Nas minhas canções há ingredientes culturais'
A vida dá muitas voltas...
Que o diga Joaquim Caixeiro, de 53 anos. Foi jogador de basquetebol, pertenceu ao grupo Brigada Victor Jara, trabalhou numa Companhia de Seguros, actuou em bares como cantor e entertainer humorístico...
Até que um dia decidiu criar uma personagem e lançar um disco a brincar com a música pimba. Nascera o Quinzinho Portugal! Foi a música dos anos 60 e 70 que na juventude o despertou para o fenómeno musical. "Eu não fui alheio ao boom dessa época e como tinha um certo jeito para tocar e cantar dediquei-me um bocado à música e andei por aqueles conjuntos de garagem e de festas que interpretavam versões de temas anglo-saxónicos. Eu cantava e tocava bateria e percussões", recorda Quinzinho Portugal. Joaquim Caixeiro viveu grande parte da sua juventude em Angola, residindo em Luanda entre os 12 e os 26 anos. E lá, para além do gosto pela música, desenvolveu também uma carreira desportiva como jogador de basquetebol. "Jogava na posição de base e fui campeão nacional pelo Sport Luanda e Benfica, em 1967 - nessa altura os campeonatos eram disputados com os campeões de Angola, Moçambique e Portugal continental." Quando voltou a Portugal, em 1974, ainda jogou no Sporting Conimbricense e na Académica de Coimbra. "Joguei até perto dos 30 anos mas sempre mantendo a actividade musical em paralelo, como hobbie." Tanto a música como o basquete não eram nessa altura o seu ganha pão. "A minha actividade profissional foi, durante 14 anos, desenvolvida numa companhia de seguros."
A 'esquerda festiva' na Brigada
Em Coimbra, através de José Maria Vaz de Almeida, um amigo de Angola ali reencontrado, Joaquim Caixeiro é convidado a ingressar no grupo Brigada Victor Jara. "Eles tinham começado há poucos meses e como estavam a precisar de um percussionista e de um cantor convidaram-me. Entrei já na fase dos espectáculos, pois a génese da banda deu-se através das, então designadas, brigadas de alfabetização, onde não cheguei a participar." Joaquim seria a voz original do grande êxito da Brigada, inserido no álbum de estreia "Eito Fora", o "Pezinho da Vila" - "Ponha aqui o seu pezinho, devagar devagarinho..." Dentro do trabalho de recolha do cancioneiro tradicional que a Brigada fazia "fomos buscar esse tema aos Açores. Foi a minha mãe, que é açoriana, que nos deu a conhecer essa canção". Com a Brigada Victor Jara em período de intensa actividade, realizando espectáculos pelo País inteiro e no estrangeiro, Joaquim Caixeiro viveu "uma altura muito rica de experiências, de aquisição de conhecimentos, o que me deu uma visão do mundo completamente diferente". Pouco identificado com opções políticas - pois "vim de África completamente tapado nessa matéria" - quando chegou a Portugal entrou "na chamada esquerda festiva... Viajava-se, tocava-se, bebia-se uns copos, havia umas miúdas giras e aquilo era muito engraçado. Acção política, propriamente dita, nunca tive. Vivi a coisa mais pelo lado lúdico." Joaquim Caixeiro permanece no colectivo da Brigada Victor Jara durante seis anos, período durante o qual participou em três álbuns - "Eito Fora", "Quem Sai Aos Seus" e "Tamborileiro". Em 1981 é reintegrado nos quadros da Companhia de Seguros para quem já havia trabalhado em Angola, acabando por conseguir colocação numa delegação em Lisboa. Na capital, em pleno centro nevrálgico da actividade musical portuguesa, tem oportunidade de colaborar com o cantor Carlos Mendes no projecto "Triângulo do Mar", bem como com Pedro Osório e Carlos Alberto Moniz. "Ajudei-os em alguns espectáculos, tocando percussões ou fazendo coros, pois eu não sou exactamente um músico ou compositor." Mas não deixa de ser um letrista que gosta de escrever os seus próprios textos de humor. "Essa minha veia humorística levou-me a actuar em bares aos fins-de-semana. Cantava e dizia umas piadas." Como viu que com essa actividade podia ganhar a vida e "por estar farto do nine to five da companhia de Seguros, sub-aluguei um bar, a Casa da Lina". Seis meses depois decidiu comprar e montar a sua própria casa, o "Vicente Borga Bar", na Madragoa.
Quinzinho e o 'Sousa'
Durante dez anos o Vincente Borga Bar "esteve cheio todos os dias". E Joaquim Caixeiro animava o palco todas as noites. "Sempre com a ideia de um dia vir a gravar um disco a solo, mas como sou muito preguiçoso fui adiando e dando textos meus a outros artistas, como o Fernando Pereira." Em 96, Joaquim consegue finalmente "vencer a inércia" e decide avançar para a gravação de um disco, apresentando-se para tal sob o nome de Quinzinho Portugal, assumindo um visual que inclui barrete de campino, óculos escuros, camisola da selecção nacional, fios de ouro... "Tentei reunir alguns elementos simbólicos de Portugal dentro dessa figura. Foi uma personagem que criei - porque quis salvaguardar um bocado a minha imagem." Editado em pleno boom da música pimba, o disco foi um enorme sucesso. "Tentei ridicularizar e caricaturar um bocado tudo aquilo... Mas se as pessoas ouvirem bem as minhas canções perceberão que há ali ingredientes culturais e com alguma mensagem." Do álbum de estreia de Quinzinho Portugal, intitulado "Bacalhau Pimba", destacou-se o tema "Sousa da Ponte". "O Sousa é uma personagem nortenha, um pintas, uma espécie do Esteves do Herman." No ano seguinte, Quinzinho Portugal volta à carga com o CD "O Sousa no Alentejo". "Foi para descentralizar um bocado, até porque as pessoas já estavam a querer colar-me ao Futebol Clube do Porto." O sucesso continuou a não querer descolar de Quinzinho Portugal, tanto mais que o artista, apesar de não editar nada há cerca de quatro anos, mantém vivas as solicitações para espectáculos. "Tenho este Verão completamente preenchido com actuações, o que ainda se deve à popularidade desses dois discos." E quanto ao seu terceiro álbum, a sair provavelmente perto do final do ano, Quinzinho Portugal deixa desde já o título: "A Berdadeira Estória do Sousa".
Amílcar Fidélis / Correio da Manhã, 27/07/2001