segunda-feira, 22 de março de 2010
Sou um romântico brincalhão!
Foi consagrado o rei da Queima das Fitas de Coimbra, apesar de recusar esse estatuto.
Bem disposto e divertido, Quim Barreiros encara a vida da mesma forma que encara um palco: sem medo e com um sorriso nos lábios.
O DIÁRIO AS BEIRAS falou com o homem da música popular e tentou desvendar mais sobre este artista que, todos os anos, consegue levar milhares de estudantes a dançar o vira.
Este ano, e mais uma vez, a Queima das Fitas foi prova disso.
Definindo-se como um "cantador de romantismo brincalhão", o "academíssimo" - como já o apelidaram - revelou os seus projectos, falou da sua vida e deixou uma mensagem aos estudantes. Quim Barreiros é um verdadeiro homem do Norte, que mais se pode dizer?
DIÁRIO AS BEIRAS (D.B.) - É considerado o rei da Queima das Fitas. Como vê essa referência?
QUIM BARREIROS (QB)- Eu não sou o rei da Queima. Mas os estudantes universitários do Porto e de Coimbra já me chamaram "academíssimo".
DB - Há quanto tempo é convidado para actuar na Queima das Fitas de Coimbra?
QB - Desde o princípio dos anos 80. Ainda esta se realizava no parque, do lado de lá do rio.
Só houve dois anos em que não vim à Queima. Mas, de resto, tenho vindo sempre.
Gosto muito de trabalhar para os estudantes. Eles conhecem as minhas músicas e é só tocar os primeiros acordes, que eles começam logo a cantar.
DB - Como vê a Queima de Coimbra?
QB - A nível nacional, é uma das melhores festas do país, juntamente com o Encontro de Motards de Faro ou a Festa de S. Mateus, em Viseu.
DB - Mas é uma altura em quase tudo é permitido, geralmente não há limites impostos e cometem-se vários excessos. O que acha?
QB - Acho que se devem divertir durante essa semana. E se beberem, que nunca ponham as mãos num volante.
DB - É sempre assim tão bem disposto?
QB - Tenho um feito positivo e estou sempre muito bem disposto. Faço o que gosto e nesta vida devemos levar as coisas assim. Não vale a pena andar chateado porque mais cedo ou mais tarde, tudo acaba.
DB - Em que altura, e de que forma, iniciou a sua carreira?
QB - Eu não ando nisto há pouco tempo. Em 1971 lancei o meu primeiro disco. Sempre fui um homem do povo, um homem das romarias.
São mais de 20 anos de carreira. Atravessei o 25 de Abril e, depois das músicas de intervenção, surgiu novamente o gosto pela música popular portuguesa. Lembro-me que nas primeiras Queimas vinham cá os cantadores ao desafio e os Zés Pereira. Eram festas tipicamente populares. Mas depois, pegou a moda de tal forma, que a partir daí, convidaram-me sempre para a festa académica.
DB - De onde vem esse gosto pela música popular?
QB - O meu pai já era um artista da música popular.
Com 20 e poucos anos, eu já tinha frequentado a Banda de Música da Força Aérea. Depois frequentei o Grupo Folclórico de Santa Marta, que foi uma das minhas grandes escolas. Além disso fiz parte de um conjunto de baile lá da minha aldeia (Vila Praia de Âncora), e daí a minha base e o meu gosto pela música popular.
DB - A quem deve o seu sucesso profissional?
QB- Devo-o essencialmente às comunidades portuguesas espalhadas por esse mundo fora.
Depois do 25 de Abril não havia trabalho para ninguém. Tive de lutar para conseguir ser quem sou. Porque uma coisa na vida é certa: se temos bases, todos nos ajudam. Se não temos nada, só nos dão pontapés. Não foi fácil. Posso dizer que fui o artista que mais trabalhou para as comunidades portuguesas, sobretudo no Canadá e nos EUA.
Depois, começaram as festas académicas e a comunicação começou a pensar: como é que um português consegue encher um recinto com 30 mil pessoas, à semelhança de um grupo estrangeiro? E foi o Bum!!!
DB - Para quando o próximo disco?
QB- O próximo disco sai já para a próxima semana e vai chamar-se "Depois da uma". Pela primeira vez lanço duas músicas "slows", sou um romântico...
DB - Considera-se mesmo um cantor romântico?
QB- Sou, embora eu cante um romantismo brincalhão. No fundo, tem a ver com o que é nosso. Grande parte das minhas músicas relacionam-se com as cantigas de amigo, que antigamente os trovadores cantavam às moças.
DB - Guarda alguma recordação especial de Coimbra?
