ­ "farpas", avulso, Porto 2002
http://homepage.mac.com/vitor.rua/iblog/C633734543/E694259357/index.html

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outros artigos publicados no Jornal de Letras:

da música ligeira portuguesa - entre a Sé de Braga e Nova Iorque, JL
A popereta nós pimba nós pimba, JL
a canção ligeira portuguesa, JL
Abrunhosa e carapinha, JL

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

A educação dos gostos

É curiosa a forma como alguma imprensa e alguns jornalistas abordam o fenómeno da música pimba: à sobranceria intelectual de uns, soma-se o carácter leigo e superficial na análise de outros. É extraordinariamente fácil invocar argumentos mais ou menos invectivos que remetam esta casta musical para um subserviente estado de futilidade e de redundância artística. O que é mais difícil de descortinar e de analisar é toda a envolvência sócio-cultural que favoreceu o despontar maciço e quase despótico desta manifestação musical, assim como procurar uma justificação plausível para o inultrapassável sucesso que suscita entre o povo português (temática suficientemente dissecada por Jorge Lima Barreto na sua arguta análise musicológica e semiótica no livro «Musa Lusa»). Quer se queira quer não, a inefável realidade é que a música pimba - apesar do padecimento constrangedor ao nível das formas estéticas e do conteúdo linguístico-semântico -, exerce uma irrefutável função socializadora e mobilizadora de massas; por isso não me repugna nem me surpreende, por ser tão óbvia a intenção, que os candidatos à Autarquia da Guarda se façam rodear de cantores pimba nas suas campanhas políticas. Há uma lógica estratégica por detrás desta iniciativa que não tem a ver propriamente com a veiculação de valores culturais: a presença destes artistas não belisca em nada a estirpe política dos candidatos pela simples razão que servem apenas como isco para chamarem gente aos comícios, da mesma forma que Quim Barreiros esgota as festas académicas por esse país fora. As coisas são como são: na política, não se seduzem as massas ao som de Diamanda Galás, de Carlos Zíngaro ou de Schönberg (Guterres teve êxito com Vangelis, mas isso é outra história). Por outro lado, Luís Filipe Reis agradece que assim seja pelo que o oportunismo existe das duas partes.

Joaquim Igreja afirmou nestas páginas que não acredita na imagem de uma juventude de gostos musicais inconformistas, visto que a "lógica comercial submerge tudo". Tudo? Não creio. Apesar do estonteante processo de massificação e estandardização dos modelos culturais vigentes, da tenebrosa capacidade de coacção/alienação perpetrada pelos mass media que viabiliza o fenómeno pimba, apesar ainda, da gritante iliteracia existente em Portugal, tenho a convicção inabalável que subsiste no nosso país uma parcela considerável da juventude que, de forma crítica e conscienciosa, se desmarca da cultura da frivolidade e, no dizer de Lipovetsky, do «império do efémero», procurando modelos de identificação culturais alternativos (cf. a «imensa minoria» que ficou órfã pelo desaparecimento da única rádio com preocupações culturais e educativas, a XFM).

Numa recente Oficina Musical para jovens músicos, por mim orientada, deparei-me com cerca de vinte jovens que tinham as ideias muito bem assentes, que sabiam distinguir o essencial do acessório, que sabiam compreender a multiplicidade de expressões artísticas em geral e musicais em particular, que tanto gostavam de rock como de free-jazz, de música experimental como de clássica. Interpelados sobre o que opinavam acerca do fenómeno pimba, um deles foi sucinto mas lapidar na apreciação: "simplista e oportunista". Simplista já se sabe como e porquê, oportunista porque versada para a fácil rentabilização económica e para o fomento do «mau gosto instituído», no dizer de Sérgio Godinho. O gosto musical educa-se e forma-se ao longo do tempo, consoante o tipo de aculturação a que se é sujeito, pelo que existem muitos jovens que odeiam tudo quanto representam as Spice Girls ou o Pedro Abrunhosa.

Contudo, no lamacento mundo da música pimba, nem tudo o que parece é: a cantora Romana, sobrinha da Ágata, afirmou recentemente na televisão que apenas canta canções pimba porque só desta forma consegue ganhar muito dinheiro, e que se pudesse, faria música de que realmente gosta: tecno hardcore, estilo musical situado nos antípodas do pimba e do gosto popular. Neste caso, sim, a tal lógica comercial, o apelo da fama emergente e do dinheiro escorreito submerge a própria auto-vontade de criar a música de que se gosta, premissa que não se coaduna, mesmo assim, com todas as circunstâncias da vida cultural/musical portuguesa e dos desejos de toda a juventude.

Ao não conceber ou compreender a existência e necessidade de gostos musicais inconformistas, alheados das manifestações de moda e do consumismo desbocado ( constate-se a verdadeira paranóia das vendas do disco «A Candle in the Wind» de Elton John), é pactuar com um certo pensamento que glorifica a iniquidade decadentista, que subalterniza e empobrece alguns valores primordiais para a fundamentação de uma (contra)cultura alternativa: o direito a assumir a diferença nos gostos, no estilo de vida, na postura exterior e mental (ser-se um «moderno primitivo», por exemplo), o direito a cogitar perturbando mentalidades instituídas segundo padrões de vida que não se ensinam na escola, o direito a desencardir ignóbeis parâmetros sócio-culturais , o direito a criar formas de arte provocatórias, incómodas e agressivas para o senso comum.

Por mais violento que seja o marketing comercial, por mais extenuada e opressora se torne a sociedade mediatizada nunca se conseguirá a sonegação total das formas livres de pensar, optar e de agir. Haverá sempre quem prefira ser «outsider» do sistema estabelecido que usurpa a vontade e corrói os valores. Para bem do ideal democrático, da liberdade de expressão e da própria sanidade mental.

Victor Afonso, Professor de Educação Musical
Terras da Beira, 18/09/1997
http://www.freipedro.pt/tb/180997/opin3.htm

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Saúl 1997/2007

Os meus pais arruinaram-me

Habituados aos palcos do circo, os pais de Saúl derreteram mais de meio milhão de contos em dez anos. Ficou, como ele canta, “sem dinheiro nem cuecas”. Mesmo que com o pé atrás e vergonha dos que o arruinaram, o pequeno do acordeão não desiste. Continua a actuar e vive com a namorada na Figueira da Foz.

Correio Êxito – Por que é que, nos últimos anos, o Saúl tem andado desaparecido?

Saúl – O Saúl só tem andado desaparecido na Comunicação Social, não vai à televisão nem aparece nos jornais. Nunca parou de fazer espectáculos e continua a correr mundo. Muitas vezes quando chego aos espectáculos as pessoas ficam surpreendidas porque pensavam que o Saúl já não existia.

P– Como é que explica isso?

– Não consigo explicar.

P– Houve algum momento de ruptura ou mudança que lhe fez perder o protagonismo?

– Durante muitos anos não tomei decisões nem geri a minha carreira. Também disseram que tinha morrido num acidente de carro.

P– Qual foi a decisão mais difícil que tomou na vida?

– Há um ano ocorreram umas coisas que eu não estava à espera.

P– Que coisas?

– Problemas familiares. Trabalhava com os meus pais, houve umas complicações e tive que deixar de trabalhar com eles. Tomei decisões que devia ter tomado logo no início da minha carreira.

P– Que decisões?

– Decisões que tomavam por mim.

P– Parece amadurecido à força.

– Sinto-me um bocado maduro porque já estou dentro do assunto. Já sou produtor e empresário de espectáculos. Trato da minha carreira em primeiro lugar.

P– Por que é que os seus pais deixaram de ser seus empresários?

– Agora trabalho com o meu tio, mais conhecido por Nelly Noronha. Estamos em conjunto para levarmos isto para a frente.

P– O que é que aconteceu entre si e os seus pais?

– Não posso dizer o que foi. Como é que eu hei-de explicar isto? Não deviam ter feito o que fizeram para arruinar a minha carreira. Agora estou a tentar levantá-la.

P– Mantém relações com eles?

– Sim. São meus pais, não vou deixar de falar com eles.

P– Por que é que vendeu a sua mansão?

– Foram eles que quiseram. Não pude fazer nada. Se fosse hoje seria diferente.

P– A propriedade, com campo de futebol e piscina, era sua ou deles?

– Estava em nome deles. Os problemas que existiram também foram derivados disso. Agora, sozinho, estou a tentar levantar-me para voltar a ter o património que tinha.

P– Quem ficou com o dinheiro da venda?

– Foram os meus pais.

P– O Saúl vive numa casa de uma instituição de caridade?

– Isso é mentira.

P– O que é que fez ao que ganhou durante dez anos?

– Não posso dizer que fiz muito porque nunca tive acesso directo ao meu dinheiro.

P– E os seus pais fizeram alguma coisa?

– Muita coisa.

P– O quê?

– Jogos, carros, dinheiro mal gasto. Dinheiro mesmo muito mal gasto.

P– Hoje estão bem na vida?

– Não estão muito bem.

P– Porque não souberam gerir o dinheiro?

– Sobretudo, não souberam gerir o meu dinheiro.

P– Eles deveriam dar-lhe o que têm, o que você ganhou?

– Não lhes peço nada porque não têm nada.

P– Perderam tudo o que tinham?

– Ficou quase tudo nos casinos.

P– Não cresceu na carreira porque gastaram tudo e não investiram nada na sua carreira?

– Eles não quiseram investir e a minha carreira começou a diminuir.

P– A sua família depende, ou dependeu, economicamente de si?

– O meu pai também me ajudava. Conduzia o camião, tal como o meu tio. Não vou dizer que sim nem que não. Ela por ela.

P– É verdade que recentemente não pagou as prestações de um automóvel?

– Não tenho carro e só agora é que estou a tirar a carta de condução.

P– Então foi o seu pai?

– Deve ter sido.

P– Há um ano compôs o single ‘Sem Dinheiro e Sem Cuecas’. Deixaram-no sem dinheiro. Deixaram-no também sem cuecas?

– Sem cuecas não. Isso não. Só me deixaram sem dinheiro.

P– Os seus pais tornaram público que lhe depositavam o dinheiro que ganhava numa conta a que teria acesso aos 18 anos.

– Não havia conta nenhuma. Foi mais uma mentira da minha mãe.

P– Não parece muito zangado...

– Não estou zangado mas também não lhes dou as largas que tinham antigamente.

P– Já não confia neles?

– Agora não. Posso dizer que não tenho confiança em ninguém.

P– E perdoou-lhes?

– Não. Perdoar não perdoei.

P– O Saúl também é de excessos?

– Já fui mais.

P– De que tipo?

– Excessos materiais, dinheiro gasto em computadores.

P– O que é que sentia quando via os seus pais a esbanjarem?

– Era muito pequeno para perceber isso. Não deve ser fácil para alguém que não tem nada e que de repente passa a ter tudo. Não os censuro por esse comportamento durante um ou dois anos. Mas passado esse tempo deviam pensar que tinham filhos, que tinham património e que era preciso saber geri-lo.

P– Como é que é viver com quatro irmãos, todos rapazes?

– Está a ver o que são homens à porrada? Nós éramos dia sim dia sim, todos os dias à pancada.

P– Porque é que alguns dos seus irmãos estão a viver com a avó?

– Porque os meus pais foram para Inglaterra.

P– Lembra-se de, com quatro anos, ser um grande contador de anedotas?

– Nos cafés, aquilo é que era ‘nice’. A minha mãe não sabia de mim; fugia para ir contar anedotas ao pessoal que achava muita piada.

P– Considera-se inteligente?

– Não muito. Se quisesse podia ser mais. Estou na média.

P– O que é que poderia fazer para ser mais?

