quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Música Com Pimenta


Peaches vem terça-feira a Portugal para mais um concerto libidinoso, cheio de palavrões, poses e gestos ‘hardcore’. Por cá também há quem cante com pouca roupa e abuse da sensualidade. Porque o sexo, mais ou menos encapotado, ajuda a vender discos.

Lux, sexta-feira à noite. Entre copos e sorrisos malandros, a pista da discoteca mais ‘in’ da capital dá sinais enchente. A música, baixa para o costume, não convida à dança. Mas também não é pela electrónica dos DJs residentes que tanta gente compareceu ao chamamento. Falta pouco para os corpos entrarem num delírio. Peaches sobe ao palco. Começa agressiva, de microfone em punho e um vestido curto que lá mais para o meio da actuação passará a biquíni e tanga.

As palavras obscenas, os gestos sexuais, dão o mote para um concerto aconselhável a maiores de 18 anos, tal o clima ‘hardcore’ que proporciona. O ‘filme’ tem algum tempo. Principal impulsionadora do estilo electroclash, que tanta celeuma causou há meia dúzia de anos, Peaches volta terça-feira a Lisboa, desta feita tendo o Paradise Garage como local do crime, para mostrar que a fórmula que junta sexo e canções está longe de se esgotar.

O fenómeno tem geografia abrangente, que varia de país em país consoante o puritanismo do povo. Em Portugal, onde os habituais brandos costumes travam tamanha ousadia, nunca se viu nada assim. Começam agora a soprar ventos de mudança. Ana Malhoa é disso exemplo. Recentemente colocou no seu ‘site’ oficial fotos com poses altamente provocantes nos locais mais sugestivos, do chuveiro à praia.

“Estava na República Dominicana e dadas as condições naturais decidimos fazer umas fotos para o catálogo da marca que me patrocina, a Donedhardy, que ainda não está em Portugal mas faz parte do meu projecto internacional. Colocámo-las no ‘site’, mas eu não estava à espera de uma reacção tão boa”, explica.

Depois, veio a polémica, as manchetes de jornal, as mensagens ‘online’ relativas à falta de roupa e de pudor da ex-apresentadora de um programa infantil, a deliciar os mais velhinhos. A estratégia colheu frutos, com um súbito aumento de popularidade e a tão desejada promoção ao álbum. Num abrir e fechar de olhos era convidada pela revista FHM para um ensaio fotográfico.

“Já tinha falado com o meu marido, o Jorge. Como não tenho preconceitos nem ele tem medo, decidimos aceitar. As roupas eram minhas, o cenário também e, naturalmente, impusemos algumas condições, porque as fotos tinham de passar a minha imagem: Sou bem portuguesa: baixinha e com as formas arredondadas”, brinca a cantora, que até sente ser mais respeitada pela ousadia. “Sou frequentemente abordada por senhoras, que não o fariam, para me darem os parabéns.”

A vitória tem o seu sabor, mas nem todas as artistas partilham o gosto pela sensualidade desmedida. “Não censuro a Ana Malhoa, até acho que devemos ter liberdade total para fazer o que nos apetecer, mas eu nunca o faria. Tenho coisas mais interessantes para partilhar com o público do que o meu corpo”, diz Romana. Igualmente conhecida pela sua beleza, a cantora de ‘Não És Homem Para Mim’ admite que a “imagem tem a sua importância e o impacto inicial é importante”. Mas avisa: “A beleza não é eterna. É preciso talento e muito trabalho para poder chegar a velhinha e continuar ser uma cantora respeitada.”

Chaty, a loira da dupla Tayti, prefere juntar o útil ao agradável, ou seja, ajustar a carinha laroca aos temas trauteados. “A sensualidade é um complemento que ajuda a vender o produto, mas só por si não vale de muito para seguir em frente. Não tenho a pose de ‘topmodel’ mas sei que sou minimamente bonita, e acho que não foi por isso que a carreira me correu bem ou mal.”

Como ela, Ruth Marlene, as Delirium e Adriana são alguns dos nomes que se fazem valer da boa forma física para ajudar na luta da conquista da tabela de vendas.

DOCE FORAM PIONEIRAS

Em Portugal, as Doce abriram caminho para a fórmula que ainda hoje faz sucesso: ritmos cativantes, quatro belas raparigas e muita pele destapada. O conjunto formado por Fá, Teresa Miguel, Lena Coelho e uma ex-miss Portugal, Laura Diogo, conseguiu uma vitória no festival da Canção de 1982. Entre discos de prata, ainda gravaram um dos maiores clássicos da música nacional: ‘Amanhã de Manhã’.

