sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Emanuel - O Rei Pimba

Toda a gente o conhece de cantar o «Pimba», mas Emanuel, 38 anos, ex-barman, ex-professor de guitarra clássica, compositor de umas 600 canções registadas e orquestrador de dezenas de discos de música ligeira, puxa dos galões e afirma: «Já cá ando há muito mais tempo do que as pessoas imaginam.»

Admirado com o sucesso de «Pimba Pimba»? Nada disso. «É um sucesso perfeitamente natural, de quem compôs 600 canções em sete anos e anda a orquestrar e compor para os outros há muito tempo», justifica Emanuel, sentado na quietude do seu estúdio na Pontinha, de onde saiu «Pimba Pimba».

Interrompe por momentos a entrevista para gravar uma mensagem para a rádio -- «Olá, sou o Emanuel, Pimba Pimba!» -- e explica o sucesso da canção como um cientista explica a descoberta de uma fórmula nova. «Eu apenas consegui manobrar essa arte das emoções que é a música, descobrindo uma linguagem nova: a melodia da música portuguesa misturada com o ritmo da música ligeira.»

A quem ataca o «Pimba» por ser simples de mais, Emanuel responde que «comunicar de forma simples não é fácil» e que «o `Pimba' está tecnicamente bem estruturado, com o fraseamento melódico e a harmonia correcta». Se comunica e entra nas emoções das pessoas, então, conclui Emanuel, é música e da boa.

«Há quem diga que é música pirosa, quadrada e chunga. Eu digo: se Deus perdoa aos ignorantes, quem sou eu para não os perdoar?»

No ano em que o termo «pimba» varre o país de lés-a-lés, utilizado por políticos, jornalistas desportivos e brincalhões à procura de conotações sexuais, é surpreendente encontrar Emanuel, o autor, recolhido num estúdio encaixado entre prédios sem graça da Pontinha, nos arredores de Lisboa, desmentindo o recado sexual da canção.

«Eu não tinha essa intenção», diz Emanuel. «A minha mensagem era pedagógica. Nós, homens, se elas querem um abraço ou um beijinho, nós damos, nós pimba, percebe?»
Em Covas do Douro, uma aldeia minúscula perto da Régua, Emanuel lembra-se de se levantar às quatro da manhã para regar o campo antes de ir para a escola ou ir buscar a lenha ao monte. Aos dez anos, de abalada para Lisboa, começou a trabalhar de noite como padeiro, mas o gosto pela música, trazia-o arreigado do Douro, desde que assistira às rogas das vindimas, o acordeonista à frente a tocar as modinhas.

Aos 13 anos, começou a estudar guitarra clássica. Mais tarde fez-se «barman» e futebolista em «part time». Chegou aos juniores numa equipa modesta do Cacém, passou pelo Sporting e foi mesmo enviado para os seniores no Atlético, então na I Divisão. Abandonou o futebol por incompatibilidade de horário com a sua actividade de «barman» e também por susto: uma médica pôs-lhe os dedos na coluna e disse-lhe que a quinta vértebra não estava boa.

Enquanto terminava o curso de guitarra -- falhou a entrada no Conservatório --, aprofundou os dotes de «barman» num restaurante de 1ª , na Avenida de Roma. «Devorei tudo o que havia sobre bebidas, as que faziam melhor à saúde, quais as indicadas para determinadas ocasiões...» Para poder acompanhar as conversas dos clientes, devorou livros de História e Geografia. «Um `barman' tem que ser um pouco psicólogo, confidente... Era fascinante.»

Terminado o curso de guitarra clássica, deu aulas de 1979 até 1987 e começou a compor e a orquestrar para outros. Em 83, compôs «Juro que te amo». Como havia poucas pessoas a compor, passou a ser muito requisitado. «Em 87 já compunha para o Zé Malhoa e em 88 orquestrei o álbum `Joana', de Marco Paulo. Tudo o que lá está foi orquestrado por mim», diz com uma ponta de orgulho.