– Em primeiro lugar, pensar duas vezes nas coisas e não entrar logo de cabeça. Pensar naquilo que vou fazer e não abrir o coração para toda a gente, como faço, nem ser tão dado.

P– Qual foi a maior asneira que fez na sua vida?

– Ter deixado os meus pais tomarem conta da minha carreira.

P– Foram eles que perceberam que tinha potencial artístico?

– Foram uns colegas do meu pai. Estávamos no circo, gostava de imitar o Quim Barreiros, mandaram-me ir ao ‘Big Show SIC’, e lá fui.

P– Nunca soube tocar acordeão?

– Aquilo era a brincar. Era só fechar e abrir esse instrumento.

P– No último ano foi aprender...

– Fui mas não sei tocar muito bem. Não faço melodias nem nada disso. Faço o que necessito para dar um espectáculo. E já é muito.

P– Como é o seu dia-a-dia?

– Divertido como sou e sempre fui. Estou a tirar um curso profissional de técnico de informática. Namoro.

P– Há quanto tempo namora?

– Há um ano e três meses. Faço o normal para um jovem de 19 anos.

P– Sai à noite, toma uns copos...

– Não gosto de beber. Só Coca-Cola, e já é bom.

P– Por que é que decidiu viver com a namorada e não casar?

– Cada coisa a seu tempo. Não nos podemos precipitar nas escolhas. Temos que ter calma.

P– Qual é a sua opinião sobre o casamento?

– Muitos dizem que serve para se enforcar. Tenho que experimentar uma vez para ver como é.

P– Por causa da música não brincou?

– Não vivi a minha infância como as outras crianças.

P– Tem saudades desse tempo?

– Um bocadinho. Tinha muito trabalho mas não me arrependo de nada. Gosto muito do que faço e do que fiz. Só gostava de voltar atrás para recomeçar tudo.

P– O que é que faria diferente?

– Tudo. Por exemplo, começava por ser eu a mandar logo desde o início.

P– Uma criança com seis anos não gere a sua própria carreira.

– Gere, com a ajuda de outros.

P– Alguma vez se sentiu vítima do trabalho infantil?

– Não. Os meus pais nunca me obrigaram a cantar.

P– Parece triste ao recordar o passado.

– Na altura eu era muito conhecido. Hoje, muita gente pensa que eu já não canto, e está enganada.

P– Quais são os momentos que mais o marcaram na vida?

– O início da minha carreira foi muito bonito. Quando se começa é sempre mais bonito do que já no meio.

P– Como é que se vê a si mesmo e àquela figura catita, de sorriso fácil e cara de puto reguila?

– Se me visse hoje pensava que aquele puto era parvo. Estava-me sempre a rir não sei de quê. Só se fosse por ter comichão nalgum sítio. Era muito alegre, maluco...

P– Maluco como?

– Tenho uma pancada qualquer. Não sei onde, mas um dia ainda hei-de descobrir.

P– Como é que isso se revela?

– Às vezes faço cada coisa!...Revela-se nas brincadeiras, na forma de dançar, nas bocas que mando.

P– Quando recebeu a tripla platina, por vendas superiores a 120 mil unidades, o que pensou?

– Pensei que era bom naquilo que fazia porque senão não tinha vendido tanto. Foi uma grande emoção porque nunca pensei que pudesse acontecer. Na altura em que gravei ‘O Bacalhau Quer Alho’, tinha sete ou oito anos, achei que não ia dar nada. Saiu e foi um estoiro, uma bomba. Fiquei muito admirado.

P– Quim Barreiros representa o quê para si?

– Em primeiro lugar é o meu ídolo de sempre. Aquele que comecei por imitar. É também um grande amigo. Aproveito a oportunidade para tirar uma dúvida às pessoas: o Quim Barreiros não é meu pai nem faz parte da minha família. Como ele é o meu padrinho artístico as pessoas confundiram tudo.

P– Conhece figuras ilustres que gostam da sua música?

– Conheço um, o falecido JFK Júnior que viu um concerto meu num restaurante em Providence, nos Estados Unidos, e disse que gostou muito de me ouvir cantar.

P– O que é que a música representa na sua vida?

– Animação, descontracção. Já que o nosso país está tão mau pelo menos alegro as pessoas e divirto-me.

P- Porque é que “o nosso país está tão mau”?

– Isso aí é complicado. Acho que é por causa dos ministros.

P– Até onde chegou na escola?

– Vou agora tirar a equivalência ao 12º ano. Decidi fazer um curso profissional.

P– Técnico de Gestão Informática. Usufruiu disso?

– Muito. Fiz um estágio, trabalhei, sei mexer melhor em computadores. Se precisarem de um técnico estou cá eu porque sou bom nisso.

P– Se o convidassem para trabalhar na área aceitava?

– Ainda não me sinto preparado. Se um dia a música deixar de dar, aí sim, tenho essa vertente.

P– O que é que mudou na sua vida nos últimos anos?

– A minha voz, passei eu a mandar na minha carreira, gravei novos trabalhos. A minha vida mudou completamente.

P– Para melhor?

– Para melhor.

P– Considera-se um ícone da música popular brejeira?

– Penso que sim. Porque, não sei como, toda a gente conhece ‘O Bacalhau Quer Alho’ e o Saúl.

P– É um mito?

– Sim, já lá vão 15 anos. Até hoje, graças a Deus, ninguém se esqueceu do Saúl. Agradeço a todos os que gostam de mim e das minhas músicas.

P– Acha-se um bom artista?

– Não devo responder a isso. Gosto de me ouvir, acho que tenho uma boa voz, às vezes até me consigo imitar a mim mesmo.

P– Inclui-se no rol de cantores pimba!?

– Há dois anos, eu e o Zé Malhoa fomos considerados os reis da música pimba. É bom. É sinal de que ainda sou conhecido.

P– Sente-se um pequeno rei?

– Só do meu próprio nariz.

P– O que é que responde a quem acha a sua música pirosa?

– Se acham que a música portuguesa é pirosa então traduzam a inglesa e vejam o resultado.

P– A música pimba é a música dos excluídos?

– Não. Ainda há pouco tempo o mercado era da música pimba e não das outras músicas.

P– A ‘inteligentzia’ portuguesa ignora-a?

– Acho que sim. São eles que estragam o nosso mercado.

P– De que forma?

– Tipo ‘Morangos com Açúcar’, rapazes jovens, 4 Taste e essas coisas assim, por que é que não cantam em português?

P– Qual é o seu cachet?

– Nunca falo de cachet. Mas sou mais barato do que os outros.

P– Por que é que não revela quanto cobra?

– Quem quer espectáculos liga e nós dizemos quanto cobramos.

P– Os euros amealhados alguma vez lhe subiram à cabeça?

– Não. Quem me conhece sabe que isso é verdade.

P– Ainda se dedica ao bilhar, aos póneis, aos cães de raça, aos jogos de computador?

– Agora estou a aprender a jogar golfe e gosto de jogar futebol.

P– Chegou a sonhar ser guarda-redes da Naval 1.º de Maio.

– Quando era pequeno sonhava que viria a ser guarda-redes da Selecção Nacional.

P– Ainda é fanático pelo Benfica?

– Sempre.

P– Continua a ser bem recebido nos locais onde actua?

– Não dizendo que os outros são mais ou menos bem recebidos, noto que as pessoas têm carinho por mim.

P– E as editoras têm alguma responsabilidade no esquecimento a que foi votado?

– Como é muito complicado vender CD não apostam tanto nos artistas.

P– Desiludido, deixou a Vidisco e entrou na Espacial, onde também não deu certo. Porquê?

– Houve pessoas lá dentro que só queriam agarrar no Saúl para o mandar cada vez mais para baixo.

P– Vive só dos espectáculos?

– Vivo.

P– Embora tenha editado ‘Hoje É Dia de Jesus’ para o Natal, ninguém passou a música nem foi à televisão. Sabe porquê?

– Lançámos o CD antes do Natal para irmos ao ‘Natal dos Hospitais’ e isso tudo, mas nunca me chamaram para nada.

P– A sua música estará estafada?

– Pelo contrário. A minha música ainda vai ter muita vida.

P– Sente-se revoltado ou triste por o terem esquecido?

– Mais triste porque na altura em que precisaram do Saúl, era Saúl para aqui e Saúl para ali. Agora que há outros deixaram o Saúl de parte. Deviam lembrar-se do Saúl, não digo mais, mas pelo menos uma vez por mês.

P– Quais são os seus maiores desejos?

– Continuar a animar Portugal, gravar muitos CD, ter saúde e uma vida estável.

'O BOATO DA MINHA MORTE CORREU ATÉ À AUSTRÁLIA'

P– Por que é que, em 1998, fez uma pausa na sua carreira?

– Foi por causa da escola. Estive parado um ano e queria recuperar.

P– É então que começa a correr o boato de que o Saúl tinha morrido num acidente...

– Já ouvi seis histórias a esse respeito. Uma, foi que no Hospital da Gala, Figueira da Foz, onde nasci, deu entrada um rapaz já morto com o mesmo nome que eu e a mãe dele com o mesmo nome da minha. Também pode ter sido por causa do acidente do meu tio. Pensavam que eu ia com ele e que tinha morrido. Esse boato correu até à Austrália, de onde me ligaram a perguntar se estava vivo. É aí que eu não entendo. A Comunicação Social, que não queria saber do Saúl, pediu, em peso, para assistir e filmar o funeral. Isso não me entra na cabeça. Para o bem, os ‘mass media’ nunca estão lá, mas para o mal fazem tudo para estar.

P– Esse boato ainda circula pelas localidades onde actua?

– Circula e muito. Tenho perdido muitos espectáculos porque pensam que já estou morto. Às vezes até faço uma brincadeira: “Cheguei no autocarro das cinco, o gajo lá de cima deixou-me vir cá abaixo”.

P– Sente que, de alguma forma, por causa da fortuna que os seus pais perderam e dessa notícia do acidente de viação, o Saúl está a começar do zero?

– É isso mesmo.

'DIZIAM QUE EU TINHA TRISSOMIA 21'

P– É saudável?

– Graças a Deus.

P– Um tio seu tem a doença Trissomia 21. Isso preocupa-o?

– Quando eu era pequeno os médicos diziam que eu também tinha essa doença. Diagnosticaram-me, inclusivamente, uma deficiência, mas nunca souberam qual.

P– Ainda tem o sonho de fazer uma licenciatura e de ser piloto de aviões?

– Não. Já me deixei disso. Porque os meus dentes não são muito bons e um piloto tem que ter os dentes direitos. A altura também conta e sou muito mau a matemática. Safo-me sempre mas por debaixo da mesa.

P– Costuma ser assediado?

– Quando tinha 16 anos, em Viseu, dei um autógrafo um bocado quente. A rapariga chegou perto de mim, toda doida, deu-me um grande beijo na boca e pediu-me para lhe autografar o peito.

P– Qual foi a última vez que chorou?

– Foi há um ano, por causa daquilo que os meus pais me fizeram. Senti-me posto de parte por eles.

P– E o momento mais duro?

– Um foi o acidente do meu tio Nelly, que esteve em coma. O outro foi quando descobri que afinal não havia conta nenhuma em meu nome. O meu pai estoirou tudo o que era meu, fez mais umas maroscas e desapareceu sem dizer nada a ninguém.