CURIOSIDADES

TELEVISÃO

Ana Malhoa começou desde cedo a habituar-se a ser o centro das atenções. Em homenagem ao pai, José Malhoa, cantou o seu primeiro sucesso, ‘Pai Amigo’. Aos oito anos apresentou um programa de televisão para crianças, ‘O Grande Pagode’, e aos 15 fez parte da equipa fundadora da SIC ao apresentar, durante seis anos, o ‘Super Buéréré’.

CARREIRA

‘Êxitos’, editado já este ano, comemora o 20.º aniversário da primeira versão de ‘Êxitos’, um disco gravado em 1986 ainda com a colaboração do pai, José Malhoa. No total, entre discos a solo e em dueto com o progenitor, são já 13 os álbuns editados pela cantora que, à medida que foi crescendo, se rendeu aos sons e ritmos latinos.

'MEXE O TUTU'

A dupla Taity estreou-se em 1998 com o disco ‘Mexe o Tu-tu’ e rapidamente conquistaram os ‘tops’ de vendas nacionais: com 15 semanas entre os primeiros lugares, o álbum de estreia atingiu o patamar de Platina. ‘Cuidado com a fruta’, editado este ano, é o nono trabalho da dupla.

MADRINHA

No meio da música popular, Carla Silva dificilmente podia ter tido uma madrinha melhor. A cantora que se celebrizou como Romana quando cantou ‘Continuas Chamando-me Assim Bebé’ é sobrinha de Ágata.

TATUAGENS

Durante a participação no Big Brother Famosos, Romana tornou conhecida a sua predilecção por tatuagens e ‘piercings’. A cantora tem quatro desenhos pintados na pele e 17 furos espalhados pelo corpo. Actualmente, nas suas actuações ao vivo Romana aparece sempre acompanhada de duas bailarinas espanholas. Aos 25 anos, e com 11 de carreira, a cantora rendeu-se aos ritmos do flamenco.

PEACHES DE VOLTA A LISBOA

Na próxima terça-feira, Peaches regressa a Portugal para um concerto no Paradise Garage, em Lisboa. Conhecida pelo seu vibrante electroclash, a cantora canadiana tornou-se célebre pelas suas exibições, no mínimo, quentes em palco. Alusões a sexo, à discriminação sexual e letras sempre bem explicitas completam a receita de sucesso da cantora que iniciou a sua carreira em 1995 (Fanypants Hoodlum), ainda com o seu nome de baptismo Merril Nisker. Desde então, de polémica em polémica, Peaches ganhou um estatuto único na música independente. A última guerra foi travada com o e-Bay.

A cantora quis leiloar umas cuecas fio dental para que o lucro revertesse para uma organização humanitária, mas a empresa retirou o artigo dos leilões. Peaches não perdeu tempo, colocou um rolo de fio, mas com a promessa de que quem o comprasse receberia por correio uma prenda muito especial. Na gravação do álbum que agora promove em Portugal, ‘Impeach my Bush’, a ajuda de Josh Homme, dos Queens of the Stone Age, e de Feist são um dos sinais de que já ninguém questiona o talento da cantora.

Canções como ‘Fuck the Pain Away’, o seu maior ‘hit’ e parte da banda sonora de ‘Lost In Translation’, fará certamente parte do reportório onde o mais recente álbum, estará em destaque. Em Portugal irá tocar acompanhada por Riot Grrrl: JD Samson, Radio Sloan e Sam Malone.

"AINDA HÁ MUITOS PRECONCEITOS"

CARLOS GUILHERME, SÓCIO-GERENTE DA ESPACIAL

- Correio da Manhã – O cariz sexual ajuda os músicos a vender discos?

- Ao nível internacional talvez, mas em Portugal ainda não terá grandes resultados. Embora a mentalidade esteja bem mais aberta, continuam a existir muitos preconceitos.

- Mas, por cá, o caminho aponta para que os artistas comecem a aproveitar-se da sensualidade?

- O mercado é pequeno. Pode ser que ganhem vantagens noutros ramos, como a televisão, mas se a Ana Malhoa teve sucesso é possível que outros também o tentem.

- A carreira musical da Ana Malhoa disparou com as fotos no ‘site’?

- Ainda não temos o ‘feedback’, mas só fomos informados com as sessões já realizadas. Penso que para funcionar em termos musicais teria de ter sido feito em conjunto com um tema sensual.

- Um ensaio fotográfico sensual afecta a credibilidade de um artista?

- Hoje só compram discos os fãs, ou outros quando um tema é muito publicitado. Só o tempo poderá dizer se esta é uma forma de aumentar as vendas, mas mesmo assim temos de ter em atenção o ‘target’ comercial de cada músico.

Filipe Garcia / Correio Êxito, 23/09/2006

imagens: Doce (site Ágata)