sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

… Nós marketing, nós marketing

Editoras, produtoras, agentes e artistas funcionam como peças de uma máquina bem oleada. Chamam-lhes pirosos, foleiros, pimba. Eles respondem com os discos vendidos e os concertos feitos aquém e além-mar.

Contra factos não há argumentos

E se elas querem um abraço ou um beijinho,… nós pimba, nós pimba. E se elas querem muito amor, muito carinho,… nós pimba, nós pimba. Este é o refrão do primeiro grande êxito de Emanuel e que lançou nas bocas do mundo a expressão Pimba. Mas não foi só a música de Emanuel. Inspirado nesta música, um jornalista da TVI criou uma nova classificação para um conjunto de artistas que começava então a ter acesso à televisão, porque nas bombas de gasolina e bancas de feira, há muito tempo que os seus nomes eram conhecidos.

Mesmo os que aceitam a classificação ‘pimba’ tem alguma dificuldade em explicar o que distingue afinal a música pimba, de todas as outras. «Nunca se sabe onde começa e onde acaba. É mais uma questão de atitude do que de música», defende Pedro Miguel Pereira da Digifilme, empresa produtora da maior parte dos videoclips que passam no "Made in Portugal". A receita parece simples: uma música que fica no ouvido, rimas de amor ou traição e um vestuário sugestivo. Mas é mais complexo do que isso. As personagens são construídas ao pormenor, num conjunto onde música, letra e imagem combinam na perfeição. Da mãe solteira, à mulher atraiçoada, passando pela fundamental ‘femme fatale’, há especialistas para as músicas, para as letras, para a imagem, para os videoclips e para os concertos. Há muita promoção televisiva e radiofónica. Não há lugar para amadorismos.

Caça ao talento

Como é que se descobrem talentos? O processo é comum a quase todas as editoras. Estas empresas têm pessoal especializado que ouve dezenas de maquetes diariamente, vai a concertos de novos valores e está atento ao que passa na rádio e na televisão. «Como no futebol, também temos os nossos olheiros. Foi assim que apareceu o pequeno Saúl. Viram-no a cantar numa determinada festa e acharam que sendo trabalhado podia ser sucesso», explica Carlos Sousa da Vidisco. Mas nem sempre o princípio do processo está na maquete ou no concerto. NZ Produções é como se chama a empresa que fez dos Excesso, e mais recentemente dos Anjos, sucessos estrondosos. Ao contrário do que é costume no meio, nesta empresa de produção, agenciamento e marketing não se espera pelas maquetes dos talentos com aspirações a artistas. Aqui o conceito nasce primeiro. Só depois vêm as pessoas. E nesse caso recorre-se ao casting. Assim nasceram os Excesso. «Procuramos projectos que fazem falta no mercado musical e a seguir procuramos as pessoas certas para lhe dar forma», explica Nuno Carvalho, sócio-gerente da empresa. Foi a partir da utilização de toda uma nova filosofia de marketing que a NZ se envolveu em iniciativas inéditas, como o lançamento de um perfume para apoiar a promoção de um single dos Excesso. O aroma quente de "Loucura" agradou às fãs da boys band e vendeu perto de mil unidades só no primeiro dia.

Letra e música de…

«Afinal havia outra e eu sem nada saber, sorria. E por ele andava louca, pra ser sua mulher, um dia». Quem diria que este sucesso de Mónica Sintra foi escrito e composto por um apreciador de heavy-metal. De músico de rock alternativo, Ricardo Landum passou a compositor, por encomenda, de música ligeira. «Música de entretenimento, levezinha, para ser ouvida sem preconceitos» é como o autor classifica estas cantigas. Quer se trate de trocadilhos bem humorados ou de dolorosos versos de traição, o sucesso é quase certo. E os clientes cada vez mais numerosos e fiéis. Ágata, Micaela, Romana e Tayti são apenas alguns exemplos de artistas que dão voz às palavras escritas por este compositor. E não se têm saído nada mal. Outro nome conhecido da composição é Tony Carreira. Com onze anos de uma carreira, passo a repetição, «na linha da música ligeira com um toque de country-music», o conhecido cantor foi responsável também pelos sucessos dos outros. «Dá-me gozo compor para diferentes artistas e estilos de música», explica. Só assim é possível escrever para nomes como José Malhoa e Ilda de Castro mais recentemente para a já extinta girlsband Tentações. Foi ele que as pôs as moças a pedir "Vem meu amor, que ainda quero mais. O que me dás não chega. Vem meu amor que ainda quero mais. Eu quero a tua entrega total, total, total (com eco)".