PERFIL

Saúl Ricardo nasceu na Figueira da Foz a 18 de Agosto de 1987. Em 1994 notabilizou-se com imitações a Quim Barreiros mas foi com ‘O Bacalhau Quer Alho’, de 96, que fez sucesso. No ano seguinte, ‘Os Pitos’ volta a atingir a platina. Depois tem um período conturbado, o seu nome cai no esquecimento. Em 2000 lança ‘Gosto de Ti à Brava’, registo mais pop a que o público não adere. Em 2002 opta por revisitar o estilo brejeiro e as letras maliciosas em ‘Espeto Um Prego’, que atinge o ouro. Dá indícios de recuperar o fôlego mas em 2003 regista ‘Não Sou Mau Estudante’, um fracasso de vendas, tal como o seguinte ‘As Bolas de Snooker’. O ano passado lança ‘Saúl’, mas ninguém parece ter notado.

José Manuel Simões / Correio Êxito, 06/01/2007

Criança ainda na muda dos dentes, Saúl Ricardo é já uma demonstração viva dos eternos valores da raça. Outros povos terão Shirley Temple, Pierino Gamba, outros mesmo terão Mozart (...). Mas nós, com Saúl Ricardo, estamos na vanguarda infantil. Produto do Big Show SIC (...) a glória universal do pequeno génio consiste na imitação de Quim Barreiros. Celebrizou-se particularmente com a interpretação de ‘Bacalhau quer alho’".

Mário Castrim, Tal e Qual, 03/01/1997

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Emanuel - O Rei Pimba

Toda a gente o conhece de cantar o «Pimba», mas Emanuel, 38 anos, ex-barman, ex-professor de guitarra clássica, compositor de umas 600 canções registadas e orquestrador de dezenas de discos de música ligeira, puxa dos galões e afirma: «Já cá ando há muito mais tempo do que as pessoas imaginam.»

Admirado com o sucesso de «Pimba Pimba»? Nada disso. «É um sucesso perfeitamente natural, de quem compôs 600 canções em sete anos e anda a orquestrar e compor para os outros há muito tempo», justifica Emanuel, sentado na quietude do seu estúdio na Pontinha, de onde saiu «Pimba Pimba».

Interrompe por momentos a entrevista para gravar uma mensagem para a rádio -- «Olá, sou o Emanuel, Pimba Pimba!» -- e explica o sucesso da canção como um cientista explica a descoberta de uma fórmula nova. «Eu apenas consegui manobrar essa arte das emoções que é a música, descobrindo uma linguagem nova: a melodia da música portuguesa misturada com o ritmo da música ligeira.»

A quem ataca o «Pimba» por ser simples de mais, Emanuel responde que «comunicar de forma simples não é fácil» e que «o `Pimba' está tecnicamente bem estruturado, com o fraseamento melódico e a harmonia correcta». Se comunica e entra nas emoções das pessoas, então, conclui Emanuel, é música e da boa.

«Há quem diga que é música pirosa, quadrada e chunga. Eu digo: se Deus perdoa aos ignorantes, quem sou eu para não os perdoar?»

No ano em que o termo «pimba» varre o país de lés-a-lés, utilizado por políticos, jornalistas desportivos e brincalhões à procura de conotações sexuais, é surpreendente encontrar Emanuel, o autor, recolhido num estúdio encaixado entre prédios sem graça da Pontinha, nos arredores de Lisboa, desmentindo o recado sexual da canção.

«Eu não tinha essa intenção», diz Emanuel. «A minha mensagem era pedagógica. Nós, homens, se elas querem um abraço ou um beijinho, nós damos, nós pimba, percebe?»
Em Covas do Douro, uma aldeia minúscula perto da Régua, Emanuel lembra-se de se levantar às quatro da manhã para regar o campo antes de ir para a escola ou ir buscar a lenha ao monte. Aos dez anos, de abalada para Lisboa, começou a trabalhar de noite como padeiro, mas o gosto pela música, trazia-o arreigado do Douro, desde que assistira às rogas das vindimas, o acordeonista à frente a tocar as modinhas.

Aos 13 anos, começou a estudar guitarra clássica. Mais tarde fez-se «barman» e futebolista em «part time». Chegou aos juniores numa equipa modesta do Cacém, passou pelo Sporting e foi mesmo enviado para os seniores no Atlético, então na I Divisão. Abandonou o futebol por incompatibilidade de horário com a sua actividade de «barman» e também por susto: uma médica pôs-lhe os dedos na coluna e disse-lhe que a quinta vértebra não estava boa.

Enquanto terminava o curso de guitarra -- falhou a entrada no Conservatório --, aprofundou os dotes de «barman» num restaurante de 1ª , na Avenida de Roma. «Devorei tudo o que havia sobre bebidas, as que faziam melhor à saúde, quais as indicadas para determinadas ocasiões...» Para poder acompanhar as conversas dos clientes, devorou livros de História e Geografia. «Um `barman' tem que ser um pouco psicólogo, confidente... Era fascinante.»

Terminado o curso de guitarra clássica, deu aulas de 1979 até 1987 e começou a compor e a orquestrar para outros. Em 83, compôs «Juro que te amo». Como havia poucas pessoas a compor, passou a ser muito requisitado. «Em 87 já compunha para o Zé Malhoa e em 88 orquestrei o álbum `Joana', de Marco Paulo. Tudo o que lá está foi orquestrado por mim», diz com uma ponta de orgulho.

Em 87, montou um estúdio próprio, na Pontinha. «Comecei a gravar aqui os artistas com menor poder económico.» Até que, no dealbar da década de 90, se descobriu como vocalista.
«Descobri que tinha o dom de comunicar ao participar em espectáculos dos artistas para que compunha. Raramente cantava, mas via as pessoas emocionarem-se com a minha música.» Impôs-se um projecto de cinco anos. «Se não resultasse, voltaria a orquestrar e a compor.» Do segundo para o terceiro ano, atinge o sucesso nas feiras e nas festas de aldeia com «Rapaziada vamos dançar». Nada fazia suspeitar, no entanto, o sucesso de «Pimba Pimba».

Agora, Emanuel quer tentar, em 96, o terceiro êxito consecutivo, para o que já tem uma equipa constituída e a trabalhar. Entretanto, vai compor cinco álbuns até ao fim do ano para outros tantos cantores. «Eu só digo, levei sete meses a gravar o `Pimba'. Os que criticam, que venham aqui ao estúdio tentar fazer o mesmo.» Pimba!

PúBLICO, 16/11/1995

domingo, 25 de setembro de 2011

Fui coroada rainha mas nunca me deram a coroa

Ágata ficou com uma sensação amarga das Doce e lamenta a falta de partilha e de compreensão desse tempo. Teve de vender a aparelhagem e o casaco de peles para pagar o estúdio onde gravou ‘Escrito no Céu’, que viria a obter a quase tripla platina. E recorda com tristeza o dia em que, “por medo dos pais”, fez um aborto.

Correio Êxito – Enquanto esteve grávida de si a sua mãe pedia todos os dias a Deus que lhe desse “uma menina de olho azul, pele clara e com dotes musicais”. Pode dizer-se que Deus ouviu as preces de sua mãe?!

Ágata – Não tenho qualquer dúvida. Fui mesmo uma dádiva. Reúno tudo aquilo que a minha mãe desejou. Se olhar para os meus irmãos somos o inverso. Branquinha só eu. Sou o copo de leite lá de casa.

P– A sua mãe só não foi uma bem sucedida mulher de palco por causa dos ciúmes do seu pai?

– Naquela altura quem vivia do teatro e da música era visto com maus olhos. A minha avó achava que aquilo não era futuro para ela. Ainda hoje se diz que a música não tem futuro. Eu também não gostaria que o meu filho fosse cantor. De maneira alguma. É muito violento.

P– Violento?

– Andar por aí, fora de casa, na estrada, a correr riscos. Uma mãe não quer isso para um filho.

P– Todavia, tem vários familiares ligados à música.

– Na minha família todos gostavam de música. Conhecia guitarras que trilhavam, violinos que choravam e vozes que entoavam fados de Coimbra e poemas de Florbela Espanca, Júlio Dinis e Camilo Castelo Branco. Por sua vez, a minha irmã mais velha casou com alguém que canta e toca guitarra por paixão. Tiveram dois filhos que seguiram o mundo da música: a Romana, de quem fui madrinha, e o Sérgio Rossi, músico, compositor e cantor. A mãe do meu pai era professora. Montava peças de teatro e convidava-me para cantar nas festas escolares. O meu pai tocava umas gaitadas lá em casa.

P– Mas isso foi antes da Fernanda (nome de baptismo) ser apelidada de rouxinol...

– Chamavam-me rouxinol porque desde pequena que gostava de ir cantar para a janela. Tinha dois anos e já era acompanhada por um senhor que tocava banjo na rua.

P– Teve uma infância feliz?

– Foi rápida e inesquecível. Tenho saudades de quando, com os meus dois irmãos mais novos, deliberava todas as brincadeiras: cabra cega, quarto escuro, bonecas, correria, jogos.

P– Lembra-se do primeiro dia de aulas?

– Foi um dia de ânsias. Uma sensação estranha ter de ficar sozinha. Lembro-me da minha bata branca, do cheiro dos lápis e do óleo de fígado de bacalhau na cantina durante a hora do almoço. Tudo na escola de Sapadores na Graça. Depois os meus pais mudaram de casa e acabei por frequentar outras escolas. Terminei os meus estudos na Secundária de Vila Cabral, nos Olivais Sul.

P– Era boa aluna?

– Sempre fui muito boa aluna mas as canções e a vida levaram-me a outras universidades.

P– Tem amigos dessa época?

– Não. Mudei de ambiente e adquiri novos amigos. Mas, por vezes, sem esperar, surpreende-me alguém no caminho com quem me diverti e até fui amiga. Aí sentimos saudades, choramos, abraçamo-nos, falamos.

P– Desde pequena que sonhava ser cantora?

– Essa era uma vontade de minha mãe que sempre desejou ter uma filha que fizesse o que ela não tinha conseguido fazer. Assim nasci eu que desde menina demonstrei tendência para a música. Mesmo com dificuldades a minha mãe colocou-me durante anos num professor de canto, o maestro Rebocho e Mesquita, na Emissora Nacional. Foi lá que aprendi solfejo e outras artes.

P– Recorda-se da primeira vez na rádio e na televisão?

– Fazia-me uma certa confusão pensar como é que eu podia estar nos dois sítios. Era muito miúda e não tinha a percepção das coisas. Hoje, quando me oiço, noto a minha infantilidade quando canto. Mas fico feliz por ter tido na produção gente tão distinta a orientar o meu trabalho. Tenho saudades dos grandes profissionais da música e da rádio que apostaram no meu primeiro single e me viram crescer.

P– E então dá voz à Abelha Maia...

– A Abelha Maia foi um desafio lançado pelo meu amigo Tozé Brito. Na altura fazia parte do primeiro agrupamento musical feminino, as Cocktail, e não deu para promover isso como cantora a solo. No entanto, por brincadeira, ofereciam-me abelhinhas. Tenho muita pena que hoje a animação esteja longe do que já foi. A agressividade e a ficção baralham muito as crianças, tornando-as mais agressivas.

P– Como e porquê é que escolheu o nome artístico Ágata?

– Foi o meu anjo da guarda, a voz da minha intuição. Sou uma pessoa com uma intuição muito apurada.

P– Que memórias tem das Cocktail e das Doce?

– Integrei as Cocktail durante oito anos e foi uma experiência agradável. Cantar a vozes era um desafio e dividir as nossas capacidades em palco também. Eu era muito ingénua. Acreditava que tudo era um mar de rosas. Na fase em que contava destacar-me como cantora a solo surgiu o convite das Doce. Não pude deixar de aceitar, pois tratava-se de um grupo com grande projecção. Foram dois anos de muito trabalho, muita falta de partilha e compreensão. Mas, como dizia a canção, o que ‘Lá Vai Lá Vai’.

P– Gravou um disco com o Art Sullivan, participou no ‘Frou Frou’ com o Herman, entrou no ‘Eu Show Nico’, teve que esperar até aos 34 anos, com ‘Perfume de Mulher’, pelo reconhecimento público. O sucesso chegou tarde?

