Ágata chega ao Camarnal, Alenquer, às 23h30 de uma sexta-feira, para um «show» de beneficência destinado a um lar de idosos. Principia ali, numa velha fábrica reconvertida em salão de festas, um fim-de-semana alucinante que a levará a Alenquer, Paris, Porto Alto e Rio Maior. Os homens, Super-Bock na mão, olhares gulosos, esperam-na, entre comentários de «lá vem a gaja» ou «é mesmo boa?»
A proclamada Madonna portuguesa, uns saltos altos e pretos, um fato branco e negro, traz na mão as cassetes DAT com que fará o «playback» instrumental e sorri, com a mistura de ingenuidade, franqueza e alegria de viver que a leva a virar-se para nós a rir e dizer: «Ai que me esqueci do `Perfume de Mulher'.»
Nada em Ágata é falso. Pode ser «pimba», cantar canções de mau gosto ou usar roupas pouco adequadas, mas faz tudo com uma sinceridade evidente. Nem tem qualquer problema em falar de quanto ganha aqui ou vai buscar ali. É uma mulher do povo que recebe os seus fãs populares entre abraços e beijocas, ramos de flores que lhe deixam uma lágrima ao canto do olho, ou «bocas» que só a fazem rir. «Não há direito», brinca, «consideram-me a rainha pimba mas não me deram coroa nenhuma. Aliás, não sei o que é isso de música pimba, se é a música que o público gosta, que seja a música pimba.»
Antes do «show» de Alenquer, avisam-na no improvisado camarim que está lá fora a Fatinha. A jovem, uma cega acompanhada da mãe, é uma fã incondicional que a segue para todo o lado. Toca-lhe no braço para ver se ainda traz a pulseira do costume, senta-se-lhe ao colo, ameaça ir a casa quando sabe o que aconteceu com a DAT de «Perfume de Mulher». «Eu vou lá a casa buscar», diz a Fatinha. «Não vais nada, és maluca.»
Ágata ouve música de tourada ecoar da sala de espectáculos e grita «olé». Dá a impressão de se estar sempre a divertir. Depois, sugere ao fotógrafo uma sessão de fotos, que ela própria comanda, sentando-se no chão, abraçando-se às colunas, de «shorts» pretos e olhar lânguido.
No «show», espicaça os homens -- «os homens dizem que somos umas feras» --, as mulheres -- «nós detestamos a mentira!» -- e o ex-marido: «`Foi Contigo' é dedicada a alguém que viveu comigo durante 12 anos um grande amor e que está aqui hoje.» Quando uma cassete do «playback» entra mal, ela improvisa. Convida as pessoas a comprar cassetes e CD seus e pede uma salva de palmas para os jornalistas do PÚBLICO presentes.
Uma semana antes, Ágata, aliás, Fernanda de Sousa, acabara de fazer o ensaio para a sua participação no programa Parabéns. Chegara atrasada por causa de um acidente na estrada, esteve mais de uma hora no estúdio da Edipim, corrigindo o ritmo da orquestra ou pedindo que se ouvisse a «guitarra portuguesa», mas recebera-nos com uma simpatia genuína e popular.
«Ando exausta», explica, agarrada ao telemóvel que não pára de tocar, «você pode pensar que não, mas sou eu que trato de tudo, ainda noutro dia tive de ir pagar a contribuição de uma casa que tinha em Alverca, sou eu que pago a água e a luz, sou eu que recebo as ofertas e aponto tudo na agenda».
Durante o desenrolar da entrevista, sob o olhar atento da sobrinha, a loira Romana, cujo primeiro disco será lançado em breve, o telemóvel não parou de tocar com ofertas de concertos. «Onde? Ah, não sei, deixe-me ver a agenda, eu acho que nessa altura estou na Alemanha, mas... o quê? Ah, são... contos, sim. Pronto, obrigado.» Ágata desliga o telemóvel e desabafa: «Bom, vamos a ver se agora podemos conversar.» Mas, daí a mais um bocado, telefonam do Norte a tentar contratá-la para o «réveillon». «Mas nessa altura talvez esteja na Suíça...», explica.