QB- Há cerca de 15 anos, numa Queima das Fitas, chovia tanto que todos os grupos se recusaram a actuar. Os estudantes estavam desesperados. Então eu disse que se me arranjassem uma aparelhagem eu fazia a festa. Lá desencataram uma e eu actuei durante três ou quatro horas. Depois a chuva parou e foi festa rija!
DB - Que mensagem deixaria aos "seus amigos" estudantes?
QB- Que se divirtam. Tirem o curso, trabalhem, mas divirtam-se porque a vida é curta. Não vale a pena andar chateado ou aborrecido, por não se resolve nada assim. Há que encarar a vida com um sorriso e com optimismo. E já sabem, se beberem, nunca ponham as mãos no volante.
Entrevista de Patrícia C. Almeida
http://www.asbeiras.pt/2002-05-18/n1.htm
domingo, 21 de março de 2010
Por dentro da canção «pimba»
Em plena situação já de naufrágio, a gestão de programas da TVI lançou mão do cantiguismo dito «pimba» para conquistar audiências que permitam à estação manter-se à difícil tona de água. Fê-lo sem quaisquer escrúpulos ou problemas de consciência, nem parece, aliás, que José Eduardo Moniz seja homem para grandes pruridos desse tipo, mas em verdade não haveria grandes motivos para isso: o «pimbismo» é muitíssimo democrático, pois apenas acata o que parece ser o gosto maioritário do público e, para mais, está muito de acordo com as sagradas leis do deus Mercado que mandam vender ao consumidor a droga que ele procura. Assim nasceu nas estratégicas noites das sextas-feiras a rubrica «Os Reis da Música Nacional», título aliás curioso porque tem um travo de monarquia mítica, género conto de fadas, e conotação com um entendimento dos valores «nacionais», e não talvez mais simplesmente portugueses, que é capaz de cair bem em ouvidos nacionalistas eventualmente sensíveis à saudade da «Assembleia Nacional», da Emissora Nacional, de outras instituições nacionais.
Na verdade, só por um excesso seria possível censurar com grande aspereza a TVI por ter recorrido ao apoio do Universo Pimba, passe por agora o exagero que esta expressão contém, numa situação que lhe era de vida ou de morte: a canção pimba, que aliás não é mais que a versão actual da canção medíocre de sempre e cujas fronteiras estão longe de serem nítidas, tem sido bem acolhida por todo o lado, com natural destaque para a RTP1 e para a incomparável promoção que resulta do «Made in Portugal». Acresce que a música pimba tem merecido referências muito compreensivas, se não simpáticas, por parte de homens cuja cultura, incluindo a musical, e o espírito progressista são indiscutíveis e indiscutidos, o que por vezes impressiona até ao desconcerto. Tudo isto aconselha a que avancemos com cautelas neste terreno mais difícil do que pareceria.
Enganar, embalar
Por muito que já se vá sabendo que é de pouco rigor separar forma e conteúdo, bem como a música e as palavras no caso de uma canção, é quase inevitável que o façamos, como que por facilidade de ordem prática, quando sobre canções se queira discorrer um pouco. Assim, não será excessiva audácia dizer que a pobreza musical do cançonetismo pimba é sua característica e uma das razões por que é rejeitado por quem ambiciona para a canção mais do que sol-e-dó dançável. Porém, parece certo que são as palavras que mais determinam essa mesmíssima rejeição, convindo aqui lembrar que a cantiga rigorosamente pimba tem directa relação com uma brejeirice nos casos mais «hard» vizinha da obscenidade, como é documentado pelo repertório de Quim Barreiros, que por ele bem merece o cognome possível de Rei do Lixo. Nestes casos, a rejeição do pimba justificar-se-á pela recusa em aceitar o avacalhamento do sexo até nível da anedota com pejoração da sensualidade, o que é uma outra face do puritanismo hipócrita.
Trata-se, como bem se entende, de uma forma de falsificar a vida e de agredir a sua legitimidade. Porém, falsificação da vida é também a modalidade «soft» da canção pimba, agora a mais corrente: aquela vasta área a que talvez pudéssemos chamar a Galáxia Ágata cultiva o que afinal não é mais que a reedição actualizada do cançonetismo convencional e melado que já há décadas era versão musicada da subliteratura de cordel. Chamaram-lhe então nacional-cançonetismo para que ficasse denunciada a sua função coadjutora e afluente da modalidade de nacional-socialismo que nos tiranizava. Contudo, integrada na função política estava a viciação de natureza cultural que falsificava o real e produzia efeitos analgésicos e soporíferos. Neste sentido, a canção pimba é, ironicamente, uma canção de embalar. É também isso, é talvez sobretudo isso, que se rejeita na corrente mais branda do pimbismo dominante em várias zonas do actual cançonetismo português e agora entronizado em «Os Reis da Música Nacional», da TVI.