– Esse foi o tempo certo para eu cuidar da minha carreira. Para que hoje ainda tenha o meu estatuto e para que não o perca facilmente.

P– Na altura cantava ‘Quentinhas e boas’. As castanhas?...

– Eu também era muito boa e jeitosa.

P– Mas isso não evitou que tivesse rescindido com a editora, vendido a aparelhagem e as roupas mais valiosas. Lembra-se de quem é que lhe comprou o casaco de peles?

– Não me lembro.

P– É preciso estar muito convicta para arriscar dessa forma!

– Cheguei a levar pregos e um martelo para o estúdio...

P– Pregos e um martelo?

– Para pregar na parede as fotografias que tirei do nosso trabalho. E exclamei: ‘Aqui fica marcado o meu primeiro sucesso!’ Tinha uma fé muito grande. Um avisozinho do meu anjo da guarda ao ouvido a dizer “Vai que desta vez é”.

P– A verdade é que ninguém queria o seu trabalho. Bateu à porta de quase todas as editoras e nada. Foi o José Malhoa que a levou à ‘Espacial’ e a apresentou ao Francisco, hoje seu marido.

– Quando as pessoas vêm com percurso feito as editoras não apostam. Pegam mais rapidamente numa cantora que é novidade que numa que já tem historial. Havia sempre um pé atrás. Como quem diz: “Esta anda aqui há anos e não passa da cepa torta”.

P– Foi então graças ao Francisco que teve esse primeiro disco.

– Tenho que agradecer à Rádio Alfa em Paris. Foi lá que o meu disco ganhou visibilidade. Foram os emigrantes que o ouviram primeiro e que no Verão o trouxeram para cá. Só oito meses depois é que começou a vender.

P– Apaixonou-se no seguimento de ‘Maldito Amor’?!...

– É verdade. Era mesmo um maldito amor. Sou bastante sensível e ao ouvir as história do Francisco acabei por me apaixonar. Muito humilde, simples, honesto. Apaixonei-me por ele ser um homem de luta. Um homem que nunca herdou nada, que começou do zero, que passou muita fome, dormiu debaixo das pontes, trabalhou muito, veio das feiras, e hoje é um homem que se reconhece pelo trabalho e inteligência. Pessoa muito amiga e que tem feito muito pela música portuguesa.

P– ‘Escrito no Céu’ chegou quase à tripla platina. Como explica isso?

– Talvez o céu possa dizer melhor do que eu. São coisas da natureza. Estava mesmo escrito no céu que esse seria um álbum para eu demonstrar mais uns sentidos.

P– Há quem a considere a rainha da música pimba. Concorda?

– Sou uma rainha sem coroa. Sou aquela que o povo chama de cantora romântica. Sou apenas a vencedora de um concurso dos ‘Reis da Canção Nacional’. Sou tudo aquilo que quiserem, desde que continue a ser quem sou.

P– Rainha sem coroa?

– Fui coroada rainha da música popular mas nunca me deram uma coroa. E uma rainha sem coroa não é rainha.

P– Não se acha rainha mas aceita que a considerem como tal?!

– Com certeza. Sinto-me feliz por isso, por as pessoas me elegerem como uma grande cantora da música popular.

P– Tem um altar dentro da mansão com inúmeros santos, pedras energizadas e um triângulo onde medita. Reza com frequência?

– Rezo todas as noites. Agradeço o meu dia, o que comi, o que andei, e peço pelas pessoas que vi com dificuldades, as que não estavam bem, os que sofrem. Rezo sempre com o meu filho. Um Pai Nosso e uma Avé Maria. E depois acabo por fazer uma conversa com Jesus Cristo. Muitas vezes ofereço velas ao meu anjo da guarda.

P– Quem é o seu anjo da guarda?

– É Caliel, um anjo do amor. Não direi um sofredor do amor mas um quase mártir. Ele apaixonou-se por alguém quando já não era corpo presente e, na impossibilidade de amar essa mulher, tentou protegê-la durante toda a vida. Assim se tornou anjo das pessoas que amam com muita intensidade.

P– Gostava de fazer um dueto com o Marco Paulo.

– Quem lhe disse isso? Ele tem uma voz muito mais forte que a minha, que é mais doce. Não sei se ligamos bem, mas não me importaria.

P– Fez-lhe o convite?

– As pessoas diziam-me: “Gosto muito de si e do Marco Paulo”. E eu lembrei-me que podia ser engraçado. Mas ele não se mostrou muito interessado. E eu parti para outra.

P– E adoraria cantar com Julio Iglésias.

– Muito. Acho que é o homem mais romântico. Ele deve ser encantador.

P– É mesmo ingénua?

– Muitas vezes sou. Não vejo maldade nas coisas, acabo por me entregar, por falar, por ser muito simplória. Só depois é que começo a ver que há qualquer coisa que não está a bater certo. E aí digo: “Eh pá, que estúpida!”

P– Já atingiu o topo da carreira?

– Não.

P– Falta muito?

– Não sei se falta muito ou pouco. Vou caminhando até que realmente Deus diga “Chega, ficas por aqui”. Sou ambiciosa mas não egoísta. E não sou daquelas que gostam de passar por cima de toda a gente.

P– Que balanço faz da sua carreira?

– Positivo. Sou reconhecida e isso faz-me feliz. Sinto que me respeitam. Na minha vida ainda não concluí qualquer tipo de meio-termo para encontrar a felicidade plena.

P– Já se sentiu maltratada?

– Costuma-se dizer que as más acções ficam com quem as pratica. Só lamento a indiferença. Às vezes sinto pena por serem tão pobres de espírito.

P– Alguém em concreto?

– Há muita gente à minha volta que me entristece.

P– Lamenta que certas pessoas que ajudou, como a Romana, não vejam essa ajuda reconhecida?

– Não sei o que lhe diga. Ela é livre de fazer aquilo que entenda, de dizer aquilo que quer, de me ignorar, de se lembrar. As pessoas têm que ser responsáveis pela sua maneira de ser. Gostava que ela fosse uma pessoa mais presente na minha vida.

P– Considera-se um exemplo?

– Não sou exemplo para ninguém. Não procuro que sigam os meus passos porque tenho consciência que me falta muito para chegar à perfeição.

P– Sente que há pessoas que não gostam de si?

– Ah sim!

P– E porquê?

– No fundo pensam que eu sou uma pessoa rica, que não me falta nada, que nunca tive uma dor.

P– Nunca bebeu, nunca fumou, é saudável?

– Até agora tenho sido.

P– E rica?

– Sou muito rica de espírito. Se eu fosse rica e tivesse muito dinheiro fazia muita coisa. Fazia um infantário ou uma casa para apoiar as crianças desprotegidas, fazia um lar para idosos.

P– E por que é que não faz? Podia, por exemplo, vender um dos Mercedes que tem na garagem.

– Só tenho um e quando aquele se estragar não tenho mais. O meu carro não dava para pagar isso. Se eu soubesse que dava pode crer que vendia.

P– Já prejudicou alguém?

– Provavelmente já. Inconscientemente. Quando fazemos as coisas não é para magoar ninguém. Já deixei alguém que me amava muito. Virei as costas a um grande amor.

P– Falou-se que o parto do seu bebé seria transmitido em directo na televisão. O que é que aconteceu para não ter sido?

– Cansei-me de falar sobre esse assunto. Algumas pessoas fizeram de um acto que poderia ter sido maravilhoso um bicho de sete cabeças. O que era para mim melodia, poesia e amor passou a ser visto como uma apresentação descabida e pessoal. Deus deu-me a capacidade de reconhecer a parte ridícula das coisas. Depois de tanta especulação resolvi desistir. Não por falta de coragem mas por falta de sentido e serenidade.

P– Era capaz de ferir a moral pública e familiar?

– Todos imaginavam que ia escancarar o meu parto na televisão e eu queria só oferecer algumas imagens, fazer um filme com cabeça, tronco e membros com as partes mais românticas do nascimento de uma criança. Era essa a minha vontade mas as pessoas viram nisso uma cena feia, ordinária.

P– Acha?

– Pelo menos foi o que se falou. Fizeram um questionário ao público para saber quem é que estava contra e a favor. Eu não direi que não mas apetecia-me. Apetecia-me dividir o nascimento do meu filho com as pessoas que gostam de mim.

P– E com as que não gostam?

– Claro. Aliás, eu já tinha feito um teledisco da música ‘De Hoje em Diante’ em que simulo um parto. Queria voltar a fazer uma coisas dessas mas com mais carinho.

P– É uma sonhadora...

– Ultimamente só sonho com mortes. Pessoas que já morreram e que eu nem sequer me lembrava. Rezo com elas no sonho. Depois vão embora por uma porta. Já mandei rezar umas missas e tenho que mandar rezar mais. Não sei. É estranho.

P– Já lhe disseram que tem capacidades mediúnicas?

– Dizem-me isso. Que qualquer coisa vai acontecer quando tiver 52 anos. Ainda falta algum tempo.

P– É vaidosa?

– Não sou vaidosa mas gosto de me sentir bonita e confiante.

P– Entrega-se da mesma forma quando canta numa feira ou numa sala ‘chique’?

– Claro que não. O tipo de concentração é outro. A entrega e a interpretação são muito mais apuradas, existem outras condições. A entrega é mais positiva.

P– Emociona-se com facilidade.

– Sou muito sensível. Até a ver um boneco animado me comovo. Choro até mesmo com as alegrias.

P– Até quando subirá aos palcos?

– Não sei. Vou esperar para ver qual o plano de Deus na minha vida.

"FIZ UM ABORTO POR MEDO DOS MEUS PAIS"

P– Se não fosse cantora gostaria de ser obstetra?!

– Sinto-me feliz por ser quem sou. Gosto de cantar e o meu amor pela música é profundo. Mas também gostaria de ser obstetra para poder viver constantemente momentos de felicidade. Numa área mais clássica, bailarina. Acho que se tivesse iniciado ballet hoje podia exercitar duas carreiras. Talvez numa outra encarnação.

P- Fez regressão?

– Já fiz quatro. Uma bailarina egípcia, uma cantora de ópera em Itália, outra numa situação já minha, há uns anos atrás, de uma filha que não tive.

P– Não teve porquê?

– Porque não deixei a menina vir ao mundo. Fiz um aborto. E não aconselho ninguém a fazer isso porque é uma marca muito grande que fica na pessoa.

P– Por que é que o fez?

– Na altura tinha medo. Foi por medo dos meus pais.

P– Hoje é contra o aborto?

– Claro que sim.

P– O seu primeiro cachet, aos 14 anos, foi de 300 escudos. Hoje quanto é que ganha por espectáculo?

– Em ‘playback’ são, salvo erro, 6500 euros. Mas não tenho a certeza.

P– E se for com banda?

– Acho que são 10 mil euros.

P– Não tem a certeza de quanto ganha?

– Não me interessa.

P– Então quem é que se interessa?

– A minha irmã, a Elsa.

"A CAROLINA SALGADO É MINHA FÃ"

P– Regravou o hino do Chaves, clube de que é sócia, e, por estranho que pareça, é simpatizante do Benfica e adora o Porto.

– Como vivo aqui na cidade tenho que apoiar os nossos jogadores. O meu marido e um dos filhos são do Benfica, e o outro é do Porto. Portanto, tenho que ser dos dois.

P– Foi convidada para ir cantar ao casamento, que acabou por não se realizar, de Jorge Nuno Pinto da Costa e de Carolina Salgado.

