sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Ser Ou nâo Ser Pimba

Foi assim que começou o verão de 1994... devagarinho, com um som absolutamente ridículo e que quase por mais de 5 anos dominou o mercado português. Depois do Emanuel e do Quim Barreiros, houve tempo para Os Bacalhaus com Alho, para Os Quizinhos de Portugal, e para as sempre volumosas, Ruth Marlene, Ágata e Romana... enfim, pimba até mais não. Foleiro até á ultima casa!

Mas foi ao ler um artigo da revista Sábado que descobri que se calhar não somos assim tão pimba. Somos, mas com aquela dose saudável...já fomos mais...agora menos...um dia quem sabe nada!

Porém confesso que aquele artigo mexeu comigo.

Para eles tudo era pimba. A forma como as pessoas se vestiam, a falta de capacidade de comprar artigos de marca e por isso recorrer à feira ou a lojas de menor qualidade mas d eigual vislumbre, o chinelo no dedo, o gosto de ir até ao Algarve dar um pezinho de dança numa discoteca da moda. Eu sei lá. Para eles Portugal está parado no ido ano de 1994 com piscares de olho a 197...e qualquer coisa.

Claro que há coisa condenáveis até mais não! É verdade que so coletes enfiados nos bancos do carro são foleiros. Que andar a ouvir música como uma discoteca ambulante, especialmente Regatton, tipo Daddy Yankee e a sua Gasolina é um atentado ao bom gosto, que usar óculos na cabeça apenas para fazer de bandolete até mete dó, que usar coisas apenas berrantes é atrós, e que falar apenas de reality shows demonstra uma grande pobreza de cultura geral.... Mas não seremos no intimo, sempre todos nós, um bocadinho pimbas? Veja-se que há até um certo divertimento, nos casamentos, em dançar o Apita o Comboio. Que é giro mixolhocar nas feiras da aldeia e comprar uma camisa foleirissima apenas porque diz o nome de uma coisa parva que se aprendeu naquele ano. Que nadamos todos de chinelo no dedo, de plástico e não de pele, porque a pele, meus caros senhores, magoa!

Acho que assim sim. Sem exageros a coisa vai!

Agora andar para ai a apontar o dedo, afirmando aos sete ventos que os portugueses são uma miséria isso é que já não! Já lá vai o tempo. Eu sei que ainda há por ai muito mau gosto, mas nem todos podemos ir a Louis Vitton ou à Armani.... e todos sabemos que muitos dos que lá vão compram qualquer coisa, desde que o artigo tenha a marca bem estampada. Por isso as lojas vendem-lhes o refugo. Veja-se o nosso menino Cristiano Ronaldo...até mete dó com algumas coisinhas que tem, só porque dizem Dolce e Gabanna.... e como ele muitos outros jogadores de futebol e novos ricos eque se arrepiam só por ouvir falar em Zara, H&M ou outra qualquer grande loja de roupa sem marca estampada na frente!

Mas enfim. É este o Portugal que temos...e se é Pimba...então, Nós Pimba!

Não é melhor do que passar o tempo a apontar o dedo?

Hugaco (Alcateia de Loucos), 25/07/2005
http://alcateialouca.blogs.sapo.pt

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

To Pimba Or Not To Pimba

AS DIFERENÇAS entre a chamada música «pimba» e «não pimba» são ligeiras, quase circunstanciais? Ou são diferenças de forma e conteúdo que reflectem o conflito entre tendências opostas do génio lusitano, a falha abissal entre duas visões de um mesmo país, formas irremediavelmente diversas de «estar na vida e na música»?

À primeira vista poder-se-ia dizer que a primeira tem a principal base de apoio no Portugal rural e no interior, que reconhece os seus artistas como heróis da classe operária e trabalhadora, homens e mulheres que conseguiram segurar o destino nas mãos e se ergueram a pulso bem acima da média comum aos outros mortais - exemplos a seguir. Embora alguns êxitos sejam simples versões portuguesas de composições adquiridas a «publishers» alemães e italianos, as canções são frequentemente influenciadas pelos ritmos tradicionais do vira, do malhão e do corridinho e acentuam o sentido de etnicidade, mas também a diferenciação sexual. Há canções especificamente destinadas a homens, há canções para mulheres, e há canções de amor, que, como escreveu J.G. Peatman, poderiam ser divididas em três grandes grupos: as que contam como somos felizes quando estamos apaixonados (como em «Escrito no Céu», de Ágata); as que contam como é frustrante estar apaixonado (como em «Maldito Amor», também de Ágata); e as que contam curiosidades maliciosas com nítidas conotações sexuais.

