Tem 44 anos de idade e 25 dedicados de alma e coração à música. Começou no rock e acabou por se tornar no autor mais requisitado da área da "música light" - expressão que inventou para designar as suas canções. O grande público não o conhece, mas sabe de cor muitas das suas canções. Chama-se Francisco Landum, mas no meio da música todos o conhecem apenas por Ricardo.
Autores - Como é que o devo tratar? Francisco Landum, Ricardo, Ricardo Landum?
Ricardo - Neste caso talvez seja melhor tratar-me por Ricardo, que foi o nome que eu adoptei como compositor e como autor, e é como a maioria das pessoas hoje me conhece. Claro que a minha mãe, por exemplo, trata-me por Francisco, mas quase toda a gente hoje me trata por Ricardo...
A - Mas nem sempre foi assim, mesmo no meio da música. Como é que nasceu o Ricardo?
R - O Ricardo surgiu em princípios dos anos 80, nos tempos áureos do rock português. Eu tinha um grupo, os TNT...
A - ...que foi uma banda de algum sucesso, na altura...
R - Sim, foi. Na altura também havia ainda poucas bandas de rock, depois é que se deu aquele "boom". Entretanto os TNT acabaram e eu quis fazer uma carreira a solo. E fui para a CBS, que tinha acabado de se instalar em Portugal. Fui dos primeiros artistas a assinar contrato com a CBS - acho que fui o segundo, o primeiro foi o José Malhoa - mas eles não gostaram muito do meu nome, acharam que não era muito comercial... E, como na altura havia alguns nomes da moda, por causa das novelas brasileiras, eles propuseram-me dois nomes para escolher: Ricardo e André. E eu escolhi Ricardo...
A - E começou aí a sua carreira a solo...
R - A partir daí, gravei dois discos, que tiveram algum impacto na altura, comecei a trabalhar em estúdio, e o pessoal todo começou a chamar-me Ricardo para aqui, Ricardo para ali, e fiquei a ser o Ricardo. E agora vivo com uma "dupla identidade": sou o Francisco, para os mais antigos, e o Ricardo para todos os que me conheceram depois disso...
A - Também teve uma passagem pelos Da Vinci...
R - Uma passagem que durou oito anos, e onde eu tive um dos meus maiores êxitos, com o "Conquistador", uma música que ainda hoje é conhecida.
A - O Ricardo, entretanto, abandonou os palcos...
R - Sim, só faço de vez em quando uma brincadeira, como quando o Tony Carreira foi ao Pavilhão Atlântico. Mas é muito raro, pode dizer-se que abandonei mesmo os palcos...
A - ... e tornou-se essencialmente autor, compositor e produtor, com uma carreira cheia de êxitos...
R - É verdade. A partir de certa altura, passei a dedicar- me de alma e coração só à composição e à produção. Achei sobretudo que queria ter uma vida mais ligada ao "backstage" do que propriamente ao palco. O palco dá gozo, mas é uma coisa "dolorosa", anda-se sempre a viajar, os verões são sempre passados dum lado para o outro... E não há condições em Portugal como há lá fora: nós, cá, temos uma banda e não temos um jacto privado, temos uma carrinha, as coisas muitas vezes são mal organizadas... E eu achei que gostava de ter uma vida mais sedentária, de estar aqui sentado e a escrever coisas. Achei que talvez fosse mais interessante...
A - E também tem menos exposição pública...
R - Também. E eu sou bastante tímido, não gosto de me ver na televisão, prefiro estar mais recatado, ter a minha privacidade. Mas nem foi por isso, porque em Portugal as coisas não são como nos Estados Unidos, onde há artistas que não podem sair à rua sem serem assaltados pelos fãs. Foi só porque queria ter uma vida mais calma, menos agitada. E então optei pelo trabalho de estúdio.
A - E, no seu caso, como é viver apenas dos direitos de autor? Normalmente não é fácil...
R - Não, não é nada fácil. Eu tenho colegas, bons autores, que se vêem aflitos para viver - a maior parte deles sobrevive. Mas eu considero que vivo bem dos direitos de autor. E porquê? Porque faço milhentas canções, e tenho a sorte de ser um autor completo, faço as músicas e as letras. E, depois, também tenho a sorte de ser um autor muito fértil, em termos de trabalho: praticamente não passo um dia sem fazer uma canção, tenho centenas de cassetes com originais. E como faço muito e edito muito, aí a balança já se equilibra e posso perfeitamente viver dos direitos de autor. Mas porque faço muita coisa...