– Era uma grande vontade dela. Conheci a Carolina pouco tempo antes deles se separarem. Porque sabia que ela era minha fã, que gostava de me ouvir, que cantava as minhas músicas. Do pouco que a conheci achei que era uma mulher muito simples e sensível.

P– Saíam juntas para fazer compras?

– Uma vez andámos a ver umas roupas. Foi muito simpática, ofereceu-me um perfume.

P– De que marca?

– Dragão.

"ESTOU A ESCREVER UM ROMANCE"

P– É verdade que adora escrever e que, inclusivamente, está a redigir um romance?

– Ando, mas ainda só tenho nove páginas e tal. Está muito bonito.

P– Mas já tem uma ideia, um tema?

– É a vida de uma mulher de coragem que nada tem a ver comigo. Tem dois irmãos, nasceu num determinado local. Comecei a escrever esta história por uma regressão que fiz.

P– Na sua autobiografia, que está a chegar ao término, quais são os momentos que considera essenciais?

– Essenciais foram e são todos os momentos que me fizeram e fazem crescer e entender que em cada passo dado foi e será sempre um grande momento.

P– Emocionou-se a escrever algum episódio?

– Sem dúvida. Reviver esses momentos é sentir na pele as mais variadas emoções.

P– Já tem alguma ideia para o título dessa biografia?

– Ainda não tenho a certeza. Vou esperar que com este livro o público aprenda a gostar de mim como mulher independentemente da cantora que sou.

PERFIL

O sucesso só chegou com ‘Perfume de Mulher’, aos 34 anos. Hoje conta com três duplas platinas – ‘Maldito Amor’, ‘Mãe Solteira’ e ‘Abandonada’. ‘Escrito no Céu’ chegou quase a ser tripla platina. A poucos dias do 47.º aniversário – nasceu a 11 de Novembro de 1959 – está a iniciar um romance, tem dois livros infantis e uma autobiografia quase prontos. Nas paredes do seu palacete, em Chaves, tem algumas das suas pinturas a óleo e acrílico. Todas com uma carga esotérica muito forte.

José Manuel Simões / Correio da Manha, 28/10/2006

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Ágata, a rainha pimba

Ágata chega ao Camarnal, Alenquer, às 23h30 de uma sexta-feira, para um «show» de beneficência destinado a um lar de idosos. Principia ali, numa velha fábrica reconvertida em salão de festas, um fim-de-semana alucinante que a levará a Alenquer, Paris, Porto Alto e Rio Maior. Os homens, Super-Bock na mão, olhares gulosos, esperam-na, entre comentários de «lá vem a gaja» ou «é mesmo boa?»

A proclamada Madonna portuguesa, uns saltos altos e pretos, um fato branco e negro, traz na mão as cassetes DAT com que fará o «playback» instrumental e sorri, com a mistura de ingenuidade, franqueza e alegria de viver que a leva a virar-se para nós a rir e dizer: «Ai que me esqueci do `Perfume de Mulher'.»

Nada em Ágata é falso. Pode ser «pimba», cantar canções de mau gosto ou usar roupas pouco adequadas, mas faz tudo com uma sinceridade evidente. Nem tem qualquer problema em falar de quanto ganha aqui ou vai buscar ali. É uma mulher do povo que recebe os seus fãs populares entre abraços e beijocas, ramos de flores que lhe deixam uma lágrima ao canto do olho, ou «bocas» que só a fazem rir. «Não há direito», brinca, «consideram-me a rainha pimba mas não me deram coroa nenhuma. Aliás, não sei o que é isso de música pimba, se é a música que o público gosta, que seja a música pimba.»

Antes do «show» de Alenquer, avisam-na no improvisado camarim que está lá fora a Fatinha. A jovem, uma cega acompanhada da mãe, é uma fã incondicional que a segue para todo o lado. Toca-lhe no braço para ver se ainda traz a pulseira do costume, senta-se-lhe ao colo, ameaça ir a casa quando sabe o que aconteceu com a DAT de «Perfume de Mulher». «Eu vou lá a casa buscar», diz a Fatinha. «Não vais nada, és maluca.»

Ágata ouve música de tourada ecoar da sala de espectáculos e grita «olé». Dá a impressão de se estar sempre a divertir. Depois, sugere ao fotógrafo uma sessão de fotos, que ela própria comanda, sentando-se no chão, abraçando-se às colunas, de «shorts» pretos e olhar lânguido.

No «show», espicaça os homens -- «os homens dizem que somos umas feras» --, as mulheres -- «nós detestamos a mentira!» -- e o ex-marido: «`Foi Contigo' é dedicada a alguém que viveu comigo durante 12 anos um grande amor e que está aqui hoje.» Quando uma cassete do «playback» entra mal, ela improvisa. Convida as pessoas a comprar cassetes e CD seus e pede uma salva de palmas para os jornalistas do PÚBLICO presentes.

Uma semana antes, Ágata, aliás, Fernanda de Sousa, acabara de fazer o ensaio para a sua participação no programa Parabéns. Chegara atrasada por causa de um acidente na estrada, esteve mais de uma hora no estúdio da Edipim, corrigindo o ritmo da orquestra ou pedindo que se ouvisse a «guitarra portuguesa», mas recebera-nos com uma simpatia genuína e popular.

«Ando exausta», explica, agarrada ao telemóvel que não pára de tocar, «você pode pensar que não, mas sou eu que trato de tudo, ainda noutro dia tive de ir pagar a contribuição de uma casa que tinha em Alverca, sou eu que pago a água e a luz, sou eu que recebo as ofertas e aponto tudo na agenda».

Durante o desenrolar da entrevista, sob o olhar atento da sobrinha, a loira Romana, cujo primeiro disco será lançado em breve, o telemóvel não parou de tocar com ofertas de concertos. «Onde? Ah, não sei, deixe-me ver a agenda, eu acho que nessa altura estou na Alemanha, mas... o quê? Ah, são... contos, sim. Pronto, obrigado.» Ágata desliga o telemóvel e desabafa: «Bom, vamos a ver se agora podemos conversar.» Mas, daí a mais um bocado, telefonam do Norte a tentar contratá-la para o «réveillon». «Mas nessa altura talvez esteja na Suíça...», explica.

«Você não notou nada sempre que eu lhe atendi o telefone?», pergunta. «É que às vezes não sei como consigo fazer tanta coisa ao mesmo tempo, concertos, combinar tudo, marcar na agenda, discutir preços... fico com a cabeça vazia.» Entrevistas, Ágata confessa não gostar de dar, especialmente quando lhe fazem o que fez uma revista feminina. Abre a revista e atira-ma aberta para a frente. «Veja lá isto. Perguntaram-me se gostava de me ver desejada pelos homens. Eu respondi que sim, eles puseram em título `Ágata: Gosto de me ver desejada pelos homens'. Que porcaria!»

A vida de Ágata começou a girar em rotação acelerada sobretudo depois do sucesso de «Perfume de Mulher», um disco recusado pela maioria das editoras, que ela pagou e conseguiu por fim vender à Espacial. Os telediscos apostaram na imagem «sexy», e em «lingerie», de uma cantora que pretende chegar ao público masculino e feminino. «As mulheres estão ao meu lado, acho que não as choco, pelo contrário, eu defendo-as. Fazem parte do meu leque. Afinal, os homens não conseguem viver sem as mulheres.»

Ninguém lhe impingiu esta imagem. Ágata orgulha-se de ser ela a apostar nela própria. «É uma imagem que faz parte de mim, não sei se sou `sexy' mas sei que sou sensual. Dizem que tenho uma forma de estar em palco diferente, dizem que sou a Madonna portuguesa. Aliás, eu adoro a Madonna. Tem uma grande produção, um visual fantástico.»

Foi sempre Ágata quem escolheu as roupas, apesar de ouvir sugestões. Para ela, a imagem é fundamental. «Sempre dei muita importância à imagem mas agora dou mais. Imagem ousada? Ainda há-de ser mais, até só andar de bengala!»

Há pouco tempo, a revista «Nova Gente» revelou, entre as fotos muito encarnadas e «sensuais» da promoção do novo disco, que Ágata não se importaria de posar nua. «Depende da foto e da oferta», explica-nos Ágata, «teria de ser uma foto artística que não chocasse as crianças. E, depois, eu não sou superelegante, não sou nenhum manequim, o pessoal via aquilo e dava à sola, também tenho a noção do ridículo, ah, ah, ah...»

Se hoje Ágata mal reage aos assobios e piropos do género «quero fazer-te um filho» ou «és muito boa», é porque teve um longo e duro treino à frente das mais variadas audiências. Começou por cantar com um vizinho que tocava banjo e passava horas ao espelho a trautear canções da Madalena Iglésias, do António Calvário ou da Simone de Oliveira.

A avó, professora, organizava festas pelo país, para as quais levava a neta. Ágata cantava de sala em sala de aula. Aos 13 anos, ganhou um concurso no pavilhão da Amadora, chamado «À procura de uma nova estrela», frequentou uma professora de música e o muito pomposo Curso de Preparação Artística da Emissora Nacional. «Estudei a acentuação, a respiração, aprendi a pôr as mãos a cantar, qual era a perna que se punha primeiro em palco, qual a perna para sair do palco sem esbarrar no microfone...»

Hoje, poucos se lembram que gravou o primeiro disco aos 14 anos, aos 15 participou no programa Nicolau no País das Maravilhas e aos 18 gravava «L'Amour à la française» com o então famoso Art Sullivan. Ainda muito jovem, tornou-se na voz da Abelha Maia que enxameou os cafés de todo o país. Foi então que entrou para as Cocktail e ali seguiu uma carreira conjunta durante oito anos até a convidarem a participar nas Doce, em substituição de um elemento que saiu. «Estive lá dois anos, mas o ambiente era muito mau. A queda final foi dada por mim. Havia lá um elemento que tinha a mania que era a líder e não cantava.»

No fim dos anos 80, esqueceu de vez o nome de baptismo -- «detesto o meu nome» -- e escolheu o de Ágata, em homenagem à sua heroína Agatha Christie e à pedra preciosa com o mesmo nome. Contratou duas bailarinas e gravou «Quentinha e boa». A canção, melhor, o título da canção gerou polémica. «Eram as castanhas, não era eu», explica.

Ainda gravou «Amor Latino» e «Louca por ti», parou de gravar durante três anos, mas ninguém esperaria que o título de rainha pimba lhe assentasse como uma luva. «O rei é o Emanuel, a rainha sou eu...», diz, encolhendo os ombros, resignada.

PUBLICO, 16/11/1995

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

E depois do Pimba

No Verão, correm o país de lés-a-lés, a cantar em português. Já houve quem lhes chamasse ‘artistas pimba’, mas eles nunca se importaram porque vendiam discos ao ‘desbarato’. Agora a cantiga é outra. Em vez de ‘pimba’, o seu lema é o amor

Corria o ‘Verão Quente’ de 1975, quando Américo Monteiro, nascido a 25 de Março de 1957, em Covas do Douro, decidiu conciliar os estudos do liceu com a aprendizagem da guitarra clássica. E em boa hora o fez. O rapaz tinha jeito para a música e cinco anos depois já estava a dar aulas. Graças a ele, os estudantes passaram a tocar os temas dos Beatles, Elvis Presley e do português José Cid, um dos ídolos do professor. Mas Américo queria mais. As quatro paredes daquela escola estavam a tornar-se pequenas para ele - tal como tinha acontecido com a remota aldeia onde nasceu. Movido pela ambição de singrar no mundo da música como intérprete, opta então pelo nome artístico de Emanuel e grava o primeiro disco em 1992, intitulado ‘Tu sabes que já foste minha’. No ano seguinte, sai ‘Portugal, Ai que Saudade’ – um álbum feito a pensar nos emigrantes, o público-alvo deste tipo de música - mas os dois trabalhos não fizeram história. Isso só aconteceria em 1995. Trancado vários meses num estúdio de gravação, Emanuel estava determinado a sair de lá com uma canção ‘diferente’, que conseguisse pôr todos os portugueses a dançar. Foi assim que nasceu o fenómeno ‘Pimba, Pimba’ – a banda sonora desse Verão. "Ninguém resiste a esse tema. Mal ouvem os primeiros acordes, começam logo a dançar e não sabem porquê", explica o ‘pai babado’.
Logo no início ouviram-se várias vozes contra o novo género musical, apelidado de ‘brejeiro’ ou ‘piroso’. Mas foi a TVI que o baptizou de ‘pimba’ – e de imediato, a moda pegou. Na televisão, na imprensa ou na rádio, os debates sobre o estado da música portuguesa sucediam-se, e os especialistas não conseguiam disfarçar uma profunda irritação quando se debruçavam sobre este assunto. O crítico Eduardo Cintra Torres foi um dos intelectuais que pôs o dedo na ferida: "Os excluídos sabem que a música ‘pimba’ é a sua música. E sabem que os outros - os que têm poder - odeiam os seus valores culturais. E isso fá-los identificar-se ainda mais com a Mónica Sintra".