Em geral fornecem ao seu público uma linguagem convencional para o namoro e a atracção sexual e ajudam a forjar uma sexualidade. Apesar da concorrência brasileira do «Tchan» e do «Bicho», Verão após Verão o acordeonista minhoto Quim Barreiros continua a ser o mestre incontestado do género, somando êxitos como «Chupa Teresa», «Deixa Só Botar a Cabeça», «Nunca Gastes Tudo» ou «Mestre da Culinária». O aparecimento, no ano passado, de uma criança de nove anos (o pequeno Saul) interpretando «O Bacalhau Quer Alho» é a prova de que a indústria está atenta.

A sério ou a brincar, as canções pimba também falam de estados de alma e de sensibilidades emocionais, ajudando a redefinir ou recentrar a condição social dos seus ouvintes, oferecendo-se como referente das regras e comportamentos sociais: neste sentido, observe-se que parte significativa da produção toma os emigrantes como tema, sob as mais diversas formas. Pode ser o drama do acidente rodoviário em terras de Espanha, como numa canção de Graciano Saga; a garantia de que «A Portuguesa é a Mais Linda», como canta Jorge Ferreira; ou a simples celebração de prazeres tão privados quanto o nosso «Verde Vinho», de Paulo Alexandre. O brilho fica com os intérpretes, os autores das canções remetem-se quase sempre para um bastidor discreto (como Ricardo Lundum) mas também transmitem a ideia de que a vida é só uma, mas difícil - embora valha a pena lutar por ela, porque todas as oportunidades devem ser bem aproveitadas - e não se alongam sobre temas que sejam perversos, controversos, desconfortáveis ou irreais.

Comparada com elas, a restante música popular portuguesa ou é antiga e ultrapassada, como a dos nossos avós, ou é litoral, cosmopolita e intelectualizada, pejada de referências estrangeiras e de diálogos com tudo o que vem de fora, que podem ser mais bem compreendidos no café da cidade do que no café da aldeia. É uma música que, não se contentando em ser portuguesa, quer ser no mínimo europeia e leva esse exagero a extremos tais que muitos dos seus artistas preferem cantar em inglês. É uma música onde ninguém se contenta com a glória de ser intérprete - todos, quase sem excepção, persistem em ser autores e compositores, não para venderem o seu trabalho em cassetes de 700 escudos, mas em CD de quatro contos.

A primeira é a música do país que perpetua e ritualmente se reencontra, as canções que imaginam conseguir mostrar como nós somos. A segunda é a música do país que perpetua e ciclicamente se reinventa, as canções que imaginam conseguir mostrar que também somos capazes. As diferenças são entre a música popular como reconciliação ou revolução. Evidentemente, tudo isto é relativo: de um certo ponto de vista também poderiam encontrar-se semelhanças entre as duas correntes.

Por exemplo, seja em palco, na rádio, no «playback» ou no teledisco, qualquer canção se assemelha mais a uma pequena peça de teatro do que a um poema acompanhado de música. E é assim que as percebemos, como episódicos retratos de uma realidade que pertence a todos e a ninguém, transmitidos com maior ou menor sentimento pela voz e os gestos de um cantor/actor. Outras semelhanças há que são forçadas, desde os anos 30, pelo ponto de vista institucional, o que domina os gabinetes de programação: desse ponto de vista, tudo isto se resume a «música lie tem uma cor indistinta. Por isso, temos programas de variedades mas não temos bons programas sobre música «pimba», ou sobre música «não pimba» E, de um certo ponto de vista, tanto faz.

Revista / Expresso, 22/08/1998 (artigo «Génio Lusitano»)