A - Ou seja, não basta ter talento, é preciso muito trabalho também...
R - É. E é preciso haver trabalho, é preciso haver escoamento para aquilo que se faz. Eu tenho sorte, edito centenas de músicas anualmente. E trabalho com um leque de artistas que vende bastante.
A - A opção por um tipo de música mais ligeira - "música light", como já o ouvi dizer - foi deliberada? Foi porque, comercialmente, é mais rentável?
R - Não, foi uma coisa que aconteceu, naturalmente. Eu, na altura, estava desempregado e aquilo, nos TNT, não dava nada, era difícil viver daquilo. Eu sou músico profissional porque optei por isso, queria acordar de manhã satisfeito por ir trabalhar, era a única maneira de ser feliz. Eu acho que o grande problema da nossa sociedade é que, muitas vezes, as pessoas não estão a fazer aquilo de que gostam - e por isso é que há maus funcionários, maus profissionais... E, então, comigo as coisas aconteceram naturalmente: começaram a aparecer coisas para fazer, encontrei uma editora que apostou em mim e que estava muito ligada à música ligeira, eu achei que tinha jeito para aquilo, as coisas começaram a funcionar, comecei a vender carradas de discos e, naturalmente, fiquei naquele sector. Não quer dizer que eu tenha esquecido o rock, e ainda agora acabei de fazer uma produção de um disco de rock. Mas, pronto, foi mais para aquele lado que eu fui, foi ali que me especializei, e funciona.
A - O Ricardo é um bom ouvinte de música?
R - Sou. Ouço muita música, e ouço de todo o tipo.
A - Não tem géneros específicos a que se sinta mais ligado?
R - Não, não tenho. Eu acho que não há coisa maior do que o universo dos nossos sentimentos, que é infinito. A gente tem que abrir o coração a tudo. E, portanto, quando uma música me diz alguma coisa, para mim é muito bom. Seja country music, seja clássica, seja rap, seja fado, seja rock, seja o que for.
A - O Ricardo também tem fama de ser muito exigente, a nível profissional...
R - Sou terrivelmente exigente...
A - Consigo próprio também?
R - Em primeiro lugar sou exigente comigo. Aliás, eu costumo dizer aos meus amigos que tenho um caixote do lixo enorme lá em casa: a primeira pessoa a reprovar uma música que eu faço, sou eu, e por isso mando muita coisa para o caixote do lixo. Enquanto eu não gostar, enquanto uma coisa não me fizer vibrar a mim, não pode fazer vibrar mais ninguém. Sou muito exigente. E no estúdio é a mesma coisa: se um artista não me faz vibrar, se não me põe aos pulos... Eu estou numa indústria de discos, não posso fazer discos só para os amigos.
A - Das milhares de canções que já fez, e das centenas de discos em que já participou, como autor ou como produtor, há algum que seja mesmo o disco da sua vida?
R - Olhe, vou dizer um cliché, mas é mesmo assim: o meu melhor disco é aquele que ainda não fiz. Há um disco que eu quero fazer um dia, que é o meu disco: comigo a cantar, a fazer as burrices todas, e também as coisas boas. Esse disco ainda não foi feito, nem sei quando é que o vou fazer...
A - E será mais na linha das coisas que faz ultimamente, ou mais virado para o rock que fazia há vinte anos?
R - Talvez seja mais na linha do rock que já fiz. Porque eu não sou um cantor de música ligeira. Consigo fazer boas canções de música ligeira - ou, pelo menos, funcionais - mas não as consigo interpretar. Acho que nunca seria um bom cantor de música ligeira.
A - O que é mais difícil para si: criar as canções ou produzir discos?