Em 87, montou um estúdio próprio, na Pontinha. «Comecei a gravar aqui os artistas com menor poder económico.» Até que, no dealbar da década de 90, se descobriu como vocalista.
«Descobri que tinha o dom de comunicar ao participar em espectáculos dos artistas para que compunha. Raramente cantava, mas via as pessoas emocionarem-se com a minha música.» Impôs-se um projecto de cinco anos. «Se não resultasse, voltaria a orquestrar e a compor.» Do segundo para o terceiro ano, atinge o sucesso nas feiras e nas festas de aldeia com «Rapaziada vamos dançar». Nada fazia suspeitar, no entanto, o sucesso de «Pimba Pimba».

Agora, Emanuel quer tentar, em 96, o terceiro êxito consecutivo, para o que já tem uma equipa constituída e a trabalhar. Entretanto, vai compor cinco álbuns até ao fim do ano para outros tantos cantores. «Eu só digo, levei sete meses a gravar o `Pimba'. Os que criticam, que venham aqui ao estúdio tentar fazer o mesmo.» Pimba!

PúBLICO, 16/11/1995

domingo, 25 de setembro de 2011

Fui coroada rainha mas nunca me deram a coroa

Ágata ficou com uma sensação amarga das Doce e lamenta a falta de partilha e de compreensão desse tempo. Teve de vender a aparelhagem e o casaco de peles para pagar o estúdio onde gravou ‘Escrito no Céu’, que viria a obter a quase tripla platina. E recorda com tristeza o dia em que, “por medo dos pais”, fez um aborto.

Correio Êxito – Enquanto esteve grávida de si a sua mãe pedia todos os dias a Deus que lhe desse “uma menina de olho azul, pele clara e com dotes musicais”. Pode dizer-se que Deus ouviu as preces de sua mãe?!

Ágata – Não tenho qualquer dúvida. Fui mesmo uma dádiva. Reúno tudo aquilo que a minha mãe desejou. Se olhar para os meus irmãos somos o inverso. Branquinha só eu. Sou o copo de leite lá de casa.

P– A sua mãe só não foi uma bem sucedida mulher de palco por causa dos ciúmes do seu pai?

– Naquela altura quem vivia do teatro e da música era visto com maus olhos. A minha avó achava que aquilo não era futuro para ela. Ainda hoje se diz que a música não tem futuro. Eu também não gostaria que o meu filho fosse cantor. De maneira alguma. É muito violento.

P– Violento?

– Andar por aí, fora de casa, na estrada, a correr riscos. Uma mãe não quer isso para um filho.

P– Todavia, tem vários familiares ligados à música.

– Na minha família todos gostavam de música. Conhecia guitarras que trilhavam, violinos que choravam e vozes que entoavam fados de Coimbra e poemas de Florbela Espanca, Júlio Dinis e Camilo Castelo Branco. Por sua vez, a minha irmã mais velha casou com alguém que canta e toca guitarra por paixão. Tiveram dois filhos que seguiram o mundo da música: a Romana, de quem fui madrinha, e o Sérgio Rossi, músico, compositor e cantor. A mãe do meu pai era professora. Montava peças de teatro e convidava-me para cantar nas festas escolares. O meu pai tocava umas gaitadas lá em casa.

P– Mas isso foi antes da Fernanda (nome de baptismo) ser apelidada de rouxinol...

– Chamavam-me rouxinol porque desde pequena que gostava de ir cantar para a janela. Tinha dois anos e já era acompanhada por um senhor que tocava banjo na rua.

P– Teve uma infância feliz?

– Foi rápida e inesquecível. Tenho saudades de quando, com os meus dois irmãos mais novos, deliberava todas as brincadeiras: cabra cega, quarto escuro, bonecas, correria, jogos.

P– Lembra-se do primeiro dia de aulas?

– Foi um dia de ânsias. Uma sensação estranha ter de ficar sozinha. Lembro-me da minha bata branca, do cheiro dos lápis e do óleo de fígado de bacalhau na cantina durante a hora do almoço. Tudo na escola de Sapadores na Graça. Depois os meus pais mudaram de casa e acabei por frequentar outras escolas. Terminei os meus estudos na Secundária de Vila Cabral, nos Olivais Sul.

P– Era boa aluna?

– Sempre fui muito boa aluna mas as canções e a vida levaram-me a outras universidades.

P– Tem amigos dessa época?