Entenda-se: não é que Emanuel, Ágata, Ruth Marlene, Mónica Sintra e homólogos tenham propósitos ou sequer sonhos de natureza política: o que eles querem é ganhar a sua vida menos mal, o que é natural e legítimo. Tão-pouco lhes passará pelas cabeças terem o menor resquício de acção anticultural, nem esse é território que lhes interesse. Não obstante, só por extrema ingenuidade poderia supor-se que um produto musical, mesmo menor, não teria significado e efeito cultural, ou que um mass media como a canção também é poderia ser vazio de autêntica informação ideológica. Aliás, com inteira percepção disso ou não, tem forçoso significado a óbvia simpatia com que a canção pimba é encarada pelos que dominam os grandes meios de comunicação. O caso é que eles não são parvos nem distraídos. Façamos a nós próprios o favor de também não o sermos.
Correia da Fonseca / «Avante!» Nº 1333, 17/06/1999
Na verdade, só por um excesso seria possível censurar com grande aspereza a TVI por ter recorrido ao apoio do Universo Pimba, passe por agora o exagero que esta expressão contém, numa situação que lhe era de vida ou de morte: a canção pimba, que aliás não é mais que a versão actual da canção medíocre de sempre e cujas fronteiras estão longe de serem nítidas, tem sido bem acolhida por todo o lado, com natural destaque para a RTP1 e para a incomparável promoção que resulta do «Made in Portugal». Acresce que a música pimba tem merecido referências muito compreensivas, se não simpáticas, por parte de homens cuja cultura, incluindo a musical, e o espírito progressista são indiscutíveis e indiscutidos, o que por vezes impressiona até ao desconcerto. Tudo isto aconselha a que avancemos com cautelas neste terreno mais difícil do que pareceria.
Enganar, embalar
Por muito que já se vá sabendo que é de pouco rigor separar forma e conteúdo, bem como a música e as palavras no caso de uma canção, é quase inevitável que o façamos, como que por facilidade de ordem prática, quando sobre canções se queira discorrer um pouco. Assim, não será excessiva audácia dizer que a pobreza musical do cançonetismo pimba é sua característica e uma das razões por que é rejeitado por quem ambiciona para a canção mais do que sol-e-dó dançável. Porém, parece certo que são as palavras que mais determinam essa mesmíssima rejeição, convindo aqui lembrar que a cantiga rigorosamente pimba tem directa relação com uma brejeirice nos casos mais «hard» vizinha da obscenidade, como é documentado pelo repertório de Quim Barreiros, que por ele bem merece o cognome possível de Rei do Lixo. Nestes casos, a rejeição do pimba justificar-se-á pela recusa em aceitar o avacalhamento do sexo até nível da anedota com pejoração da sensualidade, o que é uma outra face do puritanismo hipócrita.
Trata-se, como bem se entende, de uma forma de falsificar a vida e de agredir a sua legitimidade. Porém, falsificação da vida é também a modalidade «soft» da canção pimba, agora a mais corrente: aquela vasta área a que talvez pudéssemos chamar a Galáxia Ágata cultiva o que afinal não é mais que a reedição actualizada do cançonetismo convencional e melado que já há décadas era versão musicada da subliteratura de cordel. Chamaram-lhe então nacional-cançonetismo para que ficasse denunciada a sua função coadjutora e afluente da modalidade de nacional-socialismo que nos tiranizava. Contudo, integrada na função política estava a viciação de natureza cultural que falsificava o real e produzia efeitos analgésicos e soporíferos. Neste sentido, a canção pimba é, ironicamente, uma canção de embalar. É também isso, é talvez sobretudo isso, que se rejeita na corrente mais branda do pimbismo dominante em várias zonas do actual cançonetismo português e agora entronizado em «Os Reis da Música Nacional», da TVI.
Entenda-se: não é que Emanuel, Ágata, Ruth Marlene, Mónica Sintra e homólogos tenham propósitos ou sequer sonhos de natureza política: o que eles querem é ganhar a sua vida menos mal, o que é natural e legítimo. Tão-pouco lhes passará pelas cabeças terem o menor resquício de acção anticultural, nem esse é território que lhes interesse. Não obstante, só por extrema ingenuidade poderia supor-se que um produto musical, mesmo menor, não teria significado e efeito cultural, ou que um mass media como a canção também é poderia ser vazio de autêntica informação ideológica. Aliás, com inteira percepção disso ou não, tem forçoso significado a óbvia simpatia com que a canção pimba é encarada pelos que dominam os grandes meios de comunicação. O caso é que eles não são parvos nem distraídos. Façamos a nós próprios o favor de também não o sermos.
Correia da Fonseca / «Avante!» Nº 1333, 17/06/1999
quinta-feira, 11 de março de 2010
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