R - A criação é sempre o mais difícil. Porque eu posso produzir as minhas canções melhor do que outro produtor - porque não são dele - mas a verdade é que elas poderiam ser produzidas por outra pessoa. Agora, o trabalho de criação é muito complicado. Produzir um disco, com mais botão, menos botão, é uma coisa que se consegue fazer mais facilmente, agora a criação é "lixada": quantas vezes a gente não passa dias e dias às voltas com uma frase. Quando não há aquele clic... E isso é inexplicável. Às vezes, nas poucas entrevistas que eu dou, há jornalistas que me perguntam qual é "a fórmula". É uma pergunta que não faz sentido, porque a verdade é que não há nenhuma fórmula! Se houvesse uma, toda gente a tinha, e eu nem precisava de estar aqui a trabalhar: ficava em casa, pegava no telefone, e dava uma fórmula para a Ágata, outra para a Romana, outra para o Tony Carreira... Isto não é assim, a arte tem a ver com as emoções, com a inspiração. Há dias em que sou capaz de fazer duas ou três canções espectaculares, e depois sou capaz de ficar um mês ou dois em que não aparece nada. Agora, se me perguntarem se há esquemas que nós usamos para a música ligeira, claro que há, como há para o rock, ou para o hip-hop. Mas, se não houver inspiração, só o esquema em si não chega. Há coisas que não são palpáveis, não se explicam, têm a ver com o coração, com o espírito...
A - O Ricardo é uma pessoa muito ligada às questões emocionais?
R - Sou, mas também sou materialista. Só que sou uma pessoa consciente de que não devo ser tão materialista. E por isso estou sempre a tentar cortar na parte material para me ligar mais à parte emocional. Quando escrevo, por exemplo, nunca estou a pensar se a canção vai ser um êxito, se vai vender muito. A primeira coisa que eu sinto é a alegria de ter conseguido uma frase boa, ou um refrão, ou uma melodia. O resto vem depois.
A - Hoje, o mercado da música, debate-se com vários problemas, nomeadamente um que ganhou uma maior dimensão com as novas tecnologias: a pirataria.
R - Esse é um problema terrível, mas tem muito a ver com outros. Eu acho que os nossos governos não são muito amigos da cultura. E ainda menos quando se trata de música. Os que mandam pensam que os músicos são ricos, acham que a música é "o primo rico" e que, por isso, não precisa do IVA reduzido, como é para os livros, não precisa de subsídios, como o cinema ou o teatro... Se os discos tivessem a mesma taxa de IVA dos livros, chegavam mais baratos ao público, e logo aí acho que a pirataria ia cair um bom bocado. Depois, se a aplicação das leis fosse mais eficaz, se de cada vez que um pirata é apanhado ele não fosse libertado logo a seguir, acho que se conseguia reduzir grandemente esse problema. Porque pirataria há em toda a parte, mas não é tão grave como nos países do Terceiro Mundo - e o nosso país, sobretudo em termos culturais, é completamente terceiro-mundista...
A - A cultura é vista como um "parente pobre", e a propriedade intelectual também não é muito valorizada pela generalidade das pessoas. E ainda há muito quem pense que isto de escrever ou fazer música não é propriamente um trabalho...
R - As pessoas confundem muito as coisas, acham que isto é tudo muito fácil e que vivemos todos num mar de rosas. E os governantes entendem que a música, nomeadamente a ligeira, é uma indústria, e consequentemente que rende muito dinheiro. E por isso preocupam-se pouco com questões como a da pirataria, que está a minar o mercado e a dar cabo da vida dos compositores e dos editores...
A - O Ricardo sente-se bem como português, ou às vezes gostaria de ter nascido noutro país?
R - Não, isso não. Se eu tivesse nascido noutro sítio nunca teria a experiência do que é ser português. E eu gosto dessa experiência, para o bem e para o mal. Na próxima vida que eu vier a ter - porque eu acredito que há outra vida depois da morte - talvez já seja americano, ou iraquiano, ou outra coisa qualquer. Mas não, não gostava de ter nascido noutro país. Porque, no fundo, nós dizemos mal de Portugal, mas, bolas, ser português é muito bom. Nós somos um povo único no mundo! Somos tão únicos que até temos uma palavra que mais ninguém tem, que é a "saudade". E podíamos ser um país espectacular. É pena é as "ervas daninhas" que há por aí e que fazem com que a gente nunca mais saia desta pequena "cepa torta"...
A - E temos um problema nacional acentuado, que é a inveja...