‘MADE IN’ PORTUGAL

Em pouco tempo, os portugueses ficaram a conhecer uma nova geração de artistas populares, a quem a crítica rotulou de ‘cantores pimba’. Ágata, Ruth Marlene, Micaela, Romana, Toy, o pequeno Saúl, José e Ana Malhoa, Mónica Sintra, Fernando Correia, Iran Costa ou o Duo Ele e Ela, entre muitos outros, foram alguns dos nomes que rapidamente se tornaram familiares. Mas a lista só ficaria completa com os consagrados Marco Paulo, Roberto Leal ou Quim Barreiros, que alguns anos antes do fenómeno ‘pimba’, já arrasavam plateias populares. "Esses temas foram sempre a música das romarias, das feiras e das cassete-piratas", recorda Carlos Ribeiro, ex-apresentador do ‘Made In Portugal’ (um dos programas que mais contribuiu para a divulgação música portuguesa durante a década de 90).

A ‘inteligentzia’ portuguesa é que fazia os possíveis para ignorar os temas que marcaram a época de ouro do ‘pimba’ - como ‘Só à Estalada’, ‘Chupa no Dedo’, ‘Na Minha Cama com Ela’, ‘Afinal Havia Outra’, ‘Bacalhau Quer Alho’, ‘Maldito Amor’ ou ‘Já Não Sou Bebé’, entre outros.

Perante os ‘ataques’ da comunicação social, os artistas respondiam à letra. Emanuel, num momento mais exaltado chegou a dizer que os críticos podiam falar à vontade: "Mas no final do dia, eu vou para casa num Mercedes e eles, coitados, num pequeno utilitário". Uma ‘guerra’ de palavras que contribuiu para o florescimento do fenómeno. Nos anos seguintes, bailaricos de Verão sem um destes cantores populares perdiam a graça. As comissões de festas faziam os possíveis para garantir os artistas mais reconhecidos – mesmo que isso implicasse gastar uma pequena fortuna. À conta desta nova ‘moda’, alguns músicos saborearam ‘La Dolce Vita’. Afinal, as carreiras podiam ser curtas mas davam para ganhar algum ‘dinheirinho’ extra.

"Nunca tive complexos musicais. Tanto gosto da Dulce Pontes como do Quim Barreiros. O problema é que a opinião do público nunca há-de coincidir com a da crítica, tradicionalmente mais elitista". As palavras são de Carlos Ribeiro, que sempre defendeu o direito à diferença. O apresentador já não é nenhum novato nestas ‘andanças’ e chegou à conclusão que "só os populares é que compram música portuguesa. Há muitos anos que a classe alta está de costas voltadas para a cultura tradicional", dispara.

Mas com o passar do tempo, a música ‘pimba’ foi perdendo a controvérsia e adeptos. Até o ex-apresentador do ‘Made In Portugal’ admite que hoje o conceito já está estafado. "O público saturou-se e os artistas tiveram de arranjar novas formas de surpreender os fãs", opina. A maioria optou por um estilo mais romântico ou ‘easy listening’ e houve até quem se atrevesse a cantar ‘country music’ em português – como aconteceu com Micaela. "Nunca pensei que as pessoas aderissem tão bem a este novo tema", conta a intérprete do ‘Desliga a Televisão’, uma canção ‘velhinha’ mas que continua a ser obrigatória nos seus espectáculos. "Essa música foi o ponto alto da minha carreira", explica Micaela, que aguarda pela oportunidade de poder tornar-se na ‘Shania Twain’ portuguesa.

‘COISINHA SEXY’

Os fãs da sua colega Mónica Sintra também não lhe perdoavam se ela deixasse de interpretar ‘Na Minha Cama com Ela’, o seu maior sucesso. Mas a cantora tem a certeza de que surpreendeu os portugueses com a música ‘Vem Dançar esta Salsa’, um tema também diferente do seu estilo habitual. Resta saber se isso também ajudou a ‘limar’ a sua imagem: "Tenho sempre o cuidado de ir mudando o meu visual consoante o estilo de música. Mas os que não gostam de mim, vão continuar a chamar-me ‘pimba’", desdramatiza a cantora, que confia cegamente no gosto dos portugueses. "Eles é que sabem o que é bom ou mau", remata.
Toy também tem confiança na opinião do público. O problema são os críticos: " Uns ignorantes que não percebem nada de música", avança o artista. Apesar de reconhecer que é mais fácil pegar na guitarra e cantar um tema popular do que um dito ‘sério’, ele nem quer ouvir falar em música ‘pimba’: "Há sim cantores ‘pimba’ que gostam de se exibir", comenta o autor de ‘Aguenta-te com Esta’. Apesar de coleccionar ‘hits’ atrás de ‘hits’ - como intérprete e compositor-, a sua grande aspiração continua por realizar: provar que a música ligeira pode ter qualidade. Conseguirá?

Ruth Marlene é uma das poucas artistas que reconhece que o ‘boom’ da música popular foi fundamental para o lançamento da sua carreira. "Com os ‘singles’ ‘Só à Estalada’ ou ‘A Moda do Pisca Pisca’, as pessoas passaram a conhecer-me melhor", admite a cantora, que nos últimos anos alterou por completo o seu visual. "Antes, ia para os espectáculos de calções curtos. Aos 17 anos era uma miúda radical e queria dar nas vistas. Agora gosto de usar roupa mais sóbria", admite.

Fã incondicional de baladas, a jovem ainda está à espera de poder gravar um disco mais acústico e elaborado. Até lá, o público pode continuar a ouvi-la a cantar "Coisinha Sexy’ ou ‘Truca Truca’, dois dos ‘hits’ do seu último trabalho, elogiado até pelo cantor João Pedro Pais. "Ele disse que eu tinha jeito para cantar música ligeira", gaba-se a jovem loira.

O ‘ROBBIE WILLIAMS’ PORTUGUÊS

Ao piano, ou só acompanhado pela guitarra – ao jeito de João Pedro Pais – outro João está a tentar recomeçar do zero. Depois de ter passado pela primeira ‘boys band’ portuguesa, os ‘Excesso’, João Portugal sonha com uma promissora carreira a solo. Mas aos 30 anos, já dá alguns sinais de cansaço: "Estou farto de ver sempre os mesmos nomes a serem premiados em concursos do género dos Globos de Ouro. Acho que deviam ser mais alargados", sugere o ‘Robbie Williams’ português, segundo palavras de Nuno Carvalho, da editora NZ Produções. Hoje, João não tem dúvidas que a sua passagem pelos Excesso pode ter prejudicado o seu percurso profissional– as pessoas ainda têm alguma dificuldade em levá-lo a sério – mas ao mesmo tempo abriu-lhe as portas do mundo da música. Uma coisa é certa: "’Boys band’ nunca mais!", desabafa João Portugal.

Deixarem de cantar em conjunto é uma possibilidade que Miguel e André nem querem ouvir falar. O duo romântico está satisfeito com a progressão na carreira e não tem intenção de mudar de estilo. "A música romântica nunca passa de moda. Veja-se o caso de Frank Sinatra ou do Julio Iglesias", admite André.
O cantor está convencido que os portugueses já se cansaram da música ‘pimba’ e agora preocupam-se mais com a qualidade dos artistas. Mas no universo musical a qualidade nem sempre é sinónimo de quantidade, quando se contabilizam as vendas de discos.

Que o diga Nuno Carvalho, o ‘homem-forte’ da NZ Produções. Para este ‘expert’, conhecedor como poucos do mercado discográfico português, um artista só tem a ganhar se tiver uma ‘máquina promocional’ a orientar a sua carreira. Isso pode ser determinante para o ‘sucesso ou fracasso de um álbum’. Mas há casos em que só isso não chega. "A longo prazo, o que conta é o talento, o trabalho e a dedicação do artista. Só assim é que se constroem carreiras sólidas que duram mais do que um Verão", explica o homem que ‘inventou’ os Excesso e os Anjos. E remata: "O público não é parvo". E ter-se-á fartado de vez do estilo ‘pimba’? n

O FENÓMENO ZÉ CABRA

Casimiro Afonso era um ilustre desconhecido até ao dia em que algumas das suas canções começaram a passar no programa ‘O Homem que Mordeu o Cão’, da Rádio Comercial. ‘Deixei Tudo Por Ela’ ou ‘Passa a Noite Comigo Morena’ tornaram-se ‘hits’ instantâneos. O público português rendeu-se ao seu estilo, no mínimo ‘diferente’: apesar de se intitular cantor, Zé Cabra tem alguma dificuldade em recordar as letras das canções e a voz teima em falhar-lhe nos momentos cruciais. "A cantar bem e com grande talento há muita gente em Portugal. E a cantar mal, embora a tentar disfarçar, também há muita gente. Mas o Zé Cabra é mais original", confessa Casimiro ao CM. E remata: "Eu sei que canto mal". Mas isso não o impediu de vender mais de 40 mil exemplares do primeiro álbum, lançado em 2001, e realizar cerca de 300 espectáculos em Portugal e no estrangeiro. Tal como aconteceu com a ‘música pimba’, anos antes, esta ‘moda’ também foi passageira. Actualmente, o famoso artista dedica-se à restauração e abriu um ‘snack-bar’, em Viana do Castelo.

O MIÚDO CRESCEU

O cantor do mega-êxito ‘O bacalhau quer alho’ acaba de lançar o quinto disco e está a somar 30 a 40 actuações por ano, mais outras tantas gratuitas e inseridas em eventos de solidariedade. Saul é o protagonista de uma vida invulgar desde a chegada ao patamar dos famosos, há oito anos, através das imitações de Quim Barreiros no ‘Big Show Sic’.

Quando não está em palco, ensaia ou vai às rádios e televisões para se promover. Já perdeu a conta aos concertos e depois do tal ‘bacalhau’, que vendeu 120 mil cópias (tripla platina), lançou “Os Pitos” (ouro), “Gosto de Ti à Brava” (prata), “Espeto no prego” (ouro) e “Não Sou Mau Estudante”, no último mês de Junho. O resultado é uma conta bancária segura – a família vive numa casa com piscina em Santana, Figueira da Foz –, mas também férias ocupadas por concertos, faltas à escola e perguntas sobre trabalho infantil. Habituado aos holofotes, o ‘puto do bacalhau’ não vacila. “Gosto muito do que faço e quero continuar”, assegura. A mãe toma a palavra para reforçar a ideia: “Ele tem um dom, não lhe íamos cortar as pernas e tirar aquilo que, na altura, queria fazer”.