Quem tem a pinta?

No universo da música rotulada como pimba, há de tudo. Decotes proeminentes, saias que mais parecem cachecóis, botas de cowboy e t-shirts justinhas. Roupa feita pela mãe ou confeccionada por um estilista. É que, como a experiência já ensinou a Carlos Sousa da editora Vidisco, «as pessoas gostam não apenas da voz e das músicas, mas também dos olhos azuis, do gel no cabelo, da bota e do gesto». Mas, apesar de tudo, nota-se a tendência para a aposta num visual cada vez mais clean, abandonando as plumas e lantejoulas de outros tempos. E entre os artistas há uma preocupação crescente. «A imagem é parte fundamental de qualquer coisa», afirma Fernando Correia Marques. «Dá-nos a possibilidade de vender o produto de forma mais atractiva», acrescenta o cantor de "O Burrito". Mas se a maior parte dos artistas entrega a sua imagem nas mãos de editoras e criadores de moda, como é o caso de Mónica Sintra que só veste roupa com a etiqueta João Rolo, ainda há quem prefira ser dono e senhor dos ‘trapos’ que usa. É o caso de Tony Carreira. «Visto um determinado estilo de roupa, porque gosto de me ver com ela» E como a imagem não se esgota na camisa e nas calças que usa, o cantor apressa-se a explicar que na área da promoção só faz o que lhe apetece. «Só vou à televisão quando não me vêem há muito tempo, só canto com músicos ao vivo e não vou a cocktails do jet-set», garante.

Os longos anos de carreira deram a Ágata o poder de decisão nesta área. «A minha imagem é unicamente consequência da minha forma de ser e de estar na vida», explica a ex-Doce e voz da Abelha Maia. «Nada é artificial, nem estudado», conclui a artista. Mas será que Ágata se veste assim quando vai ao pão?

Para além de gerir a sua própria carreira que conta já com dois discos de ouro e três duplos de platina, a artista apoia os seus protegidos. «Sempre me senti atraída com a possibilidade de poder impulsionar outros cantores da música ligeira e agenciar os seus compromissos». Foi assim que Portugal ficou a conhecer Romana e Rebeca, sobrinhas de Ágata, que se lançaram com os êxitos "Continuas chamando-me assim bébé" e "Vai ver se chove", respectivamente. A Ágata Produções tem site na Internet, onde os admiradores podem ter acesso às biografias, discografias e fotos das artistas e aderir ao clube de fãs da cantora que eternizou o belo verso: "Por isso sai, sai da minha vida, Sai, não te quero ver… Sai que morro de ciúme, desse perfume… da outra… mulher".

Video Stars

Porque a imagem não acaba na roupa de marca e no penteado da moda, os videoclips merecem uma atenção cada vez mais cuidada. E investimentos cada vez maiores. O processo é simples. Com a ideia do artista e o CD a tocar, os responsáveis das empresas de produção audiovisual imaginam o vídeo. «Quando fazemos um clip temos de atingir três objectivos: gerar a venda do produto, tornar o artista conhecido e preparar terreno para o espectáculo», explica Manuel Cunha, sócio-gerente da Digifilme. Aprovados a sinopse e o orçamento, é hora de avançar. E há ideias para todos os bolsos, dos 400 aos quatro mil contos. Mas, ao que parece, cantar para a câmara tendo como pano de fundo apenas a parede de um estúdio ou reproduzir uma actuação ao vivo parece já não ser suficiente. Fernando Correia Marques foi um dos primeiros a percebê-lo. Ao sucesso de "O Burrito" não terá sido alheio o clip realizado para o tema. «Eu joguei com a imagem, brinquei com desenhos animados, uma coisa que em Portugal nunca se tinha feito», explica o cantor. Assim surgiu um clip animado com o cantor montando um jumento de pernas altas, enquanto trauteava «Quando quero ver aquele amor meu, eu pego no burrito e lá vou eu».