R - Pois. Quando alguém consegue fazer alguma coisa e destacar-se numa ou noutra área, há logo quem comece a fazer tudo para o deitar abaixo.
A - O Ricardo não sofre desse mal, convive bem com o sucesso dos outros?
R - Bem, eu também sou português, não é? E, às vezes, também sou capaz de ficar com alguma dor de cotovelo se um colega consegue um êxito e eu não. Mas tento não ser invejoso, não gosto nada de sentir inveja.
Viriato Teles / Revista Autores, SPA, Out-Dez 2005
DE RICARDO A FRANCISCO
Francisco Landum é o seu nome de baptismo, mas no meio artístico é sobretudo conhecido como Ricardo, pseudónimo que utiliza desde há cerca de vinte anos e com o qual assinou alguns dos maiores êxitos de Ágata, Tony Carreira, Ruth Marlene, Romana, Chiquita e muitos, muitos mais. Criador de "música light" (a expressão é dele, que não gosta do apodo de "música pimba" com que as suas canções são frequentemente rotuladas) são dele alguns temas que, de um dia para outro, passaram a andar na boca, e sobretudo no ouvido, de quase toda a gente: "Afinal Havia Outra", "Comunhão de Bens", "Depois de Ti Mais Nada", "Coisinha Sexy", "Mãe Querida, Mãe Querida" ou "Já Não Sou Bebé" são alguns dos mais conhecidos temas que criou e gravou ou deu a gravar. É também autor do tema que se tornou imagem de marca dos Da Vinci, "Conquistador", que representou Portugal num festival da Eurovisão. Ao todo são mais de mil e quinhentas canções, que fazem dele um dos autores mais requisitados na sua área musical.
Mas Ricardo (ou Francisco Landum, se preferirem) nem sempre se movimentou nas águas da "música light": começou com o rock, através dos TNT, e além da já referida passagem pelos Da Vinci, esteve ainda nos Samurai e nos Ibéria (uma banda de heavy metal , um pouco na linha dos Metallica, que tem algum sucesso) e em meados dos anos 80 estreou-se a solo com o disco "Coração Latino", editado pela CBS, e que marcou a estreia do pseudónimo por que hoje é conhecido.
Actualmente é produtor, dos mais requisitados na sua área, mas não esqueceu as origens, e promete voltar, um dia destes, com um disco próprio. Afastado dos palcos por vontade própria, sente-se bem a fazer o que faz porque entende que "a música ligeira é uma música de emoções primárias" e ele considera-se um homem aberto a todas as emoções. Operário da música, nem por isso deixa de considerar que a sua é uma arte tão respeitável como qualquer outra. Diz ser um homem de sorte, porque conseguiu ter na vida a profissão que sempre quis. E não está nada arrependido.
Viriato Teles / Revista Autores, SPA
terça-feira, 28 de dezembro de 2010
sábado, 25 de dezembro de 2010
terça-feira, 21 de dezembro de 2010
O pequenino «artista»
Um dia destes, talvez à falta de melhor tema, talvez não, Margarida Marante foi saber como é que criancinhas que o "showbiz" vedetarizou, os chamados "artistas de palmo e meio", compatibilizam a sua condição de meninos com a alegada condição de prodígios. Para isso, chamou aos estúdios da SIC a Maria Armanda, que há anos teve um grande êxito a cantar que vira um sapo, Ana Malhoa, cançonetista de segunda geração e apresentadora do "Bueréré", Saúl, discípulo e versão miniaturizada do Quim Barreiros. Quem assistiu à emissão teve o gosto de verificar que Maria Armanda não confirmou as previsões pessimistas dos que em tempos miraram, consternados, a bonequinha de unhas precocemente pintadas em que tinham transformado a criança que afinal foi capaz de crescer e tornar-se uma criatura tão normal que até foi condenada pelo mercado de trabalho a aplicar uma licenciatura em Letras nas funções de telefonista. Quanto a Ana Malhoa, foi discreta e disse o que dela poderia esperar-se com algum optimismo, isto é, teve uma prestação que pouco ou nada adiantou ao tema em debate. Também passou pelo programa aquela pequena convenientemente esquálida que recentemente surgiu, diz-se, como modelo de grande grandeza internacional, mas como ela só se tornou vedeta aos catorze anos dificilmente pode ser arrolada como menina-prodígio. O pequeno Saúl, esse sim, foi uma presença talvez mais que significativa, impressionante. Com ele veio o pai, que deu muitos sinais de estar feliz com o êxito do filho, e ainda bem. Mas o garoto, se é que esta palavra ainda se justifica plenamente, deu para pensar.
