Toda a gente o conhece de cantar o «Pimba», mas Emanuel, 38 anos, ex-barman, ex-professor de guitarra clássica, compositor de umas 600 canções registadas e orquestrador de dezenas de discos de música ligeira, puxa dos galões e afirma: «Já cá ando há muito mais tempo do que as pessoas imaginam.»
Admirado com o sucesso de «Pimba Pimba»? Nada disso. «É um sucesso perfeitamente natural, de quem compôs 600 canções em sete anos e anda a orquestrar e compor para os outros há muito tempo», justifica Emanuel, sentado na quietude do seu estúdio na Pontinha, de onde saiu «Pimba Pimba».
Interrompe por momentos a entrevista para gravar uma mensagem para a rádio -- «Olá, sou o Emanuel, Pimba Pimba!» -- e explica o sucesso da canção como um cientista explica a descoberta de uma fórmula nova. «Eu apenas consegui manobrar essa arte das emoções que é a música, descobrindo uma linguagem nova: a melodia da música portuguesa misturada com o ritmo da música ligeira.»
A quem ataca o «Pimba» por ser simples de mais, Emanuel responde que «comunicar de forma simples não é fácil» e que «o `Pimba' está tecnicamente bem estruturado, com o fraseamento melódico e a harmonia correcta». Se comunica e entra nas emoções das pessoas, então, conclui Emanuel, é música e da boa.
«Há quem diga que é música pirosa, quadrada e chunga. Eu digo: se Deus perdoa aos ignorantes, quem sou eu para não os perdoar?»
No ano em que o termo «pimba» varre o país de lés-a-lés, utilizado por políticos, jornalistas desportivos e brincalhões à procura de conotações sexuais, é surpreendente encontrar Emanuel, o autor, recolhido num estúdio encaixado entre prédios sem graça da Pontinha, nos arredores de Lisboa, desmentindo o recado sexual da canção.
«Eu não tinha essa intenção», diz Emanuel. «A minha mensagem era pedagógica. Nós, homens, se elas querem um abraço ou um beijinho, nós damos, nós pimba, percebe?»
Em Covas do Douro, uma aldeia minúscula perto da Régua, Emanuel lembra-se de se levantar às quatro da manhã para regar o campo antes de ir para a escola ou ir buscar a lenha ao monte. Aos dez anos, de abalada para Lisboa, começou a trabalhar de noite como padeiro, mas o gosto pela música, trazia-o arreigado do Douro, desde que assistira às rogas das vindimas, o acordeonista à frente a tocar as modinhas.
Aos 13 anos, começou a estudar guitarra clássica. Mais tarde fez-se «barman» e futebolista em «part time». Chegou aos juniores numa equipa modesta do Cacém, passou pelo Sporting e foi mesmo enviado para os seniores no Atlético, então na I Divisão. Abandonou o futebol por incompatibilidade de horário com a sua actividade de «barman» e também por susto: uma médica pôs-lhe os dedos na coluna e disse-lhe que a quinta vértebra não estava boa.
Enquanto terminava o curso de guitarra -- falhou a entrada no Conservatório --, aprofundou os dotes de «barman» num restaurante de 1ª , na Avenida de Roma. «Devorei tudo o que havia sobre bebidas, as que faziam melhor à saúde, quais as indicadas para determinadas ocasiões...» Para poder acompanhar as conversas dos clientes, devorou livros de História e Geografia. «Um `barman' tem que ser um pouco psicólogo, confidente... Era fascinante.»
Terminado o curso de guitarra clássica, deu aulas de 1979 até 1987 e começou a compor e a orquestrar para outros. Em 83, compôs «Juro que te amo». Como havia poucas pessoas a compor, passou a ser muito requisitado. «Em 87 já compunha para o Zé Malhoa e em 88 orquestrei o álbum `Joana', de Marco Paulo. Tudo o que lá está foi orquestrado por mim», diz com uma ponta de orgulho.
Em 87, montou um estúdio próprio, na Pontinha. «Comecei a gravar aqui os artistas com menor poder económico.» Até que, no dealbar da década de 90, se descobriu como vocalista.
«Descobri que tinha o dom de comunicar ao participar em espectáculos dos artistas para que compunha. Raramente cantava, mas via as pessoas emocionarem-se com a minha música.» Impôs-se um projecto de cinco anos. «Se não resultasse, voltaria a orquestrar e a compor.» Do segundo para o terceiro ano, atinge o sucesso nas feiras e nas festas de aldeia com «Rapaziada vamos dançar». Nada fazia suspeitar, no entanto, o sucesso de «Pimba Pimba».
Agora, Emanuel quer tentar, em 96, o terceiro êxito consecutivo, para o que já tem uma equipa constituída e a trabalhar. Entretanto, vai compor cinco álbuns até ao fim do ano para outros tantos cantores. «Eu só digo, levei sete meses a gravar o `Pimba'. Os que criticam, que venham aqui ao estúdio tentar fazer o mesmo.» Pimba!
PúBLICO, 16/11/1995