– Não. Mudei de ambiente e adquiri novos amigos. Mas, por vezes, sem esperar, surpreende-me alguém no caminho com quem me diverti e até fui amiga. Aí sentimos saudades, choramos, abraçamo-nos, falamos.

P– Desde pequena que sonhava ser cantora?

– Essa era uma vontade de minha mãe que sempre desejou ter uma filha que fizesse o que ela não tinha conseguido fazer. Assim nasci eu que desde menina demonstrei tendência para a música. Mesmo com dificuldades a minha mãe colocou-me durante anos num professor de canto, o maestro Rebocho e Mesquita, na Emissora Nacional. Foi lá que aprendi solfejo e outras artes.

P– Recorda-se da primeira vez na rádio e na televisão?

– Fazia-me uma certa confusão pensar como é que eu podia estar nos dois sítios. Era muito miúda e não tinha a percepção das coisas. Hoje, quando me oiço, noto a minha infantilidade quando canto. Mas fico feliz por ter tido na produção gente tão distinta a orientar o meu trabalho. Tenho saudades dos grandes profissionais da música e da rádio que apostaram no meu primeiro single e me viram crescer.

P– E então dá voz à Abelha Maia...

– A Abelha Maia foi um desafio lançado pelo meu amigo Tozé Brito. Na altura fazia parte do primeiro agrupamento musical feminino, as Cocktail, e não deu para promover isso como cantora a solo. No entanto, por brincadeira, ofereciam-me abelhinhas. Tenho muita pena que hoje a animação esteja longe do que já foi. A agressividade e a ficção baralham muito as crianças, tornando-as mais agressivas.

P– Como e porquê é que escolheu o nome artístico Ágata?

– Foi o meu anjo da guarda, a voz da minha intuição. Sou uma pessoa com uma intuição muito apurada.

P– Que memórias tem das Cocktail e das Doce?

– Integrei as Cocktail durante oito anos e foi uma experiência agradável. Cantar a vozes era um desafio e dividir as nossas capacidades em palco também. Eu era muito ingénua. Acreditava que tudo era um mar de rosas. Na fase em que contava destacar-me como cantora a solo surgiu o convite das Doce. Não pude deixar de aceitar, pois tratava-se de um grupo com grande projecção. Foram dois anos de muito trabalho, muita falta de partilha e compreensão. Mas, como dizia a canção, o que ‘Lá Vai Lá Vai’.

P– Gravou um disco com o Art Sullivan, participou no ‘Frou Frou’ com o Herman, entrou no ‘Eu Show Nico’, teve que esperar até aos 34 anos, com ‘Perfume de Mulher’, pelo reconhecimento público. O sucesso chegou tarde?

– Esse foi o tempo certo para eu cuidar da minha carreira. Para que hoje ainda tenha o meu estatuto e para que não o perca facilmente.

P– Na altura cantava ‘Quentinhas e boas’. As castanhas?...

– Eu também era muito boa e jeitosa.

P– Mas isso não evitou que tivesse rescindido com a editora, vendido a aparelhagem e as roupas mais valiosas. Lembra-se de quem é que lhe comprou o casaco de peles?

– Não me lembro.

P– É preciso estar muito convicta para arriscar dessa forma!

– Cheguei a levar pregos e um martelo para o estúdio...

P– Pregos e um martelo?

– Para pregar na parede as fotografias que tirei do nosso trabalho. E exclamei: ‘Aqui fica marcado o meu primeiro sucesso!’ Tinha uma fé muito grande. Um avisozinho do meu anjo da guarda ao ouvido a dizer “Vai que desta vez é”.

P– A verdade é que ninguém queria o seu trabalho. Bateu à porta de quase todas as editoras e nada. Foi o José Malhoa que a levou à ‘Espacial’ e a apresentou ao Francisco, hoje seu marido.

– Quando as pessoas vêm com percurso feito as editoras não apostam. Pegam mais rapidamente numa cantora que é novidade que numa que já tem historial. Havia sempre um pé atrás. Como quem diz: “Esta anda aqui há anos e não passa da cepa torta”.

P– Foi então graças ao Francisco que teve esse primeiro disco.