O Saul tem, como todos viram, o ar de um adulto em escala reduzida e, ainda isso não deva ser o mais importante, é talvez um dado menos esperado e justificador de uma vaga inquietação.
O importante, porém, é o próprio Saul e o que o Saul faz, isto é, o que ele canta. Porque, como se sabe, o Saul não canta umas canções quaisquer: o seu repertório é constituído total ou maioritariamente por canções do Quim Barreiros ou no estilo de Quim Barreiros. Saul chamou-lhe "brejeiras". Não são, pelo menos no que diz respeito às mais representativas: são obscenas, e dizê-Ias brejeiras é utilizar um semi eufemismo que visa furtá-las à adequada qualificação. E, acentue-se, não são obscenas por aludirem a coisas do sexo. O sexo não tem nada de obsceno, e decerto serão poucos os que sustentam terem nascido na sequência de uma obscenidade. O que é obsceno, isso sim, é o preconceito reles que por complexos motivos culturais (em melhor rigor, anticulturais) hostilizam o sexo e contra ele se mobilizam, quer utilizando um discurso falsamente purista e moralizador quer lapidando-o sob o arremesso de pilhérias onde o despeito e as frustrações tentam disfarçar-se sob o esfarrapado manto da graça rasteira.
Apedrejar o sexo
Tal como o Quim Barreiros, o pequeno Saul colhe as suas munições "artísticas" nesse velho arsenal. Mas não é o Quim, mas sim o Saul, que aqui interessa e que interessou à pesquisa de Margarida Marante. Com algum visível embaraço, a jornalista perguntou ao miudo se ele sabia do que estava a falar em certas das suas cantigas, e o artista respondeu, com os seus gestos de adulto prematuro, que sim senhora, é claro que sabia. Admitamos que sim, que tem uma ideia necessariamente teórica e crua dos temas que lhe fornecem. A questão é que, apesar da sua precocidade, não é de crer que ele saiba, com um saber todo de experiência feito, da pulsão sexual, das relações sempre delicadas e parcialmente misteriosas entre sensualidade e sentimento, da intimidade entre desejo e amor.
Quer dizer: o que dificilmente ele pode saber, porque se trata de uma sabedoria que lhe é praticamente inacessível, é que as suas cantigas avacalham um universo de realidades cuja abordagem em termos de seriedade continua a ser extremamente difícil, mesmo nos dias de hoje, liberalizadores de comportamentos.
Posto isto, a interrogação que me surge tem a ver com o que vai ser Saul, quando deixar de ser pequenino, perante a vida sexual e sentimental e alheia. Com razão ou sem ela, tenho como certo que a sua educação sexual mais a do auditório infantil que segundo ele é o que mais gosta de ouvi-lo é a pior possível. E isso tem consequências, para si e para os outros, até porventura para os que hoje não pareciam por aí além a sua actividade artística. É um preço a pagar, sem dúvida. Pequeno preço, certo, na avaliação do seu feliz pai. Preço difícil de fixar, mesmo só por cálculo aproximativo, se não nos alhearmos do efeito deseducador das cantigas reles num país secularmente hostil a um entendimento do sexo em termos de seriedade ou, talvez mellhor, da mera inteligência. Continua a não ser raro, entre nós, que a garota apedreje um casal de cães surpreendido em plena cópula. Mas comparado o pequeno Saul, na esteira do espigadote Barreiros ganhou notoriedade a apedrejar com versalhada de pé-quebrado alguns aspectos da sexualidade corrente. Ouvimos contar que o produto dessa industria está a ser amealhado para benefício futuro, seu e dos seus irmãos. A mim, contudo, ficou a preocupar-me a contabilização não feita dos prejuízos decorrentes de tão feliz actividade «artística».
Correia da Fonseca / Avante!» Nº 1266, 05/03/1997 (TVisto)
Foto
O Saul tem, como todos viram, o ar de um adulto em escala reduzida e, ainda isso não deva ser o mais importante, é talvez um dado menos esperado e justificador de uma vaga inquietação.
