domingo, 27 de março de 2011

Ricardo Landum

Serviço completo (artigo de 2000)

RICARDO Landum, 39 anos, moreno, olhos escuros, cabelo semicomprido, estatura média. Para os críticos - e são muitos - da música dita «pimba» (versão «emanuelística de música ligeira), este é o homem a abater. Guitarrista, compositor e produtor, é ele quem escreve as letras, cria as melodias e produz os álbuns de quase todas as estrelas da canção e da cassete popular.

Sim, é ele o culpado pela súbita veia musical que o atinge durante o duche matinal ou no trânsito infernal, ainda que inconscientemente. De repente, não se sabe vindo de onde, lá lhe escapa um verso melodramático de Ágata ou um romântico refrão de faca e alguidar de Mónica Sintra. Ou de Romana, Ruth Marlene, Tony Carreira, Micaela, Tentações, Axel, Tayti.

Sim, foi ele o responsável pela colectiva adoração pró-maternal dos portugueses, que homenagearam a plenos pulmões e meses a fio a «Mãe querida, mãe querida, o melhor que a gente tem…» E também pelo calvário emocional de Mónica Sintra, que ora descobre que «Afinal, havia outra», e uma família, um lar, uma casa e, no fim de contas, ela era apenas o amor das horas vagas; ora apanha o marido na «Minha (sua) cama com ela», ele e outra no seu quarto, perdido nos braços de outra mesmo ao pé do seu retrato.

A Ágata reservou idêntica traição e pô-la a cantar «Sai, sai da minha vida...» (Perfume de Mulher), um romance que acaba inevitavelmente num complicado divórcio, em que a louríssima cantora, numa atitude de completo desapego material, apenas implora pela custódia do filho: «Podes ficar com as jóias, o carro e a casa, mas não fiques com ele. E até as contas do banco e a casa de campo...».

Refugiado no seu estúdio de gravação, na Póvoa de Santa Iria, Ricardo tem dificuldade em explicar o sucesso. Fala constantemente em sorte, instinto, inspiração misteriosa para justificar os quase 200 discos de platina e ouro que já ganhou, quer na Discossete, onde trabalhou cinco anos, quer como produtor independente, desde 1991. Apesar disso poucos portugueses o conhecem. Ricardo não se importa. Tímido, prefere o «conforto do anonimato» que o afasta das luzes da ribalta e da histeria popular. Confessa, no entanto, que, por vezes, esse afastamento deliberado lhe traz alguma frustração, facilmente compensada pelos lucros do ofício. «Podia já viver só dos direitos de autor das canções, mas não me consigo imaginar longe do estúdio, longe da música».

Mas também ele teve a sua quota-parte de fama. Em 1989, na altura em que o Festival da Canção ainda esvaziava as ruas e recheava sofás de olhos e ouvidos pegados no ecrã, Ricardo conquistou, literalmente, Portugal. Como guitarrista dos Da Vinci, subiu ao pódio com a música «Conquistador», composta por ele numa guitarra rosa-choque, e sentiu pela primeira vez o orgulho contido de ver e ouvir o país, transbordante de orgulho histórico, cantar em uníssono «Já fui ao Brasil, Praia e Bissau, Angola, Moçambique, Goa e Macau...».

Músico precoce, aos nove anos já passeava com à-vontade pela escala das guitarras e aos treze encantou-se com os palcos de bailaricos da capital. Os seus gostos musicais, muito pouco ligeiros, em nada indiciavam um futuro no cançonetismo popular. Aliando-se ao «boom» do rock português dos anos 70, integrou os Samurai e os TNT, duas bandas de hard-rock e depois os Ibéria, mais virados para o então radical «heavy-metal».

Ainda sob a alçada familiar queria a todo o custo viver da música e rendeu-se, então, a sons mais comerciais na CBS. Abandonou o «look» metálico, as guitarradas frenéticas e até o nome. Ricardo é, na verdade, Francisco Landum, um baptismo pouco mediático à luz da análise de mercado da editora. «Entre André e Ricardo…». Arrependeu-se. Quer da mudança de nome - até a mulher lhe chama Ricardo , a mãe preserva o «Chico» - quer da experiência musical. «Gravei dois discos de pop pimbalhada, foleiros, que não tinham nada a ver comigo. Parecia o João Pinto com uma camisola do Porto». Fingiu ser um cantor romântico, um Tony Carreira do pop, mas o público deu pela mentira. «O povo não é estúpido». Os Da Vinci salvaram-no.

A entrada para a Discossete marcou a viragem definitiva. «Eu compunha 'heavy-metal' e 'trash', mas paralelamente criava outras melodias mais comerciais. Pediram-me para produzir o álbum de Márcio Ivens e eu, que nunca me tinha visto naquelas andanças, até tive sucesso». Hoje é ele que escolhe os artistas que produz.

Laboralmente egocêntrico e exigente, anda sempre com um bloco onde aponta ideias, chavões, melodias que lhe surgem em qualquer altura e local. «O 'Pisca-Pisca' da Ruth Marlene saiu-me no carro». Mas nem todas as canções surgem do acaso. Antes de começar a escrever e a compor, Ricardo Landum faz questão de conhecer a vida, a voz e as ambições dos artistas. Só depois se transforma, sucessivamente, em mulher traída, homem não correspondido, mãe solteira ou menina que quer ser mulher.

Quando sente saudades do palco, dá uma «perninha» nos concertos das «suas» estrelas, com uma guitarrada suave ou murmúrios de «backing vocal». As do rock sacia-as na aparelhagem onde Garbage, Prodigy e Massive Attack têm passagem assegurada. É que não há amor como o primeiro.

Raquel Moleiro / Expresso, 15/04/2000

Não tem nome de faz-tudo, mas é como se o ostentasse como a uma bandeira. A mais aligeirada da música ligeira é o reino de Ricardo