– Tenho que agradecer à Rádio Alfa em Paris. Foi lá que o meu disco ganhou visibilidade. Foram os emigrantes que o ouviram primeiro e que no Verão o trouxeram para cá. Só oito meses depois é que começou a vender.

P– Apaixonou-se no seguimento de ‘Maldito Amor’?!...

– É verdade. Era mesmo um maldito amor. Sou bastante sensível e ao ouvir as história do Francisco acabei por me apaixonar. Muito humilde, simples, honesto. Apaixonei-me por ele ser um homem de luta. Um homem que nunca herdou nada, que começou do zero, que passou muita fome, dormiu debaixo das pontes, trabalhou muito, veio das feiras, e hoje é um homem que se reconhece pelo trabalho e inteligência. Pessoa muito amiga e que tem feito muito pela música portuguesa.

P– ‘Escrito no Céu’ chegou quase à tripla platina. Como explica isso?

– Talvez o céu possa dizer melhor do que eu. São coisas da natureza. Estava mesmo escrito no céu que esse seria um álbum para eu demonstrar mais uns sentidos.

P– Há quem a considere a rainha da música pimba. Concorda?

– Sou uma rainha sem coroa. Sou aquela que o povo chama de cantora romântica. Sou apenas a vencedora de um concurso dos ‘Reis da Canção Nacional’. Sou tudo aquilo que quiserem, desde que continue a ser quem sou.

P– Rainha sem coroa?

– Fui coroada rainha da música popular mas nunca me deram uma coroa. E uma rainha sem coroa não é rainha.

P– Não se acha rainha mas aceita que a considerem como tal?!

– Com certeza. Sinto-me feliz por isso, por as pessoas me elegerem como uma grande cantora da música popular.

P– Tem um altar dentro da mansão com inúmeros santos, pedras energizadas e um triângulo onde medita. Reza com frequência?

– Rezo todas as noites. Agradeço o meu dia, o que comi, o que andei, e peço pelas pessoas que vi com dificuldades, as que não estavam bem, os que sofrem. Rezo sempre com o meu filho. Um Pai Nosso e uma Avé Maria. E depois acabo por fazer uma conversa com Jesus Cristo. Muitas vezes ofereço velas ao meu anjo da guarda.

P– Quem é o seu anjo da guarda?

– É Caliel, um anjo do amor. Não direi um sofredor do amor mas um quase mártir. Ele apaixonou-se por alguém quando já não era corpo presente e, na impossibilidade de amar essa mulher, tentou protegê-la durante toda a vida. Assim se tornou anjo das pessoas que amam com muita intensidade.

P– Gostava de fazer um dueto com o Marco Paulo.

– Quem lhe disse isso? Ele tem uma voz muito mais forte que a minha, que é mais doce. Não sei se ligamos bem, mas não me importaria.

P– Fez-lhe o convite?

– As pessoas diziam-me: “Gosto muito de si e do Marco Paulo”. E eu lembrei-me que podia ser engraçado. Mas ele não se mostrou muito interessado. E eu parti para outra.

P– E adoraria cantar com Julio Iglésias.

– Muito. Acho que é o homem mais romântico. Ele deve ser encantador.

P– É mesmo ingénua?

– Muitas vezes sou. Não vejo maldade nas coisas, acabo por me entregar, por falar, por ser muito simplória. Só depois é que começo a ver que há qualquer coisa que não está a bater certo. E aí digo: “Eh pá, que estúpida!”

P– Já atingiu o topo da carreira?

– Não.

P– Falta muito?

– Não sei se falta muito ou pouco. Vou caminhando até que realmente Deus diga “Chega, ficas por aqui”. Sou ambiciosa mas não egoísta. E não sou daquelas que gostam de passar por cima de toda a gente.

P– Que balanço faz da sua carreira?

– Positivo. Sou reconhecida e isso faz-me feliz. Sinto que me respeitam. Na minha vida ainda não concluí qualquer tipo de meio-termo para encontrar a felicidade plena.

P– Já se sentiu maltratada?

– Costuma-se dizer que as más acções ficam com quem as pratica. Só lamento a indiferença. Às vezes sinto pena por serem tão pobres de espírito.

P– Alguém em concreto?

– Há muita gente à minha volta que me entristece.