O importante, porém, é o próprio Saul e o que o Saul faz, isto é, o que ele canta. Porque, como se sabe, o Saul não canta umas canções quaisquer: o seu repertório é constituído total ou maioritariamente por canções do Quim Barreiros ou no estilo de Quim Barreiros. Saul chamou-lhe "brejeiras". Não são, pelo menos no que diz respeito às mais representativas: são obscenas, e dizê-Ias brejeiras é utilizar um semi eufemismo que visa furtá-las à adequada qualificação. E, acentue-se, não são obscenas por aludirem a coisas do sexo. O sexo não tem nada de obsceno, e decerto serão poucos os que sustentam terem nascido na sequência de uma obscenidade. O que é obsceno, isso sim, é o preconceito reles que por complexos motivos culturais (em melhor rigor, anticulturais) hostilizam o sexo e contra ele se mobilizam, quer utilizando um discurso falsamente purista e moralizador quer lapidando-o sob o arremesso de pilhérias onde o despeito e as frustrações tentam disfarçar-se sob o esfarrapado manto da graça rasteira.
Apedrejar o sexo
Tal como o Quim Barreiros, o pequeno Saul colhe as suas munições "artísticas" nesse velho arsenal. Mas não é o Quim, mas sim o Saul, que aqui interessa e que interessou à pesquisa de Margarida Marante. Com algum visível embaraço, a jornalista perguntou ao miudo se ele sabia do que estava a falar em certas das suas cantigas, e o artista respondeu, com os seus gestos de adulto prematuro, que sim senhora, é claro que sabia. Admitamos que sim, que tem uma ideia necessariamente teórica e crua dos temas que lhe fornecem. A questão é que, apesar da sua precocidade, não é de crer que ele saiba, com um saber todo de experiência feito, da pulsão sexual, das relações sempre delicadas e parcialmente misteriosas entre sensualidade e sentimento, da intimidade entre desejo e amor.
Quer dizer: o que dificilmente ele pode saber, porque se trata de uma sabedoria que lhe é praticamente inacessível, é que as suas cantigas avacalham um universo de realidades cuja abordagem em termos de seriedade continua a ser extremamente difícil, mesmo nos dias de hoje, liberalizadores de comportamentos.
Posto isto, a interrogação que me surge tem a ver com o que vai ser Saul, quando deixar de ser pequenino, perante a vida sexual e sentimental e alheia. Com razão ou sem ela, tenho como certo que a sua educação sexual mais a do auditório infantil que segundo ele é o que mais gosta de ouvi-lo é a pior possível. E isso tem consequências, para si e para os outros, até porventura para os que hoje não pareciam por aí além a sua actividade artística. É um preço a pagar, sem dúvida. Pequeno preço, certo, na avaliação do seu feliz pai. Preço difícil de fixar, mesmo só por cálculo aproximativo, se não nos alhearmos do efeito deseducador das cantigas reles num país secularmente hostil a um entendimento do sexo em termos de seriedade ou, talvez mellhor, da mera inteligência. Continua a não ser raro, entre nós, que a garota apedreje um casal de cães surpreendido em plena cópula. Mas comparado o pequeno Saul, na esteira do espigadote Barreiros ganhou notoriedade a apedrejar com versalhada de pé-quebrado alguns aspectos da sexualidade corrente. Ouvimos contar que o produto dessa industria está a ser amealhado para benefício futuro, seu e dos seus irmãos. A mim, contudo, ficou a preocupar-me a contabilização não feita dos prejuízos decorrentes de tão feliz actividade «artística».
Correia da Fonseca / Avante!» Nº 1266, 05/03/1997 (TVisto)
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segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
Rosinha
http://www.rosinha.net/page2/page2.html
Curiosidades: Gosta de andar de bicicleta e de ler, a sua cor preferida é o preto, adora qualquer prato de bacalhau e é apaixonada por todos os animais (aves e outros animais de estimação).
Curiosidades: Gosta de andar de bicicleta e de ler, a sua cor preferida é o preto, adora qualquer prato de bacalhau e é apaixonada por todos os animais (aves e outros animais de estimação).
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