«Você não notou nada sempre que eu lhe atendi o telefone?», pergunta. «É que às vezes não sei como consigo fazer tanta coisa ao mesmo tempo, concertos, combinar tudo, marcar na agenda, discutir preços... fico com a cabeça vazia.» Entrevistas, Ágata confessa não gostar de dar, especialmente quando lhe fazem o que fez uma revista feminina. Abre a revista e atira-ma aberta para a frente. «Veja lá isto. Perguntaram-me se gostava de me ver desejada pelos homens. Eu respondi que sim, eles puseram em título `Ágata: Gosto de me ver desejada pelos homens'. Que porcaria!»
A vida de Ágata começou a girar em rotação acelerada sobretudo depois do sucesso de «Perfume de Mulher», um disco recusado pela maioria das editoras, que ela pagou e conseguiu por fim vender à Espacial. Os telediscos apostaram na imagem «sexy», e em «lingerie», de uma cantora que pretende chegar ao público masculino e feminino. «As mulheres estão ao meu lado, acho que não as choco, pelo contrário, eu defendo-as. Fazem parte do meu leque. Afinal, os homens não conseguem viver sem as mulheres.»
Ninguém lhe impingiu esta imagem. Ágata orgulha-se de ser ela a apostar nela própria. «É uma imagem que faz parte de mim, não sei se sou `sexy' mas sei que sou sensual. Dizem que tenho uma forma de estar em palco diferente, dizem que sou a Madonna portuguesa. Aliás, eu adoro a Madonna. Tem uma grande produção, um visual fantástico.»
Foi sempre Ágata quem escolheu as roupas, apesar de ouvir sugestões. Para ela, a imagem é fundamental. «Sempre dei muita importância à imagem mas agora dou mais. Imagem ousada? Ainda há-de ser mais, até só andar de bengala!»
Há pouco tempo, a revista «Nova Gente» revelou, entre as fotos muito encarnadas e «sensuais» da promoção do novo disco, que Ágata não se importaria de posar nua. «Depende da foto e da oferta», explica-nos Ágata, «teria de ser uma foto artística que não chocasse as crianças. E, depois, eu não sou superelegante, não sou nenhum manequim, o pessoal via aquilo e dava à sola, também tenho a noção do ridículo, ah, ah, ah...»
Se hoje Ágata mal reage aos assobios e piropos do género «quero fazer-te um filho» ou «és muito boa», é porque teve um longo e duro treino à frente das mais variadas audiências. Começou por cantar com um vizinho que tocava banjo e passava horas ao espelho a trautear canções da Madalena Iglésias, do António Calvário ou da Simone de Oliveira.
A avó, professora, organizava festas pelo país, para as quais levava a neta. Ágata cantava de sala em sala de aula. Aos 13 anos, ganhou um concurso no pavilhão da Amadora, chamado «À procura de uma nova estrela», frequentou uma professora de música e o muito pomposo Curso de Preparação Artística da Emissora Nacional. «Estudei a acentuação, a respiração, aprendi a pôr as mãos a cantar, qual era a perna que se punha primeiro em palco, qual a perna para sair do palco sem esbarrar no microfone...»
Hoje, poucos se lembram que gravou o primeiro disco aos 14 anos, aos 15 participou no programa Nicolau no País das Maravilhas e aos 18 gravava «L'Amour à la française» com o então famoso Art Sullivan. Ainda muito jovem, tornou-se na voz da Abelha Maia que enxameou os cafés de todo o país. Foi então que entrou para as Cocktail e ali seguiu uma carreira conjunta durante oito anos até a convidarem a participar nas Doce, em substituição de um elemento que saiu. «Estive lá dois anos, mas o ambiente era muito mau. A queda final foi dada por mim. Havia lá um elemento que tinha a mania que era a líder e não cantava.»
No fim dos anos 80, esqueceu de vez o nome de baptismo -- «detesto o meu nome» -- e escolheu o de Ágata, em homenagem à sua heroína Agatha Christie e à pedra preciosa com o mesmo nome. Contratou duas bailarinas e gravou «Quentinha e boa». A canção, melhor, o título da canção gerou polémica. «Eram as castanhas, não era eu», explica.
Ainda gravou «Amor Latino» e «Louca por ti», parou de gravar durante três anos, mas ninguém esperaria que o título de rainha pimba lhe assentasse como uma luva. «O rei é o Emanuel, a rainha sou eu...», diz, encolhendo os ombros, resignada.
PUBLICO, 16/11/1995