Contrariamente ao que se possa pensar, não são as editoras internacionais as que mais investem nesta área. Reconhecendo a importância da imagem, as editoras independentes disponibilizam verbas de fazer inveja às multinacionais. «É preferível investir forte e bem, do que estar com a preocupação de poupar e depois sair uma coisa que não resulta e que pode prejudicar definitivamente o artista», opina Carlos Sousa da Vidisco editora dos Santamaria, um exemplo de sucesso. O grupo de dance music portuguesa foi pioneiro numa nova tendência: clips filmados em espaços amplos em película de cinema. O vídeo de "Tudo pra te amar" foi gravado no cimo de um prédio na Expo com recurso a meios e efeitos especiais pouco vulgares. «Tínhamos um PA de luz, um gerador com um cabo de 100 metros e uma grua para a câmara. Pusemos 200 pessoas no topo do edifício», recorda Pedro Miguel Pereira da Digifilme. A trabalheira ficou em 4.200 contos, mas o resultado foi surpreendente, tendo o clip sido distinguido com o prémio de melhor produção.

Pelos caminhos de Portugal

Tal como Serafim Saudade, todos estes artistas são reis da rádio, da TV e da K7 pirata. Não há feira ou quiosque que não tenha uma banca ou expositor com K7’s e CD’s de Ágata e companhia. E no Verão é ver os emigrantes a parar nas primeiras áreas de serviço portuguesas para abastecer os depósitos e os rádios dos seus automóveis. O produto mais vendido é a mini-K7 com quatro ou cinco hits do artista e preço bem mais acessível que o CD. Depois de anos de reinado da K7 pirata, é agora a cópia ilegal do CD que mais preocupa as editoras. «A K7 é mais difícil de piratear desde quer foi criado o Lay-Card. Agora existem pessoas a ganhar fortunas com os CD’s. Compram-nos virgens, vão a uma gráfica, imprimem capas exactamente iguais e depois vendem-nos a preços extremamente aliciantes», explica Santos Costa gerente da editora Sucesso. A fraude revela consequências graves em termos de vendas, tendo a editora registado quebras na ordem dos 60%.

E como não há feira sem K7, não há festa nem romaria sem bailarico. Nos meses de calor, os artistas desdobram-se em deslocações e concertos pelos caminhos de Portugal. Só em 1999 as Tayti fizeram mais de 150. A assistência rondava em média as cinco mil pessoas, mas na Madeira as artistas cantaram para mais de 30 mil pessoas num espectáculo integrado numa festa do PSD regional. O custo varia consoante o nome do cantor e o modelo de actuação. Uma hora de Micaela em play-back instrumental custa 490 mil escudos. Se quiser banda e bailarinos a comissão organizadora terá de desembolsar mais 360 contos. E para quem quiser ficar com um souvenir, merchandising também não falta. Das habituais t-shirts às indispensáveis esferográficas, passando pelos bonés e porta-chaves. Para o menino e para a menina. À venda pelos caminhos de Portugal e via net nos sites das editoras ou empresas de agenciamento.

TV Pimba

Todas as semanas, a festa começa sexta-feira à noite, com o "Reis da Música Nacional" na TVI, e dura até ao princípio da tarde de Domingo quando vai para o ar, na RTP1, o "Made in Portugal". Pelo meio, a animação passa pela SIC no já mítico "Big Show" de Ediberto Lima e João Baião. É uma autêntica maratona de videoclips e play-backs de artistas da música portuguesa. Popular ou pimba, como preferirem. A abertura da televisão a esta música deu a conhecer ao público os corpos e as caras de históricos como José Malhoa e Ágata, e fez surgir um exército de novos talentos perseguindo o dinheiro e a fama. Foi assim que nos habituámos a ver artistas como Ruth Marlene e Iran Costa a entrarem-nos pela casa a dentro, às vezes mais que uma vez por semana, naquilo que Fernando Matias, director-geral da editora Ovação, classifica como «uma concentração excessiva e algo manipulada». A explicação é simples e vem de quem escreve as músicas que integram estas maratonas televisivas. «Os produtores dos programas não teriam lá os artistas se o público não gostasse deles. E quem faz as audiências não são as elites, é o povo», afirma Ricardo Landum.