P– Lamenta que certas pessoas que ajudou, como a Romana, não vejam essa ajuda reconhecida?

– Não sei o que lhe diga. Ela é livre de fazer aquilo que entenda, de dizer aquilo que quer, de me ignorar, de se lembrar. As pessoas têm que ser responsáveis pela sua maneira de ser. Gostava que ela fosse uma pessoa mais presente na minha vida.

P– Considera-se um exemplo?

– Não sou exemplo para ninguém. Não procuro que sigam os meus passos porque tenho consciência que me falta muito para chegar à perfeição.

P– Sente que há pessoas que não gostam de si?

– Ah sim!

P– E porquê?

– No fundo pensam que eu sou uma pessoa rica, que não me falta nada, que nunca tive uma dor.

P– Nunca bebeu, nunca fumou, é saudável?

– Até agora tenho sido.

P– E rica?

– Sou muito rica de espírito. Se eu fosse rica e tivesse muito dinheiro fazia muita coisa. Fazia um infantário ou uma casa para apoiar as crianças desprotegidas, fazia um lar para idosos.

P– E por que é que não faz? Podia, por exemplo, vender um dos Mercedes que tem na garagem.

– Só tenho um e quando aquele se estragar não tenho mais. O meu carro não dava para pagar isso. Se eu soubesse que dava pode crer que vendia.

P– Já prejudicou alguém?

– Provavelmente já. Inconscientemente. Quando fazemos as coisas não é para magoar ninguém. Já deixei alguém que me amava muito. Virei as costas a um grande amor.

P– Falou-se que o parto do seu bebé seria transmitido em directo na televisão. O que é que aconteceu para não ter sido?

– Cansei-me de falar sobre esse assunto. Algumas pessoas fizeram de um acto que poderia ter sido maravilhoso um bicho de sete cabeças. O que era para mim melodia, poesia e amor passou a ser visto como uma apresentação descabida e pessoal. Deus deu-me a capacidade de reconhecer a parte ridícula das coisas. Depois de tanta especulação resolvi desistir. Não por falta de coragem mas por falta de sentido e serenidade.

P– Era capaz de ferir a moral pública e familiar?

– Todos imaginavam que ia escancarar o meu parto na televisão e eu queria só oferecer algumas imagens, fazer um filme com cabeça, tronco e membros com as partes mais românticas do nascimento de uma criança. Era essa a minha vontade mas as pessoas viram nisso uma cena feia, ordinária.

P– Acha?

– Pelo menos foi o que se falou. Fizeram um questionário ao público para saber quem é que estava contra e a favor. Eu não direi que não mas apetecia-me. Apetecia-me dividir o nascimento do meu filho com as pessoas que gostam de mim.

P– E com as que não gostam?

– Claro. Aliás, eu já tinha feito um teledisco da música ‘De Hoje em Diante’ em que simulo um parto. Queria voltar a fazer uma coisas dessas mas com mais carinho.

P– É uma sonhadora...

– Ultimamente só sonho com mortes. Pessoas que já morreram e que eu nem sequer me lembrava. Rezo com elas no sonho. Depois vão embora por uma porta. Já mandei rezar umas missas e tenho que mandar rezar mais. Não sei. É estranho.

P– Já lhe disseram que tem capacidades mediúnicas?

– Dizem-me isso. Que qualquer coisa vai acontecer quando tiver 52 anos. Ainda falta algum tempo.

P– É vaidosa?

– Não sou vaidosa mas gosto de me sentir bonita e confiante.

P– Entrega-se da mesma forma quando canta numa feira ou numa sala ‘chique’?

– Claro que não. O tipo de concentração é outro. A entrega e a interpretação são muito mais apuradas, existem outras condições. A entrega é mais positiva.

P– Emociona-se com facilidade.

– Sou muito sensível. Até a ver um boneco animado me comovo. Choro até mesmo com as alegrias.

P– Até quando subirá aos palcos?

– Não sei. Vou esperar para ver qual o plano de Deus na minha vida.

"FIZ UM ABORTO POR MEDO DOS MEUS PAIS"

P– Se não fosse cantora gostaria de ser obstetra?!