As músicas cantadas por Saul, cheias de matreirice e trocadilhos de cariz sexual, não voltaram a atingir as vendas do primeiro disco e, entretanto, o miúdo que imitava o Quim Barreiros é um adolescente de 15 anos. Nada que o impeça de passar o Verão a cantar ao vivo ou visitar quase todas as comunidades portuguesas no estrangeiro, apoiado por um ‘staff’ de 16 elementos. “É claro que agora já não há aquela febre do início, mas o pessoal continua a ir aos espectáculos e a aderir bem”, diz a mãe, Cristina Santos. Quanto às receitas geradas pela carreira, ficam no segredo da família. Mas talvez por saber que no meio artístico tão depressa se sobe como se desce, Saul explica que quer acabar uma licenciatura e sonha ser piloto de aviões. “A música não dura toda a vida, temos de ter sempre um pé atrás”, justifica.

Ao contrário do que se poderia imaginar, ele considera-se um rapaz comum e nem os euros amealhados lhe subiram à cabeça. “Não muda nada, sou uma pessoa como as outras. O dinheiro não me diz nada. Claro que é preciso, mas gosto de ser humilde”, afirma. Quanto à escola, quando o Colégio de Quiaios fica para segundo plano, a matéria perdida é recuperada em aulas de apoio. E ainda sobra tempo para gastar em casa com a mesa de bilhar, as motas, os cães, o pónei ou os jogos de consola e computador.

“Ele tem a vida dele. Eu ganho para mim e não ando a explorar ninguém”, diz a mãe, que com o marido gere uma empresa de promoção de espectáculos. Por enquanto, os projectos de Saul passam pela música popular brejeira (como ele a chama), apesar de ser fã de Eminem e Limp Bizkit. Vai para o 9º ano – já reprovou uma vez – e planeia candidatar-se a futebolista na Naval 1º de Maio. Mas como o ‘bichinho’ não adormece, também está a começar aulas de acordeão.

É O BICHO, É O BICHO

Com um ritmo contagiante e uma letra fácil de memorizar, jovens e adultos passaram o Verão de 1995 a cantar "É o bicho, é o bicho/ vou-te devorar/ crocodilo eu sou". O autor da proeza foi Iran Costa, que graças a esse tema conseguiu vender mais de 160 mil unidades do seu álbum ‘Dance Music’. Resultado: o ‘Bicho’ rendeu 230 mil contos e o ‘cachet’ do cantor subiu em flecha, ficando-se pelos 800 contos por espectáculo. Tendo em conta que nesses meses quentes estava previsto o brasileiro dar perto de 100 concertos...é uma questão de fazer as contas.

"Naquela altura, surpreendi toda a gente. As pessoas só conheciam música brasileira romântica e ficaram entusiasmadas quando me viram a cantar o ‘Bicho’, acompanhado por bailarinas, de calções curtos e ‘top’ justos", recorda Iran, que ainda hoje se recusa a considerar a sua música ‘pimba’. "Eu não tenho nada a ver com o estilo da Ágata ou do Tony Carreira. O meu género musical é a “dance music", dispara. Recorde-se que o brasileiro saltou para as primeiras páginas dos jornais quando participou nas campanhas eleitorais do PP e do PSD, em 95. Nessa altura, até os comunistas entraram na ‘onda’. Um candidato da CDU chegou a proclamar num comício, em Grândola, que "Fernando Nogueira é o bicho e António Guterres, o crocodilo". E quando se julgava que os políticos não podiam surpreender mais, eis que as câmaras de televisão captam a conservadora Maria José Nogueira Pinto a alinhar num comboio, e a cantar ‘É o bicho, é o bicho".

Por:Maria Barbosa / Correio da Manhã, 2003

domingo, 31 de julho de 2011

O Governo é pimba...

Começa a ser confrangedor assistir à dança de governantes e comissários políticos do PS em visita à região, fazendo-se esquecidos das promessas feitas para estes quatro anos e tentando, desesperamente, passar a mensagem de que no próximo Quadro Comunitário de Apoio vai correr "leite e mel" como na Terra Prometida.

Também é caricato verificar que estas comitivas arrastam a presença sistemática de duas a três dezenas de "boys" locais, que estando em todas as "sessões solenes" (até parece que não têm mais nada para fazer), ou que estão ali, só, para encher a sala e bater palmas. Os mesmos que na sua maioria, antes, nunca compareciam a estes eventos e, agora, só, comparecem porque os cargos que ocupam a isso os obrigam. É certo que nestas paisagens solénicas não comparecem os "ex-boys" do PSD – desapareceram por completo –, já não são obrigados a tanto. Assim como, também, os actuais desaparecerão quando deixarem de se sentir "obrigados" a estar presentes.

Alguém já referiu que o Primeiro-Ministro, quando fala da guerra, que declarou em conjunto com os da NATO à Jugoslávia, fala com "cara de beato sofrido". O comportamento dos governantes que nos visitam é muito semelhante. Eles debitam a "cassete" com um ar sofrido, e lá vão dizendo que são contra as assimetrias e a interioridade como se disso não fossem co-responsáveis. Melhor seria que assumissem a sua parte de responsabilidade. A actual situação resulta, de facto, das políticas desenvolvidas pelo seu governo. Lata é o que não lhes falta!

Porém, a dura realidade desmente clara e completamente os «santos» sentimentos de tão ilustres visitantes. Na esteira das políticas desenvolvidas pelo Governo do PSD/Cavaco, o Governo do PS tem sido, no essencial, uma fotocópia fiel. Só que as fotocópias, por muito boas que sejam, nunca conseguem ser a reprodução completa do original e uma má política, fotocopiada, fica má a dobrar.

Os actuais governantes sabem melhor que nós que o seu Governo, ao aceitar o Pacto de Estabilidade, estava a comprometer-se com inevitáveis medidas que iriam contrariar o desenvolvimento harmonioso do País e acentuar, ainda mais, a desertificação de todo o interior. Sabem-no e são cúmplices de tal política. Portanto, vamos ver se no mínimo há honestidade intelectual.

A procura de mais uns «votitos», em época eleitoral, não pode justificar tudo. Porque em política não vale tudo. As situações a que constantemente assistimos, de tão anedóticas, às vezes até parecem inimagináveis.
O caminho instável e errático seguido por este governo, onde nunca se sabe nem se descobre o rumo, não pode ser explicado pela repetida afirmação do diálogo, na medida em que o diálogo pressupõe acção e realização.

Já o dissemos e voltamos a repetir: bom seria que o Primeiro-Ministro voltasse ao distrito para prestar contas das promessas que fez, quando da sua primeira e já «célebre» Governação Aberta. Muito gostaríamos de saber onde foram gastos os 100 milhões de contos que prometeu. Bem como se no seu mapa já consta Bragança.

O representante do Governo no distrito fazia, há pouco tempo, num jornal da cidade, uma «lista de merceeiro» da obra realizada por este Governo. Aquela lista, que nem sequer é original e que será exibida até à exaustão na campanha que se aproxima, ignora propositadamente o essencial. Faz ou pretende fazer de nós todos parvos.

Em homenagem à verdade, daqui desafiamos o Governo e o partido que o suporta a acrescentar à lista aquilo que está por fazer, designadamente: a construção do IP2; a conclusão do IP4; a construção do IC30; o alargamento e correcção de traçados das estradas que ligam a capital de distrito aos concelhos; a construção da nova linha de caminho-de-ferro com ligação a Espanha; a construção da Barragem das Laranjeiras; a construção do Hospital de Mogadouro; a rede de gás natural; a criação da Universidade de Bragança; a criação da Delegação da Polícia Judiciária de Bragança; medidas de apoio e incentivo ao investimento privado na região; a criação de postos de trabalho, nomeadamente com vista à fixação da juventude; o apoio à agricultura e aos agricultores (construção dos matadouros de Bragança e Vinhais, combate à brucelose, apoio à produção e à comercialização); o desenvolvimento do turismo e a preservação do nosso património ambiental; a construção de novos centros de saúde e o fim das listas de espera nos hospitais e centros de saúde do distrito; etc., etc., etc.

Ou então, por que não explicar o falhanço completo da aplicação das verbas do Prodouro e do Procôa, em vez de demagógica e irresponsavelmente virem, agora, falar, por exemplo, de um novo Prodouro, como têm feito ultimamente?

Também seria interessante explicar por que é que a maior fatia do Interregue, programa vocacionado para o desenvolvimento das regiões transfronteiriças, foi aplicado no litoral, na construção da rede de gás natural, que, ainda por cima, não contempla o interior, nomeadamente o nosso distrito.

Como seria de esperar que os governantes, em visita ao distrito, explicassem aos nossos comerciantes e industriais por que é que das 11 mil candidaturas do RIME (apoio às micro-empresas), só mil estão aprovadas, deixando os empresários defraudados nas expectativas criadas e «pendurados» nos compromissos que entretanto assumiram.

Temos, efectivamente, um Governo pimba. Onde a norma é a indecisão ou as iniciativas folclóricas.

Ao contrário, a região e o País precisam de um governo e de uma nova política,
onde os cidadãos estejam no centro de todas as preocupações.

Os governos pimba são como as músicas pimba: têm muita popularidade mas não prestam.

José Brinquete / «Avante!» Nº 1332, 09/06/1999

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Entrevistas Imaginárias: Ágata

ÁGATA
«O PP é o rei da política pimba»

ÁGATA é, há anos, o nome artístico de Fernanda de Sousa. Corre os quarentas, a cantar amores desfeitos, ciúmes, traições, cenas canalhas - as memórias da sua vida. Faz parte da nova imagem do PP-CDS, a dividir o palco com Paulo Portas. Ele clama promessas fáceis, em frases duras, como rajadas. E ela chora depois amores impossíveis, na sua voz melosa, e com o corpo a vibrar outras promessas. Tanto lhe chamam Madonna, como a rainha da música pimba.

EXPRESSO - Afinal, o que é: Madonna, ou a rainha da música pimba?

ÁGATA - Ai, as mesmíssimas duas coisas. Sou a Madonna - ou a Madonna é que é eu, porque sempre é mais nova -, porque ambas temos o mesmo bom gosto e a mesma beleza loura. Apesar de ela ser muito mais atrevida do que eu. Eu sempre me tapo com botas brancas e altas. Ela não se tapa com nada! Mas sou também a rainha da música pimba. Lá isso, é um título que ninguém me pode tirar! Todos os jornais o reconhecem!

EXP. - E isso honra-a?

A. - Muito! Porque isso significa que sou verdadeiramente popular. Como diz o dr. Paulo Portas, é preciso estar onde estão os reformados, os jovens, os lavradores, os pescadores, a classe média, preparados para ouvir apoios e críticas, sugestões e reparos - é assim que se faz política, e é assim que se faz uma carreira de cantora pimba!

EXP. - E onde é que está toda essa gente?

A. - Como diz o dr. Paulo Portas, essa gente, o povo, está sobretudo nas feiras e nos mercados. Por isso é que ele faz política nas feiras, e eu canto e vendo os meus discos nas feiras.

EXP. - Ainda bem que falou no dr. Paulo Portas, porque eu queria precisamente entrevistá-la sobre a sua ligação com o PP. Essa ligação deve-se então a uma afinidade popular?

A. - Precisamente! Assim como eu sou a rainha da música pimba, o CDS-PP é o rei da política pimba. Queremos os dois o mesmo para Portugal: bom negócio, bom trabalho e menos impostos.

EXP. - Mas as sondagens indicam não ser essa a opinião dos portugueses...

A. - Ai não?! Isso é porque as sondagens estão viciadas, e não se fazem onde deviam. Deviam fazer as sondagens nos meus espectáculos de feira, e logo veriam o que elas indicavam... ou então nos comícios do dr. Paulo Portas, como ele muito bem lembrou...