Os mesmos nomes dominam os charts destes programas televisivos e lá permanecem semanas a fio. Mas como são elaboradas as tabelas do "Made in Portugal" e do "Reis da Música Nacional"? Das vendas das associações fonográficas portuguesa (AFP) e independente (AFI), às músicas mais passadas pelas rádios, passando pela contabilização de chamadas telefónicas, tudo vale para construir um top. «No "Made in Portugal" é utilizada uma fórmula que combina as declarações de vendas da AFP e AFI com as músicas escolhidas por 60 rádios locais e nacionais», explica José Silva Pedro, director de produção do programa. Tudo em prol do equilíbrio entre o que se ouve e o que se vende. Porque «as rádios passam as músicas antes destas serem postas à venda», justifica. As normas obrigam à exibição de sete vídeos da tabela de um a vinte. Para além de mostrar o primeiro lugar, o programa dá prioridade aos clips das entradas novas, reentradas e subidas mais altas. Mas as regras do programa e as justificações do produtor não convencem toda a gente. «Lembro-me de ver há uns tempos atrás um desconhecido qualquer em segundo lugar, enquanto que o Rui Veloso estava em vigésimo lugar. Ora qualquer pessoa de bom senso não acredita nisto», refere Pedro Miguel Pereira. A culpa é da fórmula matemática.

O Reis da Música Nacional dá voz aos gostos musicais dos telespectadores, elaborando o top de acordo com as chamadas telefónicas para números que correspondem a temas de artistas. Apesar de José Silva Pedro garantir a utilização de um sistema que actua como filtro, identificando os telefones de onde provêem as chamadas, o processo suscita desconfianças. «Eu acredito que existam telefonemas do público, mas não acredito que as trinta mil chamadas recebidas por programa correspondam a trinta mil espectadores», avisa o responsável da Digifilme. «As pessoas também não estão para gastar 500 escudos para votar num artista, por mais que gostem dele. De onde vêm então os telefonemas?

Mas com ou sem manipulação de resultados a televisão é o ingrediente mágico que pode transformar a carreira de qualquer um destes artistas num mega sucesso. Porque no fundo, foi a televisão que fez da música popular, música…pimba!

Pimba na lei

Como qualquer outro, o universo do marketing discográfico e musical também tem coisas menos sérias das quais se fala apenas em voz baixa. Para terem uma maior projecção e entrarem na tabela dos mais vendidos, há artistas que chegam a comprar quantidades enormes dos seus próprios álbuns. «De que outra forma é que o Abrunhosa teria entrado no TOP com este álbum novo?», pergunta Nuno Silva, sócio-gerente da PAS – Produção, Agenciamento e Serviços.

A falta de seriedade de alguns agentes de espectáculos também é alvo de críticas por parte deste empresário. «Conheço um caso vergonhoso. O concerto de uma determinada girls band custava mil contos, mas cada uma das quatro menina só recebia 25 contos», conta.

Também Pedro Miguel Pereira não hesita em criticar aquilo que classifica como «um processo de marketing e de promoção dominado por lobbies». As condições a que os artistas se sujeitam escapam ao público que os vê na televisão e nos concertos. Os tempos em que recebiam cachet para ir à televisão já fazem parte do passado. Agora vão em promoção e alguns seriam até capazes de pagar para terem direito a aparecer na caixinha mágica. «E para que os agentes lhes consigam marcar espectáculos pelo país fora, têm de fazer fotografias com bailarinas de pernas ao léu», acrescenta o responsável comercial da Digifilme. Ossos do ofício…

Marta Coelho / Marketing & Publicidade nº24 Jun 2000

1-O sucesso de cantoras como Ágata, Micaela, Tayti ou Romana é inegável. São autênticas coleccionadoras de discos de ouro e platina
2-O primeiro êxito de Emanuel lançou nas 'bocas do mundo' a expressão Pimba
3-Cláudisabel:' Preciso de um herói' já vendeu 26.000 cópias
4-Fernando Correia Marques depressa percebeu a importância da imagem
5-Santos Costa: ganham-se fortunas com os CD's piratas
6-Não há feira sem K7. Estas são o maior símbolo da música pimba
7-Pedro Miguel Ramos, apresentador do Reis da Música Nacional

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010