– Sinto-me feliz por ser quem sou. Gosto de cantar e o meu amor pela música é profundo. Mas também gostaria de ser obstetra para poder viver constantemente momentos de felicidade. Numa área mais clássica, bailarina. Acho que se tivesse iniciado ballet hoje podia exercitar duas carreiras. Talvez numa outra encarnação.

P- Fez regressão?

– Já fiz quatro. Uma bailarina egípcia, uma cantora de ópera em Itália, outra numa situação já minha, há uns anos atrás, de uma filha que não tive.

P– Não teve porquê?

– Porque não deixei a menina vir ao mundo. Fiz um aborto. E não aconselho ninguém a fazer isso porque é uma marca muito grande que fica na pessoa.

P– Por que é que o fez?

– Na altura tinha medo. Foi por medo dos meus pais.

P– Hoje é contra o aborto?

– Claro que sim.

P– O seu primeiro cachet, aos 14 anos, foi de 300 escudos. Hoje quanto é que ganha por espectáculo?

– Em ‘playback’ são, salvo erro, 6500 euros. Mas não tenho a certeza.

P– E se for com banda?

– Acho que são 10 mil euros.

P– Não tem a certeza de quanto ganha?

– Não me interessa.

P– Então quem é que se interessa?

– A minha irmã, a Elsa.

"A CAROLINA SALGADO É MINHA FÃ"

P– Regravou o hino do Chaves, clube de que é sócia, e, por estranho que pareça, é simpatizante do Benfica e adora o Porto.

– Como vivo aqui na cidade tenho que apoiar os nossos jogadores. O meu marido e um dos filhos são do Benfica, e o outro é do Porto. Portanto, tenho que ser dos dois.

P– Foi convidada para ir cantar ao casamento, que acabou por não se realizar, de Jorge Nuno Pinto da Costa e de Carolina Salgado.

– Era uma grande vontade dela. Conheci a Carolina pouco tempo antes deles se separarem. Porque sabia que ela era minha fã, que gostava de me ouvir, que cantava as minhas músicas. Do pouco que a conheci achei que era uma mulher muito simples e sensível.

P– Saíam juntas para fazer compras?

– Uma vez andámos a ver umas roupas. Foi muito simpática, ofereceu-me um perfume.

P– De que marca?

– Dragão.

"ESTOU A ESCREVER UM ROMANCE"

P– É verdade que adora escrever e que, inclusivamente, está a redigir um romance?

– Ando, mas ainda só tenho nove páginas e tal. Está muito bonito.

P– Mas já tem uma ideia, um tema?

– É a vida de uma mulher de coragem que nada tem a ver comigo. Tem dois irmãos, nasceu num determinado local. Comecei a escrever esta história por uma regressão que fiz.

P– Na sua autobiografia, que está a chegar ao término, quais são os momentos que considera essenciais?

– Essenciais foram e são todos os momentos que me fizeram e fazem crescer e entender que em cada passo dado foi e será sempre um grande momento.

P– Emocionou-se a escrever algum episódio?

– Sem dúvida. Reviver esses momentos é sentir na pele as mais variadas emoções.

P– Já tem alguma ideia para o título dessa biografia?

– Ainda não tenho a certeza. Vou esperar que com este livro o público aprenda a gostar de mim como mulher independentemente da cantora que sou.

PERFIL

O sucesso só chegou com ‘Perfume de Mulher’, aos 34 anos. Hoje conta com três duplas platinas – ‘Maldito Amor’, ‘Mãe Solteira’ e ‘Abandonada’. ‘Escrito no Céu’ chegou quase a ser tripla platina. A poucos dias do 47.º aniversário – nasceu a 11 de Novembro de 1959 – está a iniciar um romance, tem dois livros infantis e uma autobiografia quase prontos. Nas paredes do seu palacete, em Chaves, tem algumas das suas pinturas a óleo e acrílico. Todas com uma carga esotérica muito forte.

José Manuel Simões / Correio da Manha, 28/10/2006

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Ágata, a rainha pimba

Ágata chega ao Camarnal, Alenquer, às 23h30 de uma sexta-feira, para um «show» de beneficência destinado a um lar de idosos. Principia ali, numa velha fábrica reconvertida em salão de festas, um fim-de-semana alucinante que a levará a Alenquer, Paris, Porto Alto e Rio Maior. Os homens, Super-Bock na mão, olhares gulosos, esperam-na, entre comentários de «lá vem a gaja» ou «é mesmo boa?»