EXP. - E o que pensa dos outros partidos? O que pensa, por exemplo, do PSD?

A. - Olha, olha! Um partido que tem um candidato a escrever livros sobre o comunista do Cunhal!... Náááááá! Não serve cá para a gente do centro e da direita. Como muito bem diz o dr. Portas, isso cheira a esquerda liberal! E não me parece que isso seja coisa boa! Além de que não nos governamos com autores de livros! Afinal, para que é que servem os livros?! O dr. Portas nunca escreveu nenhum, e é um grande dirigente político, um autêntico político-pimba!

EXP. - Também não gosta do PS...

A. - Pois claro que não! Para dar mais uma mordomia ao dr. Soares?! Era o que faltava! Ainda por cima, um federalista! Não lhe chega ser presidente da fundação dele?! Ainda queria mais um tacho?! Ora toma!

EXP. - E o que é que acha do PCP?

A. - O que é que acho?! Olhe: acho que nunca me convidaram para as festas do Avante! E essas coisas, quer queiram quer não, pagam-se! Que é para aprenderem!

EXP. - E como é que vê o futuro político de Portugal?

A. - Ah, muito mal, muito mal! O país parece que está a ficar manco, coxo, desequilibrado. Tirando o dr. Portas, é tudo uma grande esquerdalhice! Veja-me só o Pacheco!...

EXP. - Como é que devia ser feita a campanha do PP, para evitar desequilíbrios?

A. - Ai, lá isso, fizemos as coisas muito bem! Primeiro que tudo, a minha presença nos comícios do PP, para associarmos bem a política pimba com a cultura pimba. E a partir daí, o papel do dr. Portas era muito simples: cada vez que via um velho, denunciava escandalizado as reformas miseráveis; e cada vez que via alguém mais novo, denunciava escandalizado os impostos que pagamos!

EXP. - Da Europa, mais em concreto, não é então preciso falar?

A. - Então não! Fala-se pois! O mais simples era limitarmo-nos a chamar comunistas aos outros todos, o que era facilitado pela pessoa do dr. Pacheco Pereira, e por aquele defeito esquisito que ele tem de escrever livros, ainda por cima sobre o Cunhal! Mas depois disso apareceu o dr. Soares com aquele maná do imposto europeu, e tudo ficou ainda mais fácil!

EXP. - E não há outras questões sociais, políticas, culturais...

A. - Culturais! Isso mesmo, culturais! É sobretudo pelas razões culturais que nós não queremos o federalismo europeu. Haveria o perigo de extinguir o que temos mais enraizado no nosso povo: a cultura pimba.

EXP. - Tem ideias concretas para evitar isso?

A. - Olhe, vou dar-lhe uma grande notícia em primeira mão: se o nosso povo, aquele que vem aos meus concertos, o que está nos comícios do CDS-PP, o que nas feiras abraça o Paulo Portas, for suficiente para nos levar algum dia ao poder, já tenho garantias de que, em vez de fechar os comícios do partido, passo a responsabilizar-me pela cultura do país.

PEDRO BRAGANÇA / Expresso, 11/06/1999
Entrevistas Imaginárias

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Prolegómenos

PROLEGÓMENOS PARA UMA ANÁLISE SÉRIA DA TENDÊNCIA MUSICAL POPULARMENTE CONHECIDA COMO PIMBA

O que é a música dita pimba? E será que o pimba existe? E quais as suas origens musicais? E porque é que há teses universitárias sobre o fenómeno?

Nenhum dos artistas que geralmente é encaixado na categoria pimba se reconhece como pertencendo a esta «gaveta». É natural, já que o termo - popularizado por uma reportagem da TVI e inspirado no tema de Emanuel «Pimba, Pimba» - é utilizado pelas elites intelectuais e bem-pensantes como pejorativo, achincalhante e digno de pena. Um pouco à semelhança do «brega» no Brasil ou do termo «redneck» aplicado aos «saloios» do sul dos Estados Unidos. Para as elites, pimba significa «piroso», «foleiro», «xunga» e está um pouco abaixo do kitsch na hierarquia do bom-gosto (o kitsch será uma espécie de mau-gosto com estilo enquanto o pimba não passa de mau-gosto absoluto, o grau zero da baixa-cultura). E os cantores - apesar de numa primeira fase aceitarem em boa parte a designação (houve até uma revista chamada «Pimba») - foram renegando e afastando-se gradualmente do epíteto, preferindo expressões como «música ligeira» ou «música popular». Outra razão, óbvia, para a negação é que no caldeirão pimba se começaram a meter produtos musicais diferentes: desde girls-bands ao Zé Cabra, da tentativa de euro-pop que são os Santamaria aos cantores românticos como Tony Carreira ou Toy. Mas a palavra ficou, colada à música mas também a programas de televisão, a livros (literatura-light=literatura-pimba), à política, etc.

A música dita pimba nasce nas editoras independentes nacionais - Discossete, Vidisco, Espacial, Ovação... -, muitas delas com experiência na música distribuída, via cassetes baratas, em feiras e bombas-de-gasolina, um circuito à parte, marginal, das lojas de discos dos grandes centros urbanos. Um circuito dirigido preferencialmente ao meio rural (e aos emigrantes que no Verão voltam às suas aldeias de origem). E é uma música de produção rápida e barata: em entrevista ao BLITZ, há nove anos, Emanuel (aka Américo Monteiro), dizia que no seu moderno estúdio da Pontinha se produziam quatro álbuns por mês. Um por semana, portanto. E com a proliferação dos estúdios digitais, centenas e centenas de discos de concepção rápida - porque recorrendo bastante a computadores, sintetizadores, programações, caixas-de-ritmos... - foram sendo criados (ou re-criados) nos últimos anos. E escrevo re-criados porque, como também dizia Emanuel nessa entrevista, «há dez ou onze tipos a a fazer canções e depois há dois mil a fazer versões» (das canções de maior sucesso, entenda-se). E potencialmente barata também porque na sua transposição para o formato «ao vivo», os artistas oferecem várias modalidades aos organizadores locais de concertos: por exemplo, «o artista com banda e duas bailarinas», «em playback e com duas bailarinas», «sozinho em playback».

E a música, perguntar-se-á?... As inspirações da música dita pimba vêm de todo o lado: da pop, do euro-disco, do brega brasileiro, da música romântica francesa, brasileira, italiana, do nacional-cançonetismo dos anos 60 e 70 (Tonicha, José Cid, Paulo Alexandre...) e, em muitíssimos casos, da música tradicional portuguesa. E é aqui que entra - para contrapor aos instrumentos electrónicos - o acordeão. O acordeão que, com a emergência dos ranchos folclóricos (SNI/António Ferro/Salazar), arrasou à sua passagem muitos instrumentos (e tocadores) tradicionais mas que se mantém, no dito pimba, como resquício de «instrumento tradicional», tanto em Portugal como nas comunidades emigrantes no estrangeiro. A este propósito, Sophie Chevalier (no texto «Folclore e Tradição Musical dos Portugueses na Região de Paris», incluído no livro «Vozes do Povo», ed. Celta) refere que nos ranchos folclóricos portugueses da capital francesa «é o acordeão o instrumento mais importante... fala-se mesmo em tirania dos acordeões».

O acordeão, aliás, marca uma certa fronteira entre os artistas, estando os que o usam (Quim Barreiros, Emanuel...) mais próximos dos ritmos, melodias e temas tradicionais portugueses. Não deixa de ser curioso que o musicólogo português José Alberto Sardinha tenha dito numa entrevista recente ao jornal Expresso: «Há um fenómeno que merecia um grande estudo que é o caso do Quim Barreiros: um cantor tradicional que herdou toda a tradição da música minhota e que cria de acordo com os parâmetros que lhe foram fornecidos pela tradição. Só que ainda ninguém reparou nisso... Ele tem criações onde, por exemplo, se identifica perfeitamente a estrutura musical do malhão do Norte que ele recriou. Com letras, em parte, fornecidas pela tradição. Aquela do "bacalhau", se se for ao Leite de Vasconcelos, está lá, é uma quadra popular do fim do século XIX!». E Sardinha não está sozinho na sua curiosidade científica sobre o fenómeno. Recentemente, Francisco Marques apresentou uma tese de mestrado na Universidade de Beja subordinada ao tema «O Fenómeno Musical "Pimba" - O caso Emanuel» (tese que será editada em livro brevemente).

O «bacalhau» de que fala Sardinha enquadra-se na corrente brejeira - que sempre existiu na literatura e na tradição portuguesas, de Gil Vicente a Bocage, do contador de anedotas Canty a Herman José - que é uma das marcas principais da música dita pimba. Mas há muitos outros temas recorrentes nas letras: o amor (dos amantes, da mãe, dos filhos), o divórcio, os acidentes na estrada, a dependência de drogas ou, em alguns casos, as saudades da aldeia - uma terra vista como Paraíso Perdido pelos emigrantes e migrantes e à qual hão-de regressar um dia. E põe-se aqui uma questão paralela. Os consumidores do chamado pimba são vistos pelas elites como «campónios», «iletrados» ou «suburbanos», mas são as elites que o têm acarinhado e alimentado ao longo dos últimos anos. Semanas académicas nas universidades (cujas Tunas aderem ao mesmo reportório e espírito), rádios locais e nacionais, programas de televisão, jornais e revistas de referência que não passam um Verão sem fazer uma reportagem sobre os cantores dessa área, têm legitimado o fenómeno.

Por outro lado, a proliferação de cantores e cantoras da mesma área - juntamente com o eventual recurso ao playback nos espectáculos e a generalização da ideia de que os estúdios podem fazer milagres com uma voz, por muito desafinada que seja - contribuem para criar a ilusão de que qualquer pessoa pode vir a ser cantor. E daí até às filas de centenas de pessoas a prestar provas de admissão em programas como «Ídolos» ou «Chuva de Estrelas», vai um pequeno passo.

Três histórias (e um texto recuperado do BLITZ acerca da chamada música pimba, publicado em Outubro de 2004):

1 - Há muitos anos, em conversa com Ricardo Camacho (produtor e teclista dos Sétima Legião para além de médico e um dos mais respeitados investigadores nacionais e internacionais no estudo da SIDA), ele contou-me que, durante um congresso médico em Istambul, aproveitou para comprar umas cassetes de música turca a que ele achava alguma graça. Só alguns anos depois ele descobriu que aquelas cassetes eram de uma espécie de pimba turco e que a boa música da Turquia era outra.

2 - Há um ano, numa entrevista com Zeca Baleiro, este fantástico cantor e compositor brasileiro disse-me que pensava gravar um álbum só com versões de temas de artistas portugueses respeitados - Sérgio Godinho, Jorge Palma, Rui Veloso, Zeca Afonso, Fausto, Vitorino, Pedro Abrunhosa e Armando Teixeira -, acrescentando depois, surpreendentemente, que também gostava de... Ruth Marlene.

3 - Também o ano passado, em Coimbra, num debate sobre folk e música tradicional, Mário Correia (do Intercéltico de Sendim e da editora e centro Sons da Terra) contou que num encontro de gaitas-de-foles, um gaiteiro veterano tocou um tema do Quim Barreiros enquanto outro, jovem, tocou o «Smells Like Teen Spirit», dos Nirvana, e que aquilo soou muito bem. Perguntei-lhe se essas versões em gaitas-de-foles poderiam ser consideradas música tradicional. O Mário - sabedor destas coisas como há poucos - respondeu: «Se esses temas forem incorporados no reportório de vários gaiteiros, vais ver que daqui por cem anos vão ser considerados música tradicional».

António Pires / Blog Raízes e Antenas, 21/07/2006