A proclamada Madonna portuguesa, uns saltos altos e pretos, um fato branco e negro, traz na mão as cassetes DAT com que fará o «playback» instrumental e sorri, com a mistura de ingenuidade, franqueza e alegria de viver que a leva a virar-se para nós a rir e dizer: «Ai que me esqueci do `Perfume de Mulher'.»

Nada em Ágata é falso. Pode ser «pimba», cantar canções de mau gosto ou usar roupas pouco adequadas, mas faz tudo com uma sinceridade evidente. Nem tem qualquer problema em falar de quanto ganha aqui ou vai buscar ali. É uma mulher do povo que recebe os seus fãs populares entre abraços e beijocas, ramos de flores que lhe deixam uma lágrima ao canto do olho, ou «bocas» que só a fazem rir. «Não há direito», brinca, «consideram-me a rainha pimba mas não me deram coroa nenhuma. Aliás, não sei o que é isso de música pimba, se é a música que o público gosta, que seja a música pimba.»

Antes do «show» de Alenquer, avisam-na no improvisado camarim que está lá fora a Fatinha. A jovem, uma cega acompanhada da mãe, é uma fã incondicional que a segue para todo o lado. Toca-lhe no braço para ver se ainda traz a pulseira do costume, senta-se-lhe ao colo, ameaça ir a casa quando sabe o que aconteceu com a DAT de «Perfume de Mulher». «Eu vou lá a casa buscar», diz a Fatinha. «Não vais nada, és maluca.»

Ágata ouve música de tourada ecoar da sala de espectáculos e grita «olé». Dá a impressão de se estar sempre a divertir. Depois, sugere ao fotógrafo uma sessão de fotos, que ela própria comanda, sentando-se no chão, abraçando-se às colunas, de «shorts» pretos e olhar lânguido.

No «show», espicaça os homens -- «os homens dizem que somos umas feras» --, as mulheres -- «nós detestamos a mentira!» -- e o ex-marido: «`Foi Contigo' é dedicada a alguém que viveu comigo durante 12 anos um grande amor e que está aqui hoje.» Quando uma cassete do «playback» entra mal, ela improvisa. Convida as pessoas a comprar cassetes e CD seus e pede uma salva de palmas para os jornalistas do PÚBLICO presentes.

Uma semana antes, Ágata, aliás, Fernanda de Sousa, acabara de fazer o ensaio para a sua participação no programa Parabéns. Chegara atrasada por causa de um acidente na estrada, esteve mais de uma hora no estúdio da Edipim, corrigindo o ritmo da orquestra ou pedindo que se ouvisse a «guitarra portuguesa», mas recebera-nos com uma simpatia genuína e popular.

«Ando exausta», explica, agarrada ao telemóvel que não pára de tocar, «você pode pensar que não, mas sou eu que trato de tudo, ainda noutro dia tive de ir pagar a contribuição de uma casa que tinha em Alverca, sou eu que pago a água e a luz, sou eu que recebo as ofertas e aponto tudo na agenda».

Durante o desenrolar da entrevista, sob o olhar atento da sobrinha, a loira Romana, cujo primeiro disco será lançado em breve, o telemóvel não parou de tocar com ofertas de concertos. «Onde? Ah, não sei, deixe-me ver a agenda, eu acho que nessa altura estou na Alemanha, mas... o quê? Ah, são... contos, sim. Pronto, obrigado.» Ágata desliga o telemóvel e desabafa: «Bom, vamos a ver se agora podemos conversar.» Mas, daí a mais um bocado, telefonam do Norte a tentar contratá-la para o «réveillon». «Mas nessa altura talvez esteja na Suíça...», explica.

«Você não notou nada sempre que eu lhe atendi o telefone?», pergunta. «É que às vezes não sei como consigo fazer tanta coisa ao mesmo tempo, concertos, combinar tudo, marcar na agenda, discutir preços... fico com a cabeça vazia.» Entrevistas, Ágata confessa não gostar de dar, especialmente quando lhe fazem o que fez uma revista feminina. Abre a revista e atira-ma aberta para a frente. «Veja lá isto. Perguntaram-me se gostava de me ver desejada pelos homens. Eu respondi que sim, eles puseram em título `Ágata: Gosto de me ver desejada pelos homens'. Que porcaria!»

A vida de Ágata começou a girar em rotação acelerada sobretudo depois do sucesso de «Perfume de Mulher», um disco recusado pela maioria das editoras, que ela pagou e conseguiu por fim vender à Espacial. Os telediscos apostaram na imagem «sexy», e em «lingerie», de uma cantora que pretende chegar ao público masculino e feminino. «As mulheres estão ao meu lado, acho que não as choco, pelo contrário, eu defendo-as. Fazem parte do meu leque. Afinal, os homens não conseguem viver sem as mulheres.»

Ninguém lhe impingiu esta imagem. Ágata orgulha-se de ser ela a apostar nela própria. «É uma imagem que faz parte de mim, não sei se sou `sexy' mas sei que sou sensual. Dizem que tenho uma forma de estar em palco diferente, dizem que sou a Madonna portuguesa. Aliás, eu adoro a Madonna. Tem uma grande produção, um visual fantástico.»

Foi sempre Ágata quem escolheu as roupas, apesar de ouvir sugestões. Para ela, a imagem é fundamental. «Sempre dei muita importância à imagem mas agora dou mais. Imagem ousada? Ainda há-de ser mais, até só andar de bengala!»

Há pouco tempo, a revista «Nova Gente» revelou, entre as fotos muito encarnadas e «sensuais» da promoção do novo disco, que Ágata não se importaria de posar nua. «Depende da foto e da oferta», explica-nos Ágata, «teria de ser uma foto artística que não chocasse as crianças. E, depois, eu não sou superelegante, não sou nenhum manequim, o pessoal via aquilo e dava à sola, também tenho a noção do ridículo, ah, ah, ah...»

Se hoje Ágata mal reage aos assobios e piropos do género «quero fazer-te um filho» ou «és muito boa», é porque teve um longo e duro treino à frente das mais variadas audiências. Começou por cantar com um vizinho que tocava banjo e passava horas ao espelho a trautear canções da Madalena Iglésias, do António Calvário ou da Simone de Oliveira.

A avó, professora, organizava festas pelo país, para as quais levava a neta. Ágata cantava de sala em sala de aula. Aos 13 anos, ganhou um concurso no pavilhão da Amadora, chamado «À procura de uma nova estrela», frequentou uma professora de música e o muito pomposo Curso de Preparação Artística da Emissora Nacional. «Estudei a acentuação, a respiração, aprendi a pôr as mãos a cantar, qual era a perna que se punha primeiro em palco, qual a perna para sair do palco sem esbarrar no microfone...»

Hoje, poucos se lembram que gravou o primeiro disco aos 14 anos, aos 15 participou no programa Nicolau no País das Maravilhas e aos 18 gravava «L'Amour à la française» com o então famoso Art Sullivan. Ainda muito jovem, tornou-se na voz da Abelha Maia que enxameou os cafés de todo o país. Foi então que entrou para as Cocktail e ali seguiu uma carreira conjunta durante oito anos até a convidarem a participar nas Doce, em substituição de um elemento que saiu. «Estive lá dois anos, mas o ambiente era muito mau. A queda final foi dada por mim. Havia lá um elemento que tinha a mania que era a líder e não cantava.»

No fim dos anos 80, esqueceu de vez o nome de baptismo -- «detesto o meu nome» -- e escolheu o de Ágata, em homenagem à sua heroína Agatha Christie e à pedra preciosa com o mesmo nome. Contratou duas bailarinas e gravou «Quentinha e boa». A canção, melhor, o título da canção gerou polémica. «Eram as castanhas, não era eu», explica.

Ainda gravou «Amor Latino» e «Louca por ti», parou de gravar durante três anos, mas ninguém esperaria que o título de rainha pimba lhe assentasse como uma luva. «O rei é o Emanuel, a rainha sou eu...», diz, encolhendo os ombros, resignada.

PUBLICO